“Tire sua pata fedorenta virtual de mim, seu maldito macaco sujo!”
Essa semana a mídia mundial entrou em polvorosa com a divulgação de um artigo publicado na Nature.Nele é descrito uma pesquisa do Centro de Neuroengenharia da Universidade Duke.
Assinado pelo Co-Diretor do Centro, o brasileiro Miguel Nicolelis, o artigo detalha o último avanço de seu grupo, que estuda interação cérebro-computador. O objetivo é viabilizar membros cibernéticos controlados diretamente pelo cérebro, não por eletrodos em músculos do ombro ou outros métodos igualmente imprecisos.
Nas fases iniciais da pesquisa lá em 2003 inseriram eletrodos ultrafinos no córtex motor do cérebro de macacos, enquanto os ensinavam a usar um joystick e mover um cursor em uma tela de computador. Quando o macaco fazia o movimento correto, ganhava uma recompensa.
Com o tempo o joystick foi retirado, mas os macacos aprenderam a mexer o cursor repetindo os movimentos. Logo, para surpresa dos pesquisadores os símios pararam de mexer o braço, comandavam o cursor apenas com a mente, seu cérebro havia criado um “braço virtual”.
O truque aqui é que estão se valendo do cérebro ser um órgão altamente adaptável, mesmo quando adulto.
Na pesquisa publicada na Nature foram além, Nicolelis diz que criaram uma interface cérebro-máquina-cérebro. Veja o vídeo abaixo:
Nele o macaco move o braço virtual até o alvo correto. COMO ele identifica o alvo correto? TATO.
Isso mesmo. Microeletrodos inseridos no córtex sensorial responsável por sensações de tato eram estimulados quando a pata passava por cima do alvo correto, gerando uma sensação de textura.
A equipe do Professor Nicolelis conseguiu o Santo Graal da biônica: FEEDBACK.
A adaptação dos macacos se deu em meras horas, mesmo Steve Austin levou semanas para aprender a usar seus membros biônicos, e eles custaram US$6 milhões.
Esse trabalho não é apenas teórico. Faz parte do projeto Walk Again, um consórcio internacional liderado pela Universidade Duke que pretende criar um exoesqueleto controlado pelo cérebro de pacientes paralisados,
A equipe já conseguiu fazer com que macacos nos EUA controlarem a movimentação de um robô no Japão. Sim, o Apocalipse Símio será robótico. Provavelmente com tentáculos.
Se realmente o cérebro se adaptar a novos sinais no córtex motor e os interpretar como um novo membro, interfaces que utilizam canudos, joysticks ou rastreadores de movimento ocular se tornarão algo da idade da pedra. Stephen Hawking poderá digitar em seu sintetizador de voz usando u’a mão-robô, ou até dar o passo adiante e usar “dedos virtuais”. Indo mais além, não precisamos nos prender a apenas dois membros.
Inicialmente essa técnica será usada provavelmente para controlar cadeiras de rodas motorizadas, e um ser humano experimentará o estranho e inédito feedback de ter… rodas.
Mas não é esse o objetivo do Walk Again. Miguel Nicolelis sonha alto.
As pesquisas estão avançando muito rápido, o suficiente para que ele possa sonhar em mostrar ao mundo o resultado de seu trabalho. E já tem data: 2014.
Diante de dezenas de milhares ao vivo e bilhões de pessoas pelo mundo uma cadeira de rodas será empurrada pelo gramado. Junto seguem vários homens em jalecos brancos. Os jogadores respeitosamente saem da frente, até que o grupo chega ao meio de campo e para. É a abertura da Copa do Mundo, mas o espetáculo que se seguirá não será protagonizado por atletas, mas por um humano incapaz de correr, andar ou mesmo cuidar de suas necessidades mais básicas sem ajuda de outros.
Firmemente preso à sua sua cabeça, um capacete futurista recebe e transmite dados para chips implantados em seu cérebro meses antes. Cabos descem pela nuca, conectando-se a uma caixa em suas costas.
Perto dele o Professor Nicolelis e sua equipe observam enquanto monitoram em seus tablets toda a telemetria do equipamento. Um a um, qual o controle de lançamento de um foguete, os sistemas são liberados.
“feedback – ok”
“neurocinética – ok”
“Energia – ok”
“sistema de emergência – ok”
A plateia observa em silêncio quando o Professor recebe o OK final, olha para o homem na cadeira de rodas e acena com a cabeça. Um gesto silencioso. Na tela dos tablets os sinais começam a se agitar, uma pequena tempestade de impulsos elétricos se forma. A correia do capacete aperta o queixo do homem, mas não impede que ele esboce um sorriso. suas mãos até então imóveis se firmam nas laterais da cadeira. Com um impulso ele lentamente se ergue.
Um pé adiante, inseguro. Outro passo. Logo o homem chega até o centro do campo, olha para o capitão da Seleção Brasileira. Um braço há muito paralisado é estendido. O atleta aperta a mão do homem, temeroso, mas o cumprimento não é frágil.
Pela primeira vez o homem fala. “Posso?”
O Capitão se afasta, a cadeira é removida. Diante de bilhões de testemunhas um tetraplégico dá 2 passos para trás, ergue a perna direita, equilibrando-se na esquerda com a naturalidade aprendida depois de bilhões de anos de evolução e agora repassada para membros metálicos pela Interface Nicolelis.
Sem hesitar ele chuta a bola.
Para surpresa de todos menos dos cientistas o exoesqueleto é muito mais forte que um humano normal. A bola cruza todo o campo e ultrapassa o gol da Argentina, sob aplausos da multidão.
Enquanto ele acena para o público a equipe volta com a cadeira de rodas para levá-lo de volta ao hotel. O homem olha para baixo. Em sua mente passam imagens do acidente, da desesperança, das longas sessões de fisioterapia, das cirurgias, da frustração quando o implante não funcionou da primeira vez. Ele desvia os olhos da cadeira. Não. É hora de deixar tudo para trás.
Com um sorriso franco ele dispensa a cadeira:
“Eu vou andando, não sou aleijado.”