Da arte de entrevistar – Necrópsia da Bela

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A Tônia Carrero conta uma história onde uma estudante de comunicação foi entrevistá-la e a primeira pergunta foi “quantos anos a senhora tem?” diz a Tônia que respondeu 98, a menina se espantou mas continuou, apenas pra ser expulsa da casa da atriz.

A reclamação, justa, é que os repórteres em geral não se preparam para as entrevistas. Não pesquisam o mínimo sobre o assunto ou o entrevistado e não sabem dizer “não compreendi. Explique de novo, por favor.” É verdade. Já vi muita informação errada na imprensa que foi claro caso de falta de atenção. Não digo nem jornalismo científico, mas coisa do dia a dia mesmo.

Com isso mesmo quem faz um trabalho mediano se destaca. Vejam por exemplo a entrevista com a Madame Bela. Não perdi tempo com perguntas cujas respostas já estão no site dela, como nome, idade, família. Ela por sua vez se espantou quando citei uma informação de um post antigo.

Pombas, é uma questão de respeito. Se vou entrevistar alguém devo demonstrar um mínimo de respeito pela pessoa e seu trabalho. Como fazer isso? Estudando o objeto de minha entrevista. Não precisa muito. Uma ou duas horinhas, que seja. Ganha-se tempo e o entrevistado fica mais à vontade.

memória é para os fracos
Tem gente que acredita que o David Letterman inventa suas piadas sozinho e na hora. Desculpem, mas não é assim que a banda toca. Ele tem um monte de redatores pra isso. E todo bom entrevistador tem fichas com dados e perguntas para seu entrevistado. Eu levei 30 fichas, cada uma com uma pergunta ou um fato sobre minha entrevistada.

Não quer dizer que você tenha que seguir adiamente a sequência, ou mesmo fazer qualquer uma das perguntas. Mas essa é a diferença entre uma entrevista séria e aqueles podcasts onde os sujeitos páram, ensaiam um silêncio e dizem: “e agora, vamos falar de quê?”

Eu não fiz um terço das perguntas que preparei para a Bela. Essa era a idéia. Havia perguntas mais safadas, outras mais pessoais, outras técnicas. Tudo dependia do andamento do papo. O importante era não cair no silêncio e na falta de assunto.

Juruna forever
o Cacique Mário Juruna foi uma figura folclórica dos aos 80. Ele andava com um gravador para registrar as promessas dos políticos e administradores da Funai, que por sua vez não gostavam nada da cobrança.

Numa coisa ele estava certo: memória não se confia. Para não cometer gafes ou ficar no disse-me-disse, muito melhor gravar sua entrevista.

No caso da Madame Bela usei meu Dell X51v, que estava aposentado. Com o Resco Audio Recorder e um cartão de 1GB consegui três horas de gravação com uma carga de bateria. O Resco permite gravar em wav. mp3 e até em Ogg, aquele formato que os comunistas no Open Source (e mais ninguém) adoram. Mas um gravador analógico com aquelas micro-fitas atende perfeitamente.

O importante é testar tudo antes de sair pra entrevista e ter uma redundância. No caso eu poderia ter usado a câmera digital, se o pda desse problema. Como murphy não perdoa, na presença em uma contingência, todo funcionou de forma impecável. Sem a câmera presente e pda teria infalívelmente falhado.

Trabalho de corno
Em toda a História da Humanidade não foi inventado nada mais sacal que transcrever fitas. Devia haver uma Lei contra isso.

Mesmo assim é essencial. E não tão simples. Não dá pra fazer transcrição literal. Falamos um monte de palavras supérfluas, ruídos, aquele maldito “ééé…” e outros tantos vícios. Passar isso pro papel só vai mostrar que seu entrevistado não sabe escrever.

É importante editar o texto em prol da clareza mas sem alterar seu sentido. Remova gordura mas lembre-se que os seios da Luciana Vendramini são, em última análise, a maior parte feitos de tecido adiposo, então nem toda gordura é ruim. Corte demais e da Vendramini você termina com a Julia Lemmertz.

