Uns querem mudar o mundo, eu só quero ser Andy Kaufman

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Imagine a cena: Um sujeito todo tímido sobe ao palco durante uma apresentação de Improviso. Com sotaque estrangeiro diz que vai fazer imitações, que consistem nele dizendo o nome do entrevistado, e só. “Oi, eu sou fulano”. Com a mesma voz. A platéia vai ficando desconfortável. Não sabe se o cara é ruim ou está se fazendo de ruim. Surgem risadas nervosas, não estão rindo do que ele está fazendo, estão rindo dele. Nesse momento ele pede para fazer uma imitação: Elvis Presley.

A platéia ri de verdade. A falta de talento está estabelecida, a idéia daquele sujeito fazendo uma imitação difícil como Elvis por si só é engraçada.

Ele se produz na hora, coloca uma peruca, pega um violão e faz a mais fodásticamente perfeita imitação de Elvis que se tem notícia. Considerada a melhor, e a única “autorizada”, pelo próprio Elvis Fucking Presley em pessoa.

Todo mundo se acaba em palmas, a platéia vem abaixo. O sujeito se aproxima do microfone, e na mesma voz fina baixa e com sotaque diz “thank you very much“.

Esse era Andy Kaufman.

Ele foi um sujeito que sempre adorou uma platéia mas sempre odiou ovelhas. Não contava piadas, não fazia humor fácil. Na verdade ele sequer fazia humor, e não sendo um humorista se tornou um dos sujeitos mais engraçados de todos os tempos. Em suas próprias palavras:

“Eu não sou um cômico, nunca contei uma piada… A promessa do comediante é que ele fará você rir. Minha única promessa é que irei tentar te entreter da melhor forma que puder. Eu posso manipular a reação das pessoas. Há diferentes tipos de risada. Risada Gutural é quando você não tem escolha, você tem que rir. Risada Gutural não vem do intelecto.”

Essa risada extraída a forceps é o anti-kibe, é a risada mais difícil que existe. Contar uma piada é fácil, fazer um trocadilho é simples. A menos que você seja muito ruim, a piada independe de quem conta. Difícil é quando VOCÊ é a piada. Por isso há poucos (alguns diriam nenhum) Andy Kaufmans.

Ele estourou na metade dos anos 70, seu papel mais conhecido foi na sitcom Taxi, sucesso monstruoso na época, mas assim como Matrix, Kaufman ficou famoso pelos motivos errados. José Wilker desdenha (corretamente) das discussões filosóficas geeks, dizendo que no fundo Matrix é um filme onde um sujeitinho aprende a brigar mais rápido. Já a platéia de Kaufman gostava do estilo underdog do Cara Estrangeiro, seu personagem marcante.

Ele odiava fazer a sitcom, onde interpretava uma variação do Cara Estrangeiro, mas sabia que ganharia visibilidade -e dinheiro- dois fatores importantes para poder ser anárquico e independente.

Por favor, não entenda “anárquico” no mau sentido. Hoje mesmo me elogiaram por “não ter papas na língua”, falar “o que dá na telha” e não me “preocupar com as consequências”. Aceito e gosto do elogio, mas sendo realista isso é uma grande ilusão. Eu sei exatamente quais meus limites, sei que há horas onde o melhor a fazer é enfiar o pé na boca. Essa história de Humor Anárquico, termo pseudo-elogioso aplicado ao TV Pirata, Casseta e Planeta, Pânico e até ao CQC nem de longe é real.

Não é uma crítica, é questão de bom-senso. Danilo Gentili por exemplo por mais “humor anárquico” que faça, é muito mais inteligente do que dá a entender através de seus shows, e jamais chamaria um Senador de Filho da Puta, apenas “for the lulz“, como dizem os trolls. Mesmo o famoso caso do Marcelo Tas perguntando se Maluf era ladrão ocorreu dentro de um contexto.

O humor anárquico é algo que é apreciado na teoria, na prática a platéia tem tanta dificuldade com ele quanto os alvos das piadas. Quando a audiência é o alvo, o bicho pega. A platéia de humor também é conservadora, vai ao show esperando encontrar algo familiar. Desrespeitar essa regra é muito pior do que discutir com o inevitável chato que se ofende com uma piada. Transformar esse desrespeito em uma regra de vida, aí já é coisa de gênio. Como Kaufman.

Ele inventou uma briga com Jerry Lawler, lutador de vale-tudo que durou anos. Com direito a uma invasão durante entrevista no David Letterman. Ele criou um personagem chamado Tony Clifton que seria seu inimigo mortal. Chegou a exigir (e conseguir) que Clifton fosse contratado para trabalhar em Taxi. Mesmo sendo evidente que Clifton era (na maior parte das vezes) Kaufman, eram tratados como pessoas separadas, Clifton fazia shows por conta própria.

Essa incapacidade orgânica de seguir regras (dos outros) deixava a platéia desconcertada. Em mais de uma ocasião quando insistiam que ele reprisasse os personagens da TV (que odiava) Kaufman surpreendia. Puxava uma cópia d’O Grande Gatsby e começava a ler. Ele ia até o fim, as pessoas abandonavam o teatro, iam embora, e ele lendo. No próximo show, platéia lotada. Motivo? Todos queriam ver o que ele iria inventar a seguir.

