Um dos segredos mais bem-guardados da Segunda Guerra Mundial foi o Holocausto. Os próprios aliados sem-querer ajudaram a Alemanha, pois os poucos prisioneiros que escapavam dos campos de concentração quando contavam suas histórias eram considerados mentirosos; o conceito era tão desumano, tão inacreditável que, bem, ninguém acreditava.
Quando as provas começaram a se acumular, Winston Churchill escreveu para Franklin Roosevelt dizendo “Mais do que qualquer outro povo, os judeus têm o direito de atacar os alemães como uma unidade identificável”, ou seja, uma tropa especificamente de judeus, combatendo nazistas. Roosevelt respondeu “não me oponho a isso”.
Os britânicos então criaram a Brigada Judaica, que serviu primariamente na Palestina, mas também na Itália, Áustria e outros lugares. Com o fim da Guerra a Brigada Judaica teve duas funções importantes: Identificar vítimas do Holocausto, auxiliando-as a emigrar para a Palestina, e Identificar nazistas fugitivos, auxiliando-os a emigrar para o Inferno.
A Brigada Judaica também foi importante para operacionalizar grupos que tiveram origem na Resistência durante a guerra. Ao contrário do que ensinam nas escolas, muitos judeus decidiram lutar, mesmo que não tenha dado muito certo, e em muitos lugares os nazistas contaram com ajuda da própria população judaica, que com medo de represálias delatava os partisans. Na Lituânia, no Gueto de Vilnius foi assim, quando Abba Kovner escreveu um manifesto clamando “Não sejamos como ovelhas indo para o matadouro!” e tentou organizar a Resistência.
Depois de delatados o que sobrou do grupo de Kovner se refugiou nas florestas da região, onde continuaram com atos de sabotagem até o final da guerra, quando finalmente veio a público o horror do Holocausto. Com ajuda da Brigada Judaica, ele fundou um grupo chamado Nakam (נקם, Vingança) que chegou a ter 50 membros, chamados Nokmim (הנוקמים, Vingadores). Eles percorreram a Europa de forma clandestina, identificando e eliminando nazistas, no total estima-se que mandaram pra vala pelo menos 1500.
Só que Kovner não estava satisfeito. Ele queria vingança em escala industrial. Como uma boa vingança bíblica, olho por olho. Logo surgiu com um plano que fez com que a Brigada Judaica e outras organizações judaicas se afastassem do Nakam: Kovner queria matar 6 milhões de alemães.
Membros do Nakam começaram a fazer reconhecimento de instalações de tratamento de água em várias cidades. O plano era contaminar com algum veneno fortíssimo os reservatórios, ao mesmo tempo. Milhões morreriam, indiscriminadamente, homens, mulheres, crianças, todos. Kovner queria deixar a mensagem de que mexer com o povo judeu traz consequências.
Em busca do veneno ideal ele foi até a Palestina pedir ajuda de Ephraim Katzir, um químico famoso e futuro Presidente de Israel. Ephraim passou o caso para seu irmão e também cientista, Aharon Katzir que teria produzido o veneno. Voltando para a Europa disfarçado de soldado da Brigada Judaica, Kovner levava na mochila várias latas de leite condensado cheias de veneno.
Nessa hora o destino interveio. Chegando na França os ingleses descobriram que a documentação de Kovner era falsa, e no desespero e para desgraça do Aquaman, os cúmplices correram e jogaram o veneno no mar. Kovner foi preso e o plano foi por água abaixo. Alguém havia denunciado o plano e embora não haja nenhuma prova, boa parte dos envolvidos acredita que algum grupo sionista dedurou Kovner, pois se o plano desse certo toda a opinião pública favorável à criação do Estado de Israel iria por água abaixo.
Felizmente havia um plano B.
Mais modesto, o objetivo passou a ser atingir diretamente os prisioneiros alemães, principalmente os da SS. Com ajuda de um colaborador judeu de uma indústria de couro, eles conseguiram uma grande quantidade de Arsênico. Um agente infiltrado arrumou emprego em uma panificação em Nuremberg, que atendia ao Campo 13 (Não, o do Coronel Klink, felizmente). Logo eles sabiam todas as rotinas, inclusive que a única comida produzida localmente era pão, e os pães de segunda-feira eram feitos no domingo.
