O estranho motivo pelo qual Hitler não judiou (tanto) dos negros

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Kultur-Terror / Liberators – cartaz pró-nazistas criado pelo artista norueguês Harald Damsleth. Critica a promiscuidade das americanas, gangsters, violência contra negros E ao mesmo tempo a miscigenação, militarismo, decadência cultural