Algumas vezes tive um vislumbre dessa ousadia kaufmaniana, mesmo no restrito âmbito do humor brasileiro. Uma delas foi quando Sílvio Santos resolveu assediar o Programa Pânico, queria levar Vesgo e Ceará para o SBT. “Deduziram” que a grande audiência do programa estava atraindo o assédio, então durante um bloco inteiro do programa um locutor lia, com voz monocórdia O Guardador de Rebanhos, de Fernando Pessoa.

Pense nisso: Um programa de humor, um programa de TV que depende de audiência conscientemente espantando os espectadores, em nome da Piada.

Outro que vi em um momento Kaufman foi ninguém menos que Mr Manson, o Pai do Kibe enquanto verbo. Durante um evento presenciei um leitor chegar emocionado elogiando seu livro Transpiauí – uma peregrinação proctológica. Ao invés de aceitar o elogio Manson soltou um “ah, sério que você acreditou naquilo?” partindo pra explicar que o livro foi todo inventado, que ele nunca foi ao Piauí.

O sujeito olhava para mim, eu balançava a cabeça confirmando. No final o cara saiu sem ter certeza de mais nada na Vida.

Kaufman tinha essa capacidade de fugir das regras quase como uma regra. Em um show memorável ele parou 20 ônibus na porta do teatro e levou a platéia para um lanchinho de leite e biscoitos. Antes da popularização do controle remoto ele fez um programa passar estática chuviscos e falhas no horizontal (se você sabe o que é isso, é velho), para horror da emissora, afinal “o público entenderia que o problema era com eles”.

Uma década depois Joe Dante queimava propositalmente a película, durante a exibição do filme, projetando imagens que davam a entender que havia Gremlins na cabine de projeção.

Se você acha que Borat, personagem de Sacha baron Cohen lembra muito Andy Kaufman, está certo. Mas não é uma imitação. Todo comediante bebe de outros comediantes, todos são influenciados, influenciam e aprimoram o material. Kaufman bateria palmas para Brüno, com certeza. Não há nada mais arrogante do que comediante que diz que não sofreu influência de ninguém. Não confio em humorista que não bebe.

Kaufman é uma lição, um alerta contra o conformismo. Todo comediante se acha não-conformista e crítico, mesmo que não sofra da arrogância infantil do Marcos Mion, achando que vai mudar o Mundo. Só que quando esse não-conformismo existe dentro de limites específicos e restritos, deixa de ser não-conformismo. Viram Rebeldes Domesticados, uma espécie de Che Guevara com cartão de ponto e mulher esperando na porta de casa pra ele não se atrasar.

Não digo que todos precisam (ou podem, ou merecem) ser Andy Kaufman, só afirmo que essa lição deve ser entendida por todo mundo que trabalha com entretenimento: Se a platéia toda bate palma, você está seguindo o caminho mais fácil; não há nada de errado nisso, mas você quer só isso?

Até porque qualquer um pode montar um “Separados no Nascimento” no MS Paint, mas quanta gente consegue ser aplaudido de pé por dublar o refrão do tema de Super-Mouse?

Andy morreu em 1984, aos 35 anos vítima de um câncer de pulmão. Um humorista rasteiro diria que foi irônico um sujeito que não usava drogas, não fumava, bebia raramente e era vegetariano morrer assim, mas Andy Kaufman não fazia humor óbvio. Ele preferiu avisar que voltaria, espalhou que sua morte era mais uma de suas peças.

Para complicar um ano depois Tony Clifton fez apresentações em várias cidades pelo interior dos EUA, e embora haja atestado de óbito, fotos do túmulo e amigos confessando terem feito os shows a pedido de Andy, uma parte dos fãs ainda acha que ele está vivo, incógnito fazendo shows por aí. Eu acredito, afinal se Elvis está vivo, porque não Andy?

DO YOU WANT TO KNOW MORE?

Em 1999 Miloš Forman lançou Man on The Moon, traduzido no Brasil como O Mundo de Andy. É uma brilhante biografia de Andy Kaufman, brilhantemente interpretada por Jim Carey, acompanhando clipes de ambos no YouTube a semelhança chega a ser desconcertante. O filme já começa com “Andy” explicando que os fatos foram alterados em prol da dramaturgia, e que pensando bem iria cortar as partes romanceadas fantasiadas e exageradas. Neste momento começam os créditos finais.

É um filme essencial para quem quer ampliar os horizontes e entender que humor e entretenimento vai muito além de contar piadas, e que alienar parte da platéia NÃO é um Pecado Mortal, ao menos para quem quer ser reconhecido como algo mais que um entre muitos.

De resto ainda há o bônus adicional de virar tema de música do R.E.M….

Dedicatória: Este post só saiu por insistência da Letícia Sales, que todo dia me cutucava no Twitter perguntando quando eu iria sentar a bunda e escrever o texto.



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