Era 1889. O Reino de Dahomey (uns chamam Daomé mas acho feio) era uma sombra das glórias do passado. Potências européias dividiam a África, usando influência e força para consolidar e adquirir novas colônias. Tribos se sentiam confiantes para negociar com os europeus, inclusive Porto-Novo, um assentamento a 11Km do litoral. Mesmo depois que as tropas de Dahomey tomaram o lugar, o chefe ainda se sentia protegido pela bandeira francesa hasteada. A General em comando falou: “Então você gosta dessa bandeira? Bem, ela vai lhe ser útil”. Fez um aceno com a cabeça, uma guerreira cortou a cabeça do chefe com um só golpe de espada. Embrulhada na bandeira francesa, foi levada de presente para o Rei.
A História tem um monte de relatos de mulheres guerreiras e sociedades como as Amazonas, mas todas se mantém no rol das lendas. Somente uma vez uma classe inteira de mulheres deteve real poder e respeito, foi durante o Reino Dahomey, mas você não vai ver essa história por aí. Ela tem muitas verdades inconvenientes.
Surgindo na História ocidental em 1716, o Reino Dahomey logo chamou a atenção por uma peculiaridade: As Gbeto, mulheres caçadoras de elefantes, implacáveis, percorriam as savanas em grupos de 20, armadas de mosquetes e facas. Usavam capacetes com chifres para que os paquidermes as confundissem com inofensivos antílopes. Atacavam de forma coordenada, mas era uma atividade perigosa. Nunca um grupo voltava inteiro, há relatos de 12 mortes em uma única expedição, mas isso não as amedrontava.
Com o tempo ficou evidente que essas habilidades seriam melhor exploradas no campo de batalha, e elas foram admitidas primeiro como guarda-costas, depois como guerreiras, o que resolveu um problema sério: O exército do Rei era abastecido com jovens da população mas também com soldados capturados de tribos vizinhas, e homens fortes saudáveis inimigos eram valiosos demais como escravos.
Dahomey lucrava horrores vendendo escravos para os europeus, e esses eram na imensa maioria homens. Assim como as fábricas nos EUA na Segunda Guerra foram dominadas por mulheres, as forças armadas do Reino abriram espaço para a mão de obra feminina, com o Corpo de Guerreiras sendo conhecido como Amazonas de Dahomey.
A opção foi muito boa, já que o país não era exatamente Wakanda, mulheres eram cidadãos de terceira classe, igualados a escravos. Uma mulher servia as refeições para o marido, sem nunca olhá-lo diretamente nos olhos, e deveria esperar a seus pés enquanto ele comia. Ela não poderia se alimenta na presença dele.
Curiosamente o desprezo geral às mulheres não se estendia às mulheres palacianas. Quando alguma mulher do corpo de Amazonas saia do palácio, era precedida de uma escrava tocando um sino. Isso alertava a todos os homens que saíssem do caminho, mantivessem uma distância minima e desviassem o olhar. Tocar em qualquer mulher da comitiva, mesmo nas escravas, era punido com a morte.
As Amazonas de Dahomey eram escolhidas ainda bem jovens, com oito ou nove anos, e treinadas para lutar, com armas ou corpo a corpo, aprendiam táticas, estratégia (do grego strategos…), ataques coordenados e até coreografia, tradicionalmente elas adoravam desfilar para os Reis.
Algumas eram especializadas em espionagem, infiltrando acampamentos inimigos para obter informação ou seduzir jovens soldados que então eram capturados e vendidos como escravos. Há relatos de espiãs que se apaixonavam pelo alvo, e na hora indicavam outro trouxa como o “sedutor”, e o sujeito ia escravizado sem ter feito nada.
Tecnicamente as amazonas eram celibatárias, e casos de gravidez eram punidos, mas como os Reis sabiam que ninguém é de ferro, acabavam liberando a maioria dos casos, só pegando uma ou outra como exemplo. Certa vez 150 apareceram grávidas. Glele, o Rei da época executou publicamente quatro dos homens envolvidos, e ordenou que quatro amazonas fossem executadas. Isso foi feito, mas em privativo, no palácio, sem nenhum homem presente. Somente uma Amazona poderia matar outra Amazona.
