O cientista judeu, gay e protegido por Hitler

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Otto Heinrich Warburg era um gênio, um dos luminares da Bioquímica. Ele fez descobertas fundamentais sobre metabolismo e respiração celular, suas pesquisas foram fundamentais para a futura descoberta do Ciclo de Krebs, e por isso ele deve ser odiado por todos os estudantes.

Warburg foi indicado ao Prêmio Nobel 49 vezes em um período de nove anos, e quando ganhou o de Medicina, em 1931, sua resposta foi “Até que enfim”.

Warburg era, obviamente, incrivelmente arrogante, o que não combinava com sua condição de judeu na Alemanha Nazista. OK, tecnicamente ele era Protestante, seu pai, filho de judeus ortodoxos se converteu depois de uma briga com o rabinato local, mas os nazistas não ligam pra esses detalhes.

Enquanto a maioria dos cientistas judeus fugiam da Alemanha, Warburg continuou como se nada estivesse acontecendo, até que em 1941 ele foi informado que havia sido demitido do Instituto de Biologia Kaiser Guilherme (traduzo mesmo) e proibido de lecionar, com base nas Leis de Nuremberg.

Cartilha pra determinar se você é de raça pura.

Ele percebeu que talvez fosse mais judeu do que imaginava, e quando alguns cavalheiros da Gestapo apareceram em sua porta com um gentil convide para visitar o Quartel General, a ficha caiu, no melhor estilo daquela tirinha da não menos genial Laerte:

Além de judeu, Warburg tinha um agravante: Ele era solteirão, dividia apartamento com um amigo, wink wink se é que você me entende, e ao contrário de hoje, a turma do arco-íris não era exatamente bem-vista pelo Governo Alemão.

Como não dava tempo de Warburg mandar um torpedo pro “amigo”, dizendo pra esconder os pufes, o poodle rosa e o pôster de My Fair Lady, ele teve certeza de que seria enquadrado por crime de judaísmo com agravante de boiolidade.

Ele iria ganhar mais estrelinhas no uniforme do que aluno de colégio positivista.

Chegando no QG da SS, Warburg foi recebido por ninguém menos que Viktor Brack, alto oficial na Chancelaria do Führer. Mais ainda, Brack foi responsável pelo programa de eutanásia, que exterminava pessoas, judias ou não com qualquer tipo de deficiência física ou mental. Eugenia em sua mais pura forma.

O que Warburg não esperava era que os nazistas estivessem acompanhando de perto suas pesquisas.

Viktor Brack, foto durante o Tribunal de Nuremberg, onde foi julgado por Crimes Contra a Humanidade. Spoiler Alert: aquela cabeça não ficou mais muito tempo colada no pescoço.

Ele havia descoberto que células de tumores apresentavam um sistema de respiração celular diferente, ao invés da respiração aeróbia, usando oxigênio, elas preferiam obter energia através de fermentação, por isso muitos tumores apresentam abundância de ácido lático.

Era uma proposta nova e revolucionária, que associava câncer à dieta, e tinha perspectivas promissoras de uma forma abrangente de tratamento.

E câncer era o calcanhar de Aquiles dos nazistas. A Raça Superior estava enfrentando quase uma epidemia de câncer, o que era terrível para os soldados e a população geral. Mais ainda, Hitler era extremamente traumatizado com a doença.

Ele viu sua mãe definhar e morrer com câncer no seio, sofrendo com tratamentos venenosos e ineficientes. Em um raríssimo, talvez único momento de Humanidade Hitler protegeu pessoalmente Eduard Boch, o médico judeu que cuidou de Klara Hitler.

A ponto de oficiais da SS irem semanalmente na casa de Boch para ver se estava tudo bem, e todo nazista da região sabia que encostar um dedo no Doutor era garantia de morte.

Dr Eduard Boch.

Hitler vivia achando que estava morrendo de câncer, chegou a escrever o testamento certa vez, e durante o começo da Operação Barbarossa, a invasão da União Soviética, ele cancelou reuniões estratégicas para discutir avanços nas pesquisas contra o câncer.

Otto Warburg não sabia nada disso, então ficou surpreso quando Brack informou que nada aconteceria com ele, e que poderia voltar a trabalhar no Instituto na hora que quisesse, e que ninguém interferiria com sua pesquisa.

De volta ao instituto, Warburg continuou com sua rotina: Saudações nazistas, flâmulas, suásticas e bustos de Hitler eram banidos.

Certa vez um grupo de stormtroopers chegou no Instituto convocando os cientistas para uma marcha. Warburg disse que botaria fogo no prédio antes disso acontecer. Os Stormtroopers voltaram de mãos abanando.

Nas pesquisas, ele descobriu que as células cancerosas eram focadas em fermentação, e deduziu que os componentes responsáveis por metabolizar Oxigênio deveriam estar com defeito, o que pode ser usado como ponto de ataque no caso de um tratamento.

Dr Warburg e sua equipe, segundo da direita pra esquerda.

Do lado dos nazistas, eles não só continuaram financiando as pesquisas de Warburg, como Herman Göring mexeu pauzinhos na burocracia nazista para que Warburg sofresse up upgrade social e fosse classificado como ¼ Judeu, ao contrário dos indefensáveis 50% que ele era.

Algumas das idéias de Warburg não estavam corretas, com o tempo foi descoberto que muitos cânceres metabolizam oxigênio normalmente, e ao contrário do que ele insistia, Insulina não está relacionada com câncer.

Com a descoberta do DNA as pesquisas de câncer abandonaram as vertentes como o metabolismo celular de Warburg, ele acabou “saindo de moda” também, muita gente o via como colaboracionista, outros como traidor. Ele era, sem dúvida, um homem de difícil trato, arrogante e focado, obviamente odiava nazistas mas se pagassem pra ele trabalhar, sem interferirem, tudo bem.

Warburg mudou seu laboratório para Liebenburg, para fugir dos bombardeios aliados, e em 1944 foi indicado para mais um Nobel. Alguns boatos dizem que ele ganhou mas não aceitou pois a Lei nazista impedia. O Comitê Nobel diz que não foi o caso, mas ele estava entre os finalistas.

Nos anos seguintes três cientistas de seu laboratório receberam Nobéis, incluindo o famigerado Sir Hans Adolf Krebs, que tem o mérito de carregar no nome duas das coisas mais odiadas de todos os tempos.

Warburg morreu em 1970, aos 86 anos. Na virada do Século XXI, cientistas começaram a revisar as pesquisas de Warburg, e a ganhar um novo entendimento, visualizando o câncer como uma doença genética E metabólica, e que perturbar as formas como as células tumorais conseguem energia talvez seja, sim, uma forma viável de tratamento.

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