Chuvas, Finados, Mães e nossa visão medieval do Mundo

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galileuHoje na minha timeline no Tuito surgiu um comentário inocente… “Minha mãe falava que sempre chovia em Finados”. Eu retruquei que isso não era verdade, o que propiciou uma avalanche de comentários me desmentindo.

Pra facilitar a vida dos trolls, o trechinho que vão repetir por aí provando minha arrogância: Me senti Galileu diante da Inquisição, quando os bispos se recusaram a olhar no telescópio, como mostra a famosa pintura descrevendo a cena que nunca aconteceu.

A história de que sempre chovem em Finados é mais uma daquelas mentiras que as mães contam, mas só uso o termo mentira por não gostar de atenuantes como  “meia verdade”. É uma mentira. Bem-intencionada, elas realmente acreditam nisso. Minha avó repetia dogmática a tal afirmação.

A alegação de que “sempre chove em Finados” é, obviamente de cunho religioso, populações urbanas de países com clima decente associam chuva a tristeza. No Saara Ocidental seria algo a se comemorar.

O interessante dessa crendice é que ela não resiste aos mais básicos questionamentos, mas TODOS a espalham sem pensar. É como se alguém dissesse “o Sílvio Santos consegue virar lobisomem” e todo mundo aceitasse como algo natural. (o que é um absurdo, ele é judeu, viraria um Golem*),

* não, não viraria, eu sei, mas não sou versado em criaturas místicas de origem judaica, fora a Natalie Portman.

Temos aqui um caso de memória coletiva seletiva. As pessoas passam adiante a crendice e convenientemente esquecem das ocasiões em que ela é demonstrada falsa. Quando não chove em Finados, as pessoas simplesmente não falam nada, ninguém pensa “hey, não era pra ter chovido hoje?”

A crendice da chuva em Finados tem também base na percepção de que o Homem é o Centro do Mundo. Nós somos o centro de nossos Universos, perceber que há mais além do que nossos olhos podem ver é MUITO complicado. Nada é mais difícil para um crente entender que o discurso “estamos nos fins dos tempos, Jesus está voltando” é repetido com as mesmas palavras e com os mesmos “sinais” e profecias desde uns 5 minutos depois que ele morreu. SE morreu, uns dizem que foi pro Japão (sério).

“Sempre Chove Em Finados” é muito mais fácil de ser assimilado no Rio de Janeiro, por exemplo. Estamos em época de chuvas, estatisticamente CHOVE muito por aqui. Na verdade no Hemisfério Sul inteiro. Só que estatisticamente “sempre chove” em Finados, mas “sempre chove” dia 1o de Novembro, dia 3 e no período inteiro.

Outra questão: “Sempre chove” AONDE, cara-pálida? No mundo inteiro? Tenho certeza de que um fenômeno desses seria razoavelmente divulgado na literatura científica. 100% de cobertura de nuvens no planeta é algo que não costuma passar em branco.

No Twitter falaram “ah, no Rio sempre chove”. A implicação é que somos uma cidade especial? Temos alguma prerrogativa divina para recebermos um sinal em honra aos mortos? Bem, a música diz que a Cidade Maravilhosa é escolhida por Deus, talvez esteja certa.

Outro comentário no Twitter foi “Pois é. Eu honestamente não me recordo de nenhum. Mas não sou tão velha quanto o @Cardoso”. Primeiro, velha é a mãe :). Segundo, é uma tuiteira precoce, ou com Alzheimer, pois em 2008 não choveu no Rio em Finados.

Em uma atitude quixotesca e inútil, pois crendices não são vencidas com fatos, coletei via Wolfram Alpha  informações pluviométricas de Rio e São Paulo entre 2010 e 1988. Por “chuva” (em azul) entenda-se qualquer precipitação acima de zero, mesmo anos onde choveu por meia-hora no final da tarde.

Coloquei Lisboa como um controle, afinal é uma cidade eminentemente católica, culturalmente próxima do Brasil mas no Hemisfério “errado”. Notem que misteriosamente não segue o padrão.

Nesse intervalo São Paulo teve 5 dias de chuva em Finados contra 10 secos. O Rio teve 6 secos contra 16 de chuva. Dificilmente uma relação de quase 30% de dias secos é “quase sempre chove”.

Mas… é apenas ciência. Isso nunca levou ninguém a lugar nenhum.

Presença de Chuva no dia 2 de Novembro

vermelho – sem chuva – azul – chuva 

       
ano São Paulo Rio de Janeiro Lisboa
2010 0 1 0
2009 0 1 0
2008 1 0 0
2007 1 1 0
2006 1 1 1
2005 0 1 1
2004 0 1 1
2003 nd 1 0
2002 nd 1 1
2001   1 0
2000 0 0 1
1999 0 0 0
1998 1 1 1
1997 nd nd 1
1996 1 1 0
1995 nd 1 1
1994 0 0 1
1993 nd 0 1
1992 0 1 0
1991 nd 1 0
1990 nd 1 0
1989 nd 0 1
1988 0 1 1

Para fins comparativos, a mesma tabela mas para o dia 1o de Novembro, onde não há qualquer imperativo místico para chuva:

Presença de Chuva no dia 1o de Novembro

vermelho – sem chuva – azul – chuva

ano São paulo Rio de Janeiro Lisboa
2010 0 1 0
2009 0 1 1
2008 0 1 1
2007 1 1 0
2006 1 1 1
2005 0 1 1
2004 0 1 0
2003 nd 1 1
2002 nd 1 1
2001 0 1 0
2000 0 0 0
1999 0 0 0
1998 1 1 0
1997 nd nd 1
1996 1 0 0
1995 nd 1 1
1994 0 0 0
1993 nd 0 1
1992 0 0 0
1991 nd 1 1
1990 nd 0 0
1989 0 0 0
1988 1 1 1



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