666 – O Verdadeiro Esquadrão Suicida

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O velho 666 era um avião amaldiçoado. Ninguém gostava de voar nele, era um B17-E, uma fortaleza voadora que parecia atrair fogo inimigo. Todas as missões sempre voltava bem danificado.
“É esse mesmo”, disse o Capitão Jay Zeamer.

Fazia sentido ele desconsiderar a maldição, não dar bola para o consenso entre os outros pilotos. Zeamer sempre jogou pelas próprias regras, e isso custou bem caro. Apesar das promoções automáticas em tempo de guerra, Zeamer não conseguia ser colocado como comandante nas missões de combate contra os japoneses.

Diziam que ele era rebelde demais, que não trabalhava em equipe, e que era muito agressivo em seu estilo de pilotar. Provavelmente era verdade, mas não se ensina truques novos a um cachorro velho e Zeamer já tinha 24 anos, era praticamente um veterano ancião.
Esse velho teimoso não gostava de se sentir solitário, então começou a juntar seus conhecidos do tempo de treinamento, e outros rejeitados problemáticos. A opinião geral era que Zeamer havia montado uma tripulação com os sujeitos mais malucos, renegados e desajustados da aviação do exército. Eles provavelmente concordavam.

O grupo era especialista em ser voluntariar para missões que ninguém queria. Se era algo cascudo, perigoso eles eram os primeiros, e em geral os únicos a dar um passo a frente.
Quando Zeamer foi transferido para o 65º Esquadrão de Bombardeiros em Porto Moresby, Nova Guiné, ele aproveitou para completar sua equipe e ganhar algumas medalhas em missões perigosas, mas o grande momento veio quando eles colocaram o olho no Velho 666, o avião que ninguém queria.

Adaptado para reconhecimento aéreo, ele era equipado com um Trimetrogon, que apesar de adequado ao velho 666 não era o nome de um demônio das profundezas infernais, mas um sistema de câmeras que fazia fotos em mosaico, criando grandes mapas de alta resolução.

Os rapazes reformaram completamente o Velho 666, trocaram motores, fiação e armas.

Montes de armas. Zeamer não confiava em caças de escolta e de qualquer jeito acabavam sempre sozinhos, então o jeito era se proteger. O 666 não tinha as usuais 30 metralhadoras de um B17 comum. A tripulação modificou o avião para um total de 19 pontos de tiro, inclusive para os operadores de rádio.
Também usavam encaixes de ação rápida e deixavam metralhadoras extras espalhadas pelo chão, assim se uma travasse era só arrancar e substituir por uma reserva. Zeamer fez questão de instalar uma .50 na cabine, apontando para frente e acionada por um gatilho em seu manche.

Violando todas as regras do bom-senso, eles fizeram um ataque rasante soltando bombas com temporizadores, que saltavam na água e então acertavam o alvo. Era uma técnica que funcionava com caças-bombardeiros, mas os loucos fizeram com um quadrimotor de 24 toneladas, passando a 15 metros do convés de um porta-aviões japonês.

Em 5 de Maio de 1943 o Velho 666 estava participando de uma missão noturna em Wewak, quando a antiaérea japonesa conseguiu apontar os holofotes para a formação, e o fogo cerrado começou. Esquecendo que estava em um bombardeiro, e não em um caça, Zeamer mergulhou em direção ao solo, com sua tripulação atirando com todas as armas que podiam mirar para frente. Dois holofotes foram danificados, três destruídos e os japoneses perderam a iniciativa do combate.

A Grande Missão do Velho 666 chegou no dia 16 de Junho de 1943, quando precisaram desesperadamente de informações sobre as posições japonesas na ilha de Bougainville. 1000Km sobre mar aberto para ir, 1000Km sobre mar aberto para voltar, alvo fortemente armado, cheio de patrulhas inimigas e, claro, sem nenhum caça de escolta.

Era a cara de Zeamer e seus Desajustados, que estranharam tudo estar tão tranquilo. Nenhum sinal do inimigo, só mais 20 minutos e voltariam para casa, exceto que nada dá certo pro Velho 666, e nada menos que 17 caças japoneses apareceram e caíram como um enxame.

Só para descobrir que o Velho 666 era mais que um avião de reconhecimento, era o B17 mais bem armado do Pacífico, com um louco no comando.

A tripulação inteira começou a retornar fogo, inclusive o Segundo-Tenente Joseph Sarnoski, que nem chegou a comemorar a derrubada de um Zero, quando um projétil explosivo de 20mm o feriu mortalmente. Sarnoski se arrastou de volta para sua posição, continuou atirando, derrubou outro Zero mas não resistiu aos ferimentos. Morreu em seu posto, em sua última missão antes de dar baixa e voltar para a América.

Zeamer manobrava o B17 como um caça, surpreendendo os japoneses com suas armas de proa, quando o painel de instrumentos se desintegrou. Quatro projéteis explosivos dos canhões de 20mm dos Zero penetraram no cockpit, sua perna se quebrou acima e abaixo do joelho, um fragmento abriu um enorme buraco em sua coxa, seu pulso direito, cortado. Estilhaços pelo corpo todo.

Quatro feridos, um morto, Zeamer lutando para manter a consciência enquanto manobrava o avião na direção do fogo inimigo, fazendo com que os caças perdessem a mira atirando longe demais. Nesse momento um tiro de sorte acertou o tanque de oxigênio do Velho 666, causando uma explosão.

O Velho 666 estava a 7600 metros de altitude, Zeamer sabia que eles perderiam a consciência em alguns segundos, o jeito era torcer para que o B17 mais uma vez acreditasse que era um P51 Mustang.

Embicando em direção ao mar, Zeamer usou o instrumento que tinha, um medidor de pressão da saída do motor. Comparando com o que sabia ser mais ou menos o valor a 8000 pés, ou 2400m, ele só aliviou o mergulho quando a agulha indicou que teoricamente haveria ar suficiente para eles ali.

O ataque durou no total 40 minutos, quando os japoneses foram pouco a pouco derrubados, danificados ou abandonaram por falta de munição ou combustível. Era hora de voltar para casa, mas como, sem instrumentos?

Não era (muito) problema. O navegador, mesmo ferido conseguia apagar e acordar de tempos em tempos, eles colocaram o Sol na popa, e navegaram comparando as esparsas ilhas que apareciam com os mapas da região.
Conseguiram chegar à base aliada em Dobodura, Nova Guiné, onde o co-piloto pousou o Velho 666, sem flaps e sem freios. Zeamer aparentemente estava morto aos controles.

Ao menos foi o que disseram aos socorristas, que mesmo assim foram verificar e apesar de extremamente debilitado pela perda de sangue, Jay Zeamer ainda estava vivo. Sua guerra havia acabado, mas não sua vida.

O Tenente-Coronel Jay Zeamer viveu até os 88 anos, morrendo em 22 de Março de 2007. Por seus feitos ele e Joseph Samoski receberam a Medalha de Honra do Congresso, a maior honraria outorgada pelos Estados Unidos. O resto da tripulação recebeu a Distinguished Service Cross, tornando aquele vôo do Velho 666 a tripulação mais condecorada na 2ª Guerra.

Nada mau para um bando de encrenqueiros e desajustados.



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