A mulher que iniciou a 2a Guerra Mundial

A mulher que iniciou a 2a Guerra Mundial

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Na cidade de Gdynia, Polônia, dois sujeitos azarados recebiam uma péssima notícia. Azarados eram por dois motivos. Primeiro, eram judeus, o que em 1939 não era uma boa, e pra piorar se chamavam Zenker e Zimmerman. Eram os últimos da lista alfabética de milhares de refugiados que haviam sido evacuados antes da chegada das tropas alemãs ou soviéticas. A portadora das más notícias, Clare Hollingworth, Ela foi rápida em explicar que não havia desistido, e depois de três dias de telegramas desesperados para Londres, conseguiu asilo e passagens para os dois.

Clare trabalhava para o BCRC, British Committee for Refugees from Czechoslovakia, e foi parar na Polônia por ter um passaporte com um visto nazista válido, essencial para atravessar a Alemanha. Em Gdynia ela trabalhava freneticamente com o Cônsul britânico. Os refugiados chegavam sem parar. Sindicalistas, artistas, escritores, soldados e outros tipos considerados indesejáveis pelos nazistas. Cada um deles precisava provar algum tipo de ligação mesmo tênue com a Inglaterra, ou provar que corria risco de vida. Isso significava entrevistas individuais. Com Clare ajudando conseguiam analisar 50 casos por dia.

Um desses casos foi uma menina de dois anos chamada  Madlena Koerbel. Ela emigrou com a família para os EUA, graças a Clare. Lá seu nome foi americanizado. Hoje todos a conhecem como Madeleine Albright, ex Secretária de Estado dos EUA.

Isso significava muito mais do que uma entrevista, cada refugiado precisava de novos documentos, de alojamento, alimentação, passagem e principalmente um destino. Clare era expansiva, entrona mesmo e conhecia todo mundo, e quem não conhecia ela já chegava espalhada, e assim conseguiu só em Gdynia salvar 451 homens mulheres e crianças. No total foram entre 2 ou 3 mil refugiados salvos, mas Clare nunca falou disso. Nem em sua autobiografia.

Clare era, em essência uma Jornalista, a notícia era importante e ela não era a notícia. O que importava a Clare era ser testemunha ocular da História, e reportar isso. Ela conseguiu. Contratada pelo Daily Telegraph em Agosto de 1939, sua primeira missão foi investigar a situação na Polônia.

Usando sua lábia, ela convenceu o Cônsul-Geral britânico em Katowice, na fronteira com a Checoslováquia a emprestar um carro. Com motorista, afinal Clare era uma repórter de classe. E o carro dela era conhecido dos agentes alemães. Atravessando a fronteira ela identificou milhares de tropas nazistas nos últimos preparativos para a invasão.

Falando para o motorista o equivalente inglês a “bota 10 no veado e cair fora agora” Clare voltou correndo para a cidade, onde escreveu sua história correndo e telegrafou para a redação em Londres. O Daily Telegraph publicou a matéria na capa no dia seguinte, 29/8/1939:

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Clare Hollingworth foi a primeira jornalista a anunciar o início da Segunda Guerra Mundial. Foi o Furo do Século. Ela conseguiu isso aos 26 anos e em sua primeira semana no Daily Telegraph. Taí uma contratação que o editor não se arrependeu.

No dia Primeiro de Setembro as tropas alemãs chegaram a Katowice. Clare ligou para a embaixada britânica em Varsóvia. Os oficiais, claro, não acreditaram. Ela, provavelmente irritada foi até a janela, esticou o telefone pra fora e disse “Escutem!”. O argumento foi convincente, e a ligação de Clare foi a primeira informação que o Ministério de Relações Exteriores inglês recebeu sobre a Invasão da Polônia.

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Clare no Canal de Suez, 1970

Clare cobriu a Guerra em vários lugares, incluindo no Egito, onde o governo inglês havia proibido mulheres, mas quem disse que ela ligava para proibições? Nem censura era problema. Em 1940 na Romênia o trabalho de jornalistas era altamente controlado. Todas as matérias deveriam ser enviadas através do escritório de censura. Clare seguia o procedimento, o que o Governo não sabia é que a matéria verdadeira era ditada por telefone para um correspondente em Genebra.

