Guerra traz morte, destruição e tragédia, e a imagem acima comprova. Duas crianças vendo uma placa onde picolés estão em falta, foram substituídos por… cenouras geladas no palito. Isso mesmo, Por causa dos chucrutes as crianças eram obrigadas a chupar cenouras, e para piorar, os pais incentivavam, atuchando as coitadas de mais cenoura ainda, mas era por uma boa causa.
Cenouras são ricas em Vitamina A, uma dieta rica em cenouras vai deixar sua visão tinindo, melhorando muito a visão noturna. Todo mundo sabe disso. Era incentivado aos soldados que consumissem muitas cenouras, para pegar os alemães de surpresa na escuridão. Os observadores durante os blecautes identificariam os bombardeiros inimigos com mais facilidade, a vitória seria certa!
Prova viva disso era um sujeito chamado John “Olhos de Gato” Cunningham, piloto do primeiro esquadrão noturno da RAF, que em 1940 fez o impossível, identificou e derrubou um bombardeiro alemão durante uma noite sem lua. Suas vitórias se acumulavam, o cara tinha um verdadeiro sexto-sentido para achar os chucrutes no céu noturno.
Em uma entrevista esse super-poder foi atribuído a uma dieta reforçada de cenouras, a Vitamina A operava milagres, para tristeza de Hitler.
Isso, claro, era mentira. Deficiência de Vitamina A leva sim a problemas de visão, mas excesso não torna ninguém um super-herói. Assim como Tony Stark, o super-poder de John Cunningham era tecnologia. Ele estava voando um Beaufighter Mk II com um radar embarcado.
Como a tecnologia era secreta, inventaram toda a história das cenouras para desviar o foco dos alemães. Tudo indica que deu certo, afinal a gente não fala alemão, certo?
Cenouras à parte, essa não é a única história envolvendo super-visão britânica. Stanley Lovell conta, em seu livro de 1963 Of Spies & Stratagems, como os ingleses estavam com um problema sério para levar espiões para a França ocupada.
Atravessar o Canal da Mancha era simples, complicado era chegar no lugar certo, na hora certa sem alertar as patrulhas alemães. Os membros da Resistência Francesa se arriscavam nas praias, tentaram usar holofotes mas isso atraía o fogo de barcos e aviões inimigos, ou pior, patrulhas que tomavam os holofotes, atraíam o barco com os espiões e fuzilavam sumariamente todo mundo.
Foi tentado então usar holofotes de luz ultravioleta, mas mesmo gente com excelente visão não conseguia enxergar nada a mais de 30 metros. A idéia foi quase abandonada até que um médico comentou com um dos envolvidos que pacientes operados de catarata eram sensíveis a ultravioleta.
Isso é um fato, há gente mesmo hoje em dia que se diverte pesquisando esse “super-poder”. Nós não enxergamos UV normalmente por causa do cristalino em nossos olhos, que filtra essa faixa de onda que a longo prazo é prejudicial.
Já aposentados com catarata passavam por operações que removiam a área afetada do olho, voltavam a enxergar, mal mas enxergavam. Esses aposentados foram convocados a se voluntariar, seguiam nos barcos ingleses levando espiões, e enxergavam os minúsculos holofotes a mais de um Km de distância. Essa estratégia foi usada inclusive nos territórios ocupados pelo Japão, com igual e infalível sucesso.
Pacientes com catarata contribuíram para a guerra mas também foram beneficiados por ela, e muito. Até então o tratamento para a condição se resumia a remover o cristalino danificado, mas um sujeito chamado Gordon Cleaver mudou isso tudo. Ele era piloto da RAF, até ser abatido dia 15/8/1940. Seu Hurricane foi crivado de balas, as janelas de acrílico estilhaçadas, imagine aquele monte de farpas voando a centenas de Km/h direto nos olhos do piloto, brrr.
Gordon ficou cego de um olho e com a visão bem debilitada em outro. Só que não foi isso que chamou a atenção do Dr Harold Ridley. Ele percebe um fenômeno interessante, os pacientes com lesões oculares por fragmentos de cockpits de vidro invariavelmente infeccionavam. Já os com farpas de acrílico, não. O material parecia ser muito mais aceito pelo corpo.
Ele começou a pesquisar, e conseguiu que a empresa que fazia os cockpits dos caças ingleses produzisse… lentes intraoculares. Em 1949 realizou o primeiro implante, temporário. Em 1950 a primeira lente permanente foi instalada em um paciente com catarata.
Hoje o implante de lentes para correção de catarata é a cirurgia oftalmológica mais feita no mundo, é barata, simples e muda a vida de milhões de pessoas. Há uma certa ironia fatalista em pensar que tanta gente hoje enxerga melhor graças a um alemão bom de mira.
Quanto a Gordon Cleaver, ele viveu bem até morrer em 1994, mas para explodir o detector de ironia, ele desenvolveu catarata em em 1987 teve a visão recuperada com o implante de uma lente, graças à técnica que não-intencionalmente ele ajudou a criar.
Bibliografia:
- How Carrots Won the Trojan War – Rebecca Rupp
- Of Spies & Stratagems – Stanley P. Lovell (p 73)