Faits divers – os bons tempos das notícias falsas do bem

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Em 4 de Dezembro de 2016 um retardado de 28 anos chamado Edgar Maddison Welch foi preso por efetuar disparos com arma de fogo em um restaurante em Washington, DC. Ele estava investigando uma conspiração, uma cabala envolvendo bruxaria satanismo e um anel de pornografia infantil, comandado por Bill e Hillary Clinton e pela cúpula do partido democrata.

As reuniões secretas e sessões de abuso das pobres criancinhas ocorreriam naquele restaurante, no porão. Os disparos foram em parte frustração do Detetivão (tm Alesie) ao ser informado que o restaurante em questão não tem porão.

Tudo não passou de uma notícia falsa, repassada com fervor religioso entre os militantes republicanos, sem nenhum pingo de ceticismo, sem nenhum interesse em verificar a veracidade dos fatos. A informação diz o que eles querem ouvir? Então é verdade. O Textão venceu, a Nina, 8 anos  é a nossa Rainha. Nina Locuta, Causa Finita.

Nem sempre foi assim. Não que não existisse notícia falsa, elas haviam, mas eram inofensivas. Tinham até um nome, Faits divers, pois Teoria da Comunicação é chique demais para usar terminologia em inglês.

Os Faits divers quase sempre tinham alguma base na realidade, mas eram embelezados em prol do jornalismo de entretenimento. E não, o Meia-Hora, em toda sua glória e genialidade não é pioneiro.

Note que o Fait Divers não é necessariamente sensacionalismo, sensacionalismo é tirar algo de proporção, Fait Divers é deixar a imaginação correr solta. Uma vez um sujeito passou mal com comida estragada, ficou verde. O Última Hora invetou toda uma história de abdução alienígena em cima disso. O Dia teve uma manchete clássica nos anos 1950: Uma mulher comeu cachorro-quente de rua, foi parar no hospital. A manchete resultante? “Cachorro fez mal à moça”.

O Notícias Populares era especialista nesse tipo de “jornalismo de entretenimento”:

O jornalismo de Fait Divers tinha uma postura mais moralista, condizente com os leitores, escandalizando-se com as próprias histórias, que quase sempre tinham uma lição de moral, terminando com redenção e castigo a quem de direito. Mas acabava ali. Os jornalistas sabiam que o leitor era inteligente demais para levar realmente a sério aquelas histórias.

Uma outra diferença entre os jornais que trabalhavam com Fait Divers e os tablóides sensacionalistas é que estes publicavam quase 100% de notícias 100% falsas, já o pessoal do Fait Divers misturava notícias inventadas com reais, e confiavam que o público saberia diferenciar. Por muito tempo foi assim, ao menos ninguém morreu por causa da saga do Bebê-Diabo do ABC.

Hoje as notícias falsas perderam essa inocência. Elas trazem toda uma carga política, ideológica, uma agenda, como dizem os gringos. Elas são feitas para prejudicar alguém. Nem o Sensacionalista escapa. Toda notícia é repleta de comentários acusando o jornal de ser coxinha, petralha, etc. Toda piada online é patrulhada em busca da motivação oculta.

Pior de tudo: Perdemos a leveza e o discernimento, hoje nada é tratado como algo menor, como apenas uma brincadeira. Tudo é mortalmente sério, inclusive o sujeito que matou a ex e mais 10 pessoas uns 4 dias atrás e ninguém mais está comentando.

O desejo de ser mortalmente sério e o ciclo de notícias de 12 horas (24h é tão 2007) tornou mais fácil acreditar em tudo e levar tudo a sério do que gastar tempo questionando, ponderando sobre algo. E isso é uma postura que ignora ideologias, todos os pontos do espectro político são igualmente retardados.

Rolou no Facebook uma “denúncia”, compartilhada por milhares de imbecis de que o PT estaria construindo um gulag debaixo do Itaquerão. Isso mesmo, uma prisão política secreta, porque afinal nenhum lugar melhor do que um estádio frequentado por dezenas e milhares de pessoas. Outra história era que os médicos cubanos seriam comandantes militares, os refugiados haitianos seriam soldados cubanos disfarçados e o PT daria um golpe militar para tomar o poder.

Sim, eu sei, não faz sentido dar um golpe para tomar o poder quando você é o partido que ocupa a Presidência, mas essa parte até perdôo, lembre-se que o Zé Dirceu tentou pedir asilo político no exterior, único caso da História de um asilado membro bem-quisto do partido dominante.

Também há a “notícia confirmada” de que tropas venezuelanas estariam na fronteira com o Brasil prestes a invadir (já viram as estradas? Boa sorte). Essa é uma variação de outra “confirmadíssima” notícia de que 6000 tanques russos estariam na fronteira do Canadá com os EUA para impedir a posse do Obama.

Nós perdemos as notícias falsas de raiz, as notícias falsas moleques, as notícias falsas de várzea. Em um mundo ideal elas teriam sido mortas pelo ceticismo saudável, pelo bom-senso e pela análise ponderada da informação, mas no mundo que temos foram mortos pela imbecilidade generalizada. Toda notícia é verdadeira se promove a Narrativa.

Com isso acabamos com casos como este, quando um pastor não muito intelectualmente iluminado compartilhou como verdadeira uma notícia do Sensacionalista. Uma notícia das mais bestas, “Bancada gay lança projeto de lei para proibir o casamento de evangélicos”. Um imbecil seguidor do pastor demonstrou todo seu Amor Cristão™ e saiu xingando e ameaçando o Deputado Jean Wyllys:

“Eu falei do deputado federal endemoniado Jean. Se Deus não matar esse infeliz, eu mesmo vou matá-lo pessoalmente. Querem respeito desrespeitando as leis de Deus e os princípios da Bíblia Sagrada. Mas rapaz, quem vai virar homofóbico agora sou eu.”

Deus não matou, nem ele, foi processado e perdeu. Ninguém mandou ser imbecil, pensar com a bunda e não gastar 3 minutos pesquisando a veracidade de algo antes de ameaçar a vida de alguém por causa de uma notícia.

E só para deixar claro que a falta de discernimento é apartidária, termino lembrando que ao mesmo tempo em que idiotas ameaçam deputados de morte por notícias do Sensacionalista, deputados idiotas usam o Sensacionalista como fonte:



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