Já fomos felizes com 16KB de RAM

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No começo dos anos 80 surgiu um fenômeno chamado Curso de Informática. Os proto-geeks os freqüentavam, não para aprender a programar (isso aprendíamos no 1o curso) mas para ter acesso a computadores.

Eu mesmo era rato da… COMPUTRONIC.

Como sempre havia horários ociosos os empresários mais espertos permitiam que os alunos ficassem nas salas, brincando com as máquinas. Com isso a gente se matriculava no mesmo curso várias vezes, quando não havia nada novo para aprender, só para poder brincar.

Sim, para nós era brincadeira. Lembre-se, não havia Internet, as máquinas não estavam em rede, não tinham disco rígido, nada. Muitas vezes nem unidades de disquete, escrevíamos os programas , executávamos e no final,  dedo na tomada.

Nessa época, auge da Reserva de Mercado, empresas brasileiras descobriram que havia uma boa grana em copiar produtos de fora sem pagar royalties, daí surgiram os clones, como o CP200, CP300, CP500, TK82, TK83, TK3000 e tantos outros.

Eu lembro que fiquei fascinado pela idéia de ter um computador meu. Era ficção científica, era realização do mais sincero sonho dos Jetsons.

Minha avó, na época vivendo com uma pensão do INPS se compadeceu e comprou para mim, em 12 prestações um CP200 da Prológica.

Ficha, segundo o Museu da Computação e Informática:

  • Linha: Sinclair
  • Compatibilidade: ZX-81
  • Ano de lançamento: Out/1982
  • Processador: Z80 A, de 8 bits
  • Clock: 3,25 MHz
  • Memória RAM: 16KB
  • Memória ROM: 8KB (Sist. Operacional e interpretador BASIC)
  • Teclado: semelhante ao das calculadoras ou chiclete, 43 teclas
  • Tela: 24 linhas x 32 colunas
  • Modo gráfico: 44 linhas por 64 colunas

Eu não acreditei. Era um computador, de verdade! Ligado na televisão, totalmente programável.
Com o tempo aprendi a dominá-lo, primeiro no BASIC residente, depois programando em linguagem de máquina (graças a artigos de revistas como a Micro Sistemas).

Passado algum tempo ganhei um TK90X, que –pasmem- era colorido e tinha alta resolução (256×192 pixels). Depois fui para o Amiga, até hoje o melhor computador que já tive.

Todos esses computadores tinham algo que falta nas máquinas e hoje: Alma. Nós éramos micreiros, não usuários. Também não éramos pseudo-comunistas de software livre tentando transformar nossas máquinas em bandeiras da causa capenga que sobrou para ser abraçada, em tempos pós-Muro de Berlim.

Nós amávamos as nossas máquinas. Não eram ferramentas. Eram caixas maravilhosas que conhecíamos de dentro para fora. Podiam ser o cubo do Hellraiser, ou uma cornucópia mágica. Só dependia da gente.

Eu nunca em momento algum chamei meus amigos de “usuários”. Nós éramos “micreiros”.  Nossos computadores não eram ferramentas. Chamá-los assim seria chamar o robô de Perdidos no Espaço de ferramenta.

Tínhamos a ilusão de que estávamos a um passo de 2001. Que com o programa certo nossos computadores despertariam para a vida, ganharíamos um novo amigo, ou mais precisamente, daríamos o dom da fala para um velho amigo.

Quando ELIZA, um programa  do falecido Joseph Weizenbaum foi portado para a linha Sinclair, e caiu em nossas mãos, foi uma comoção. O computador estava, efetivamente pensando e se comunicando.

Vejam um exemplo de um dialogo entre eu e Eliza, em uma implementação em javascript:

> Hello, I am Eliza.
* I am Carlos.
> How long have you been Carlos?
* since forever
> Tell me more…
* are you a machine?
> Why are you interested in whether or not I am a machine?
* I want to know: Are you a Cylon?
> Would you prefer if I were not a Cylon?
* ye
> Are you Sure?
* yes.
> Come, come, elucidate your thoughts.

Pode parecer bobo, e é, comparado até com o clipe de papel do Office, mas estamos falando dos anos 1980.

Fim da Era Dourada

Com a decadência da Commodore e a saída de linha do Amiga, ficamos restritos aos PCs. Não mais nossas máquinas eram mágicas, completas e fechadas. Éramos “livres”, no sentido freetard da palavra, para montar nosso próprio computador.

A Imortal Lição de Tempos Modernos mais uma vez fez-se acontecer: Com a automatização, perdemos a alma. Não mais tínhamos um COMPUTADOR, tínhamos um amontoado de peças, escolhidas, encaixadas, testadas, conectadas.

De máquinas que “simplesmente funcionavam” passamos a lidar com modems, IRQs, páginas de código, portas COM, gerenciadores de memória, QEMM-386, Stacker, Doublespace, DOS, MS-DOS, PC-DOS, HIMEM, TSRs e um monte de outras coisas chatas que mais atrapalhavam do que ajudavam.

Deixamos de mexer nos micros para descobrir como eles funcionavam, e passamos a mexer neles apenas para fazer com que funcionassem.
 
De micreiros viramos suporte de nós mesmos.

Nunca mais eu interagi com um computador como fazia no passado. A primeira vez que vi um Amiga foi uma experiência religiosa. A primeira vez que vi um PC foi… meh. A última máquina que me causou esse senso de deslumbramento foi uma Silicon Graphics Power Challenger, que encontrei em uma visita na Fiocruz. Mesmo assim o pessoal que trabalhava com ela não dava a mínima.

Eu gostaria que computadores tivessem um destino melhor, mas a Ficção Científica se afastou das máquinas “falantes” e “pensantes”.  A idéia que tínhamos , de que no futuro computadores seriam encontrados em todas as casas, em todas a lojas e fariam parte de nossas vidas efetivamente aconteceu.

Se hoje computadores são tão comuns quanto geladeiras e televisões, não são menos mundanos.

Realizamos nosso sonho. Todos usam computadores.  O preço foi nosso deslumbramento, nossa inocência e a própria alma das máquinas que tanto gostávamos.

HAL-9000 se tornou uma realidade, mas na forma de uma torradeira. E isso é triste.



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