O veneno foi distribuído também em outras cidades por um dos Vingadores chamado Leopold Wasserman, sobrevivente de Auschwitz. Curiosamente a verba que financiou essa ação e todas as outras dos Nakam veio… dos nazistas. Leopold conseguiu contatos na máfia italiana e vendia para eles Libras Esterlinas falsas, impressas pelos nazistas parte de um plano para desestabilizar a economia britânica. Adicionando mais ironia ainda o dinheiro havia sido produzido por trabalhadores escravos judeus em campos de concentração.
Poldek, como Leopold era conhecido, estava firme em seu plano de vingança. Em 2017 ele ainda não arredava um milímetro:
“Claro que eu pensava em vingança. Eu vi isso nos olhos dos que haviam sido executados. eles clamavam por vingança. Eu não precisei filosofar sobre isso, vingança era meu direito básico. E não me importava se eu sobrevivesse. (…)
Era um prazer ver todas as cidades alemães em ruínas. Eu os vi famintos por pão, desejando vender suas almas por um copo de café. As alemães estavam dispostas a dormir com qualquer judeu por alguns biscoitos ou chocolate. De Raça Superior eles se tornaram sub-humanos.”
Já em 1946, o Plano B começou a fazer água. Os Vingadores em Dresden foram presos, e o único grupo que conseguiu acesso foi o de Nuremberg. Na madrugada de domingo invadiram a panificadora, e pincelaram Arsênico em milhares de pães. Investigadores mais tarde disseram ter achado Arsênico suficiente para matar 60 mil pessoas. Só que não foi o que aconteceu.
Eles erraram na dose, diluíram demais o veneno e acabaram criando uma versão homeopática. No dia seguinte 2283 prisioneiros alemães foram levados para hospitais passando mal, mas no final nenhum morreu.
Ao menos essa é a versão oficial, mas outras fontes disputam esses números e dizem que até 500 nazistas tenham morrido envenenados no ataque. Eu espero sinceramente, do fundo do coração que isso seja verdade.
Os Vingadores conseguiram fugir, mas antes que planejassem outro ataque, uma mensagem de Kovner, já solto e na Palestina os convocou: “Chega de matança, venham para cá, vamos construir nosso país”. Desta vez o plano deu certo, em 1948 Israel foi fundado.
As consequências do plano original de Kovner são assustadoras. A geopolítica do mundo poderia ter sido completamente alterada. Chaves dizia que a vingança envenena, nesse caso literalmente pois provavelmente Israel não existiria e o nazismo ressurgiria com uma força imensa.
Abba Kovner nunca mais matou nem envenenou ninguém, alemão ou não. Ele morreu em 1987 aos 69 anos, sendo reconhecido como um dos maiores poetas da moderna Israel, e uma das poucas pessoas que escapou da máxima que ou você morre herói ou vive o suficiente para se tornar o vilão. Por culpa de um judeu (mais) pragmático que denunciou Kovner, todo um povo deixou de ser associado a um Holocausto quase inimaginável. do qual a imensa maioria não tinha culpa nenhuma.
Kovner é o mais próximo que temos do Magneto. É perfeitamente racional não concordar com seus planos, mas eu jamais irei julgá-lo em suas motivações.
Hoje só 5 Vingadores ainda estão vivos. Leopold Wasserman é um deles.
“Eu não tenho nada contra os jovens alemães. Eu apóio o amor no mundo, não o ódio, mas isso não quer dizer que eu possa perdoar aqueles que cometeram esse horrendo crime contra meu povo, meu pai, minha mãe, meu avô. Eu vivo isso até hoje, os dias em que estive sob o horrível regime dos nazistas.”
Eu sei, eu sei, perdoar é divino, só se segue adiante depois que se pratica o perdão, é feio ficar remoendo mágoas e Leopold deveria esquecer, abrir seu coração e ser feliz. Admiro muito quem finge ser capaz disso, mas me recuso a dizer a um sujeito com tatuagem no braço quem ele pode ou não odiar.
Fontes:
1 – “Holocaust: The Revenge plot” – Channel 4, Documentário
2 -“Women and War” – Jean Bethke Elshtain
3 – “Revenge” Guardian, Julho 2008