Em teoria as Amazonas eram esposas do Rei, mas eles raramente exerciam esse privilégio, preferiam as esposas mais dóceis e menos… letais. Mesmo assim o status de esposa real tornava as amazonas superiores a quase todo mundo no palácio, mesmo outros soldados.
Ao contrário das guarda-costas do Khadaffi, as Amazonas eram guerreiras de verdade, era essencial que Dahomey estivesse sempre em guerra com seus vizinhos, para continuar suprindo os escravos que enchiam os cofres reais e cuidavam das tarefas do dia-a-dia da sociedade. Um dos privilégios das Amazonas inclusive era que assim que se tornava uma recruta, cada Amazona ganhava uma escrava. As oficiais podiam ter várias, muitas delas chegavam a ter 50 escravas pra cozinhar, limpar, plantar e carregar suprimentos durante as batalhas.
Relatos de cientistas contam que as Amazonas eram extremamente orgulhosas, dizendo-se capaz de tomar qualquer reino que seu Rei desejasse, suas canções falavam de voltar vitoriosas ou ser enterradas debaixo das ruínas do reino inimigo. Mesmo as novatas mais fracas se portavam com a mesma merecida arrogância.
O grande segredo das Amazonas, que em 1847 chegaram a 8000, era a disciplina militar quase fanática, algo incomum em uma região onde a maioria dos reinos sequer tinha uma força armada permanente. Há um consenso entre historiadores que essa formação militar foi introduzida por volta de 1770 por escravos brasileiros libertos que voltaram para a África e se estabeleceram em Dahomey. Quase certo que igualmente pesou a influência de Francisco Felix de Souza, o maior traficante de escravos do Brasil e conselheiro pessoal do Rei de Dahomey.
No Palácio e nos quartéis as Amazonas eram chamadas de “Mino”, que significa “nossas mães”, era um termo carinhoso mas ninguém se enganava, elas eram treinadas para não ligar para dor, um dos muitos exercícios era se jogar contra paredes de espinhos, e não só a morte não significava nada para elas, matar também estava no sangue.
Durante certas cerimônias elas construíam grandes torres, do alto das quais jogavam prisioneiros para a multidão. Um relato conta que costumavam treinar guerreiras “virgens” de combate, mandando que matassem prisioneiros. Um missionário assistiu horrorizado uma jovem tenente arrancar a cabeça de um prisioneiro com três golpes de fação, limpar a lâmina com os dedos e beber o sangue,
Em 1865 o dinheiro do Reino secou; os ingleses puseram fim ao Tráfico de Escravos do Atlântico, e Dahomey teve dificuldades em modernizar seu exército. Os franceses viram isso como oportunidade, mas levaram quatro anos, de 1890 a 1894 para conseguir uma capitulação. Foram 23 batalhas separadas, onde as Amazonas eram as últimas a se render, mas não a desistir.
As Amazonas sobreviventes trocavam os uniformes por roupas civis, vestiam seus melhores sorrisos e se misturavam às tropas de ocupação, sendo “seduzidas” pelos oficiais franceses, que acordavam degolados pelas próprias baionetas.
Um Legionário registrou:
“As guerreiras lutam com extremo valor, sempre adiante das outras tropas. São incrivelmente corajosas, bem treinadas e muito disciplinadas.”
Outro comentou, em 1892:
“Não sei quem ensionou a eles táticas militares, manejo de armas de fogo ou técnicas de tiro, mas esse alguém mereceu seu pagamento.”
A tropa foi debandada em 1900, e era meio consenso que as últimas Amazonas haviam morrido nos Anos 40, mas em 1978 uma historiadora local encontrou uma velhinha de 99 anos morando em uma vila chamada Kinta. Ela se recordava de ter combatido os franceses em 1892. Um ano mais tarde, em Novembro de 1979 morria Nawi, a última da Guerreiras Amazonas de Dahomey, ela viveu até os 100 anos e teve o prazer de ver em 1960 seu país, hoje chamado Benim, voltar a ser independente.
Bibliografia:
- Amazons of Black Sparta: The Women Warriors of Dahomey – Stanley B. Alpern
- Journal de Francesco Borghero, premier missionnaire du Dahomey – Francesco Borghero
- Slavery, Colonialism and Economic Growth in Dahomey, 1640-1960 – Patrick Manning
- Dahomey’s Women Warriors – Mike Dash