Quadrinhos podem ser puro escapismo, pura diversão, pura poesia (Moonshadow, de J. M. DeMatteis), pulo lirismo (O Edifício, de Will Eisner é obrigatório) pura alegoria política (Maus, do Art Spiegelman) ou pura comédia (Liga da Justiça, de Keith Geffen).
Há quadrinhos panfletários, quadrinhos de contracultura, mas não quer dizer que os quadrinhos “de linha” sejam alienados. O sujeito usar uma capa e a cueca por cima da calça não o torna ignorante ao resto do mundo. Nem o leitor.
A primeira vez que eu soube que havia perseguição e preconceito sistemático contra ciganos na Europa foi em X-Men, quando narraram a infância de Vanda e Pietro, a Feiticeira Escarlate e o Mercúrio não tão legal na Disney quanto na Fox. O Homem-Aranha foi muito mais do que um paralelo de identificação para nerds hostilizados por valentões no colégio. Muitas questões sociais eram discutidas abertamente nas histórias.
Em 1970 no número 106 de Superman’s Girlfriend, Lois Lane, ela resolve usar um equipamento kryptoniano para mudar de etnia, e experimentar 24 horas como uma mulher negra. Poderia ser uma chance de várias páginas de puro humor racista rasteiro, hoje em dia fariam denúncia social maniqueísta de mão pesada. Ela encontrou uma realidade diferente da sua, com pessoas boas, pessoas ruins e militantes bem-intencionados mas com discurso de ódio.
No final o militante é salvo por uma transfusão de sangue de Lois e percebe que o mundo não é preto e branco. Ela por sua vez descobre que há milhares de atitudes racistas do dia-a-dia que nunca havia notado. Hoje em dia essa história jamais seria feita pois os militantes ignorariam todo o contexto, só sairiam gritando “BLACKFACE” e pedindo boicote contra a DC.
Um título que abordava frequentemente questões sociais era X-Men, onde Noturno tinha crises existenciais por causa de sua fé, algo raramente discutido em quadrinhos. As histórias usavam o preconceito contra mutantes como uma alegoria, abrindo um guarda-chuva tão grande que praticamente todos as minorias se viam representadas ali. A metáfora funciona tanto para gays quanto para negros, orientais, etc. Até porque o modus operandi é sempre o mesmo, começa com a desumanização do seu alvo:
Dias de Um Futuro Esquecido é um clássico até hoje, uma narração quase didática de como, ao abrir mão de algumas liberdades e segregar um grupo, a Humanidade inexoravelmente termina em uma distopia totalitária, onde o menor desvio do comportamento “correto” é punido com rigor.
O melhor de tudo é que todas essas histórias eram ótimas, não tinham mão pesada, não eram cartilhas de DCE, não eram textão de Facebook. Eram histórias de super-heróis abordando temas da realidade, às vezes usando alegorias, às vezes sendo diretos. Pombas, um dos mutantes mais poderosos do Universo era cadeirante! Tão poderoso que só tinha um inimigo verdadeiro:
Hoje em dia os jovens são burros e mimados demais para entender alegorias e metáforas, no Tumblr acusam o Professor X de ser “branco privilegiado”. Só entendem mensagens repletas de slogans e clichês, de preferência com letras grandes e palavras pequenas. Não aceitam contexto e tudo, TUDO deve ser visto sob a pior luz possível.
Um bom exemplo foi o chilique que rolou por causa deste poster do último X-Men:
Ele é o Apocalypse, o primeiro dos mutantes, uma entidade maligna e poderosíssima, nascido no Egito dos Faraós. Ele quer destruir o mundo, considera todas as coisas vivas insignificantes como insetos. Na cena da foto ele acaba de ser traído quando a Mística muda de lado e se alia aos X-Men.
Segundo os chiliquentos a cena é sexista machista e promove violência contra mulheres.
Matar um sujeito usando só os pés, tudo bem eu imagino.
Vivemos uma época em que não há mais sutileza. Lembra do clássico episódio de Star Trek, que discutiu abertamente racismo, mostrando como era uma prática idiota e sem-sentido, e para isso usaram um planeta com duas espécies idênticas, com apenas uma diferença de cor, que por isso se odiavam?
