
Uma vez, voltando de um evento científico, comentei não lembro se com o Átila ou o Carlos Hotta que deveriam passar Cosmos, de Carl Sagan, na TV. Responderam que não faria sucesso, que a televisão, a mídia audiovisual de hoje em dia é muito mais ágil, e o ritmo de Cosmos não agradaria ao público Jovem™.
Por muito tempo pensei sobre isso. Minhas observações não constatavam isso, assisto filmes normalmente, não noto essa mudança. Ao mesmo tempo, vejo jovens assistindo vídeos e ouvindo podcasts em velocidade acelerada, o que não combina com a hipótese de que a mídia hoje é mais ágil que a do passado.
Eu percebi que estava assistindo documentários antigos da Segunda Guerra Mundial em velocidade acelerada, mas não os filmes. Conclui que a velocidade com que os veteranos, idosos, falavam, era muito lenta, e comportava a aceleração.
Isso bastaria para firmar minha opinião, mas Ciência não funciona assim. Experiência pessoal, ou anedótica, não conta, de nada vale. A melhor forma de terminar a validade da hipótese é por meio de dados. Então, fui à luta.
1 – Obtendo os Dados
Usando o site The Numbers, cataloguei as maiores bilheterias desde 1940, com intervalo de 10 anos, até 2020. Em média, cada ano é representado por 10 filmes.
De posse dos títulos, usei a Biblioteca do Paulo Coelho para baixar todos os filmes. FOR SCIENCE! 183GB no total.

Um script em Python extraiu a duração, em segundos, de cada um dos filmes.
- – Cenas
O próximo dado a ser obtido é a quantidade de cenas em cada filme. Fazer isso manualmente seria insano, então usei a ferramenta PySceneDetect, um pequeno aplicativo que analisa um vídeo, e através de diversos algoritmos é capaz de identificar as mudanças de cenas. Ele é versátil a ponto de criar páginas com cada cena, separar em vídeos isolados, gerar dados com informação visual e estatísticas.

Um script em Python executou o PySceneDetect para cada um dos filmes de nossa base de dados.
- – Palavras
A constatação que os jovens ouvem áudios acelerados sugere que as novas gerações estão acostumadas com mais informação em menos tempo. É possível testar isso extraindo o texto de cada filme, e comparando a quantidade de palavras totais e palavras por minuto de cada obra.
Transcrever os diálogos e narrações, antes trabalho hercúleo odiado por jornalistas no mundo inteiro, hoje é trivial. Usei um aplicativo chamado Faster Whisper, que aplica recursos de IA à tarefa, criando arquivos de texto com a transcrição completa de cada filme.

- – Compilação
Um script em python foi usado para organizar os vários dados, montando um arquivo .csv com as informações. O arquivo foi importado no Microsoft Excel, e transformado em uma planilha.
Imediatamente percebemos um problema: Alguns valores destoavam do resto, como este gráfico de duração de cenas:

O pico imenso é o filme 1917, famoso por ser uma única grande tomada, do começo ao fim. Também tive problemas em 1940, com E O Vento Levou e em 1950 com Sunset Boulevard, dois filmes muito longos e muito lentos, que isoladamente não representam a média de suas décadas. Eliminei esses valores, por serem anomalias.
Com os dados consolidados, hora de transformá-los em gráficos, e produzir conclusões.
- – Mais texto nos filmes modernos?
Essa foi a primeira surpresa. Comparando os extremos, 1940 e 2020, descobrimos que os filmes de 1940 têm uma cadência MAIS ALTA, de 115,56 palavras por minuto. Mesmo com Fantasia puxando o valor para baixo. Já os filmes de 2020 têm média de 72,32 palavras por minuto.

Aparentemente os filmes estão passando menos informação textual, e ainda assim os jovens estão acelerando a exibição para consumir essa informação mais rápido.
- – A Resposta sobre a Agilidade
Plotando os gráficos da quantidade de cenas por filmes vemos uma clara tendência de crescimento, com variações grandes entre cada título, mas sempre crescente. E como a duração dos filmes não se alterou muita coisa, o resultado disso é que a duração das cenas vem diminuindo de forma assustadora.


Em 1940 uma cena durava em média 187 segundos. Em 2020 esse valor caiu para 39 segundos.
Conclusão
A hipótese de que o cinema, e por extensão a mídia audiovisual como um todo estão muito mais ágeis do que eram no passado foi demonstrada. Isso pode ser causado por excesso de informação, e jovens com déficit de atenção, o que provocou uma mudança estilística na produção desse tipo de conteúdo.

O principal resultado negativo é que para o Jovem é mais complicado consumir conteúdo antigo, o que o privará de material de qualidade. Já os espectadores de mais idade não parecem ter problema com os conteúdos “frenéticos” dos tempos modernos, uma espécie de adaptabilidade Darwiniana ao contrário.