Photoshop via oral
Como toda criatura superdotada, meu pobre corpo não acompanha meu genial cérebro. Isso resulta em gagueira eventual e pausas onde estico uma palavra, como se a parte responsável pela fala ficasse sobrecarregada. Dá quase pra ver a região da fala no cérebro piscando “buffering”.

Isso não fica bonito em uma gravação. Se for possível gravar vários takes, excelente. Mas nem sempre funciona assim. O jeito é apelar para um editor de áudio. Assim conseguimos remover a maioria dos vícios que tornariam a entrevista um estorvo de se ouvir.

Mas cuidado! Isso pode ser usado com o entrevistador, mas com o entrevistado somente em último caso. Uma coisa é consertar a própria fala. Alterar a fala de um entrevistado, exceto em casos extremos pode ser algo altamente questionável.

Também não recomendo que você exagere nos efeitos. Eu poderia ter baixado uma cópia pirata do ProTools e deixado minha voz igual à do Sean Connery, e todas as blogueiras do Brasil iriam querer dar pra mim, mas teria que fingir laringite o tempo todo. Logo seria desmascarado.

A Pior Parte
Escrever é fácil, cortar textos que é o problema. Em entrevistas acabamos com trechos isolados que seriam excelentes, mas não funcionam no âmbito das perguntas. Destino? Lata do lixo. Do contrário você terá um texto fragmentado e de difícil compreensão. Não reclame, nos bons tempos o JR Duran fazia mil fotos para aproveitar uma, na Playboy. Se você aproveitar 40% de sua entrevista já será uma excelente média.

As Armadilhas
Falamos mal dos jornalistas o tempo todo, mas o que mais vemos é gente repetindo os erros que eles nem repetem tanto assim. Quando controlamos todo o processo, da apuração à publicação, perdemos a estrutura de crítica e validação que impede a maioria das matérias ruins de chegar ao público.

Sem um editor ninguém irá dizer ao blogueiro onde ele está errando, e acredite, é muito fácil errar. Vejamos alguns dos erros mais comuns em entrevistas:

1 – Coação – Ao invés de fazer uma pergunta, o entrevistador monta uma situação, coloca o entrevistado na berlinda e este acaba dando a resposta que o entrevistador quer ouvir. (corrigido para maior compreensão – valeu, Daniel)

2 – Distraídos venceremos – O blogueiro pergunta, o entrevistado começa a falar, quando percebe o blogueiro está perdido em pensamentos. Isso é MUITO ruim para o entrevistado.

3 – Livro aberto – O entrevistador de boca grande fala mais que o entrevistado, acrescentando um monte de informação pessoal, inviabilizando assim a pergunta, pois quem compra o jornal (ok, o blog) não quer saber do blogueiro, quer saber do entrevistado. Várias perguntas no post da Madame Bela foram removidas por causa disso.

4 – Ah, nós, os gênios… – Textos não comportam entonações. Áudio não comporta expressões faciais e gestos. Uma entrevista pode funcionar perfeitamente em vídeo, e o mesmo texto, em -bem- texto passará imformação completamente diferente. Evite excesso de sutileza, frases de duplo sentido e gracinhas em geral. É seu dever fazer com que seu entrevistado seja compreendido, e não mal-entendido.

5 – Como você ganha dinheiro com blog? – Não há nada que irrite mais um entrevistado do que responder a mesma pergunta todas as vezes. Leia as outras entrevistas que seu entrevistado deu recentemente. Trabalhe em cima de suas respostas. Crie novas perguntas usando aquelas como base. Se você fizer as mesmas perguntas de sempre, conseguirá o prodígio de fazer uma entrevista -o que seria material de qualidade- toda composta de informação repetida. Você é um blog, bolas. Ao invés de repetir informação coloque no final o link para outras entrevistas com o seu entrevistado. Assim você não só estará privilegiando a criação de conteúdo novo, como estará prestigiando quem faz a mesma coisa.

Fazer entrevistas é algo muito legal, aumenta a credibilidade do blog, é gratificante, bla bla bla. Mas em compensação demanda mais responsabilidade do blogueiro, um bom preparo para chegar com material na mão, e não traz a gratificação imediata de um post simples. Uma entrevista pequena pode consumir metade do dia, entre transcrição, edição, etc. Cabe a você decidir se seu blog comporta esse formato, ou não.

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