Para a geração Tumblr lacradora moderna de militantes, a única forma com que o episódio funcionaria é assim!
(pausa para apreciação de meus imensos talentos no Photoshop)
Acha que estou exagerando na lacração, acha que os quadrinhos não estão de mão pesada? Veja esta capa:
Você não viu nada. Lembra quando Thor virou mulher? Não, não digo quando a Jane Foster virou Thordis:
Também não falo da mitologia nórdica, quando Thor e Like de disfarçaram de mulher para recuperar Mjolnir, digo da versão recente, quando a Marvel agradou (aparentes) milhões de militantes com um Thor mulher, completa com discurso lacrador:
A Thor é tão empoderada que sua simples presença conseguiu convencer a vilã a decretar uma trégua, afinal o que vale é a sororidade e as minas não devem lutar entre si:
eu sei, eu sei, o QI médio atual é abaixo da temperatura ambiente, as pessoas não são como antigamente, quando a gente leu a aventura da Jane Foster como Thor, achou o máximo ela chutar bundas e não mandamos cartas ameaçando Stan Lee de morte porque o mais poderoso dos Vingadores era uma mulher:
E por falar em mulher, lembra da Mulher-Maravilha? Princesa amazona, basicamente uma deusa, que chuta bundas e é um dos 3 Grandes Personagens da DC, lado a lado com Batman e Super-Homem?
Pois é. A mulher que é quase tão forte quando o Super-Homem, a mulher que enfrenta o Darkseid na unha e ganha, a mulher que peita Ares, o Deus da Guerra, essa mulher reclama de… mansplaining.
CARDOSOSPLAINING:
O conceito de “mansplaining” é bem simples: é uma idéia surreal criada por feministas lacradoras de xoxomídia, para rejeitar qualquer explicação que contrarie a Narrativa, se vier de um homem. Por exemplo: Quando uma retardada do Tumblr chilicou dizendo que tinham ESCONDIDO a Mulher-Maravilha na divulgação de Batman vs Superman…
você sabe, este filme aqui:
Vários comentaristas explicaram que a personagem havia aparecido em toneladas de material de divulgação que sua presença foi anunciada na ComicCon, etc, etc. A autora do post desconsiderou TODAS as informações, dizendo que eram “mansplaining”, homens exercendo seu privilégio e a tratando de forma condescendentezzzzzz….
Ou seja: É algo que uma princesa amazona não chegaria nem a notar em seu radar. Não combina com a personagem, é pequeno, chega a ser mesquinho. Ela enfrenta deuses, não vai se irritar com um idiota falando bobagem.
Infelizmente a indústria dos quadrinhos está quase toda assim. Autores atrás de aplauso fácil e com medo da turba dos ofendidos profissionais criam histórias com mão pesada, maniqueístas e com zero sutileza ou estilo. Títulos como Mockingbird, uma personagem que ficou popular com Agentes da SHIELD viraram pura panfletagem:
Não que todos os títulos sejam assim. Há excelentes personagens muito bem escritos que preenchem os critérios de minorias, o Homem-Aranha de Miles Morales é excelente, e os leitores AMAM a Ms Marvel. O mesmo leitor que rejeita a Mockingbird e seu feminismo de marreta ADORA a Kamala Khan, uma MS Marvel adolescente muçulmana:
A militância precisa entender que quando nós leitores rejeitamos essas histórias, não estamos rejeitando as causas. Não é “eu odeio feminismo não vou ler essa história”. Nós rejeitamos por serem histórias RUINS. Não adianta tentar justificar com machismo e preconceito o fato de não saberem escrever boas histórias. Essa desculpa não colou com Ghostbusters.
Até porque, convenhamos, por essa lógica nós pirocos opressores iriamos ODIAR um filme cheio de minorias, negros, onde todos os brancos são vilões e a principal personagem é uma mulher forte poderosa decidida e empoderada, certo?
PS: Achou que acabou? Amanhã tem a continuação, e a coisa piora muito.