Isso durou um mês, até que a Polícia Política descobriu, e foram atrás de Clare. Ela ligou para uma amiga, e fez o que todo mundo faria quando o equivalente local da Gestapo bate na porta: Tirou a roupa, ficou peladinha da silva.

Os guardas não souberam o que fazer.

“Vocês não podem me prender, eu estou nua!”

A confusão demorou o bastante para a amiga chegar, enrolar Clare em um cobertor e a levar para o consulado britânico.

No Egito Clare sofria com o não-reconhecimento de mulheres correspondentes de guerra, e tentavam de tudo para botá-la para escanteio. Como resultado Clare participava de todas as coletivas de imprensa, embarcava em missões mais longas e mais distantes que qualquer outra jornalista, e várias vezes cobriu ações atrás das linhas inimigas. Ela era odiada pelo General Montgomery, e o sentimento era mútuo. Quando a Campanha Inglesa se estabilizou, ele deu um jeito de mandá-la de volta para o Cairo.

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Boa moça e obediente, ela foi para a Argélia, arrumou um frila com o Chicago Tribune e se juntou às tropas americanas como correspondendo. Ao contrário de seu colega inglês, o General Einsenhower aprovava e incentivava a presença de mulheres jornalistas, desde que não exigissem tratamento especial.

Isso era tudo que ela queria ouvir.

“Eu nunca usaria minha feminilidade para conseguir uma história que um homem não conseguiria”

Ela voltou para a Argélia nos Anos 50, cobrindo as revoltas locais. Clare virou alvo de terroristas. Em um dos ataques ela espantou um bando de terroristas armados usando apenas um sapato. A maioria dos jornalistas ficava nos hotéis e nas partes seguras da cidade. Clare se metia nos buracos quentes, nas ruelas onde andavam os membros da Front de Libération Nationale. Era importante ir atrás da notícia, e quando mais perigoso, melhor a história.

Não que ela não tivesse medo de nada.

“Se você me colocar em um elevador aberto vou ficar apavorada. Eu apenas não me sinto assustada sob fogo de metralhadora. A excitação do trabalho é maior que o medo.”

Onde houvesse um conflito, Clare estava lá. Vietnã, Palestina, Oriente Médio em geral, No Vietnã enquanto outras jornalistas cobriam histórias sobre orfanatos e hospitais, ela ia para a linha de frente, e falava sobre armamento. Ela era fascinada por tecnologia militar, principalmente aviões, tendo aprendido a pilotar ainda nos Anos 40.

Sua experiência mais longa foi na China. Cobrindo a Revolução Cultural de Mao Tsetung, Clare foi ficando, e em 1989 acompanhou o Massacre da Praça Tianamen da sacada do hotel.

A grande frustração de Clare foi em 1990, quando dormiu por cinco dias no chão de seu quarto de hotel em Beijing, se aclimatando para a dureza da linha de frente. Ela estava certa de que seria chamada para cobrir a Guerra do Golfo, mas o telefone não tocou. Clare tinha 79 anos.

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Ela recebeu em 1982 a Ordem do Império Britânico, passando a ostentar o título de Dame Clare Hollingworth, o equivalente feminino de Sir.

Clare era presença constante no Clube dos Correspondentes de Imprensa de Hong Kong, onde morava, mas a idade avançada e a visão debilitada faziam com que ela tivesse que ser acompanhada por assistentes, coisa que odiava. Ela também não deve ter gostado quando abandonou o hábito de tomar cerveja no café da manhã, em 2015.

Em tempos onde as pessoas questionam se “é seguro”jornalistas cobrirem furacões é bom lembrar de gente como Clare, uma Jornalista com todos os jotas maiúsculos do mundo, que coloca a história em primeiro lugar, que sabe que se é para não se arriscar, não ousar, é melhor publicar receita de bolo.

A incrível vida de Clare Hollingworth chegou ao fim no dia 10 de Janeiro de 2017. A autora do Furo do Século morria em paz aos 105 anos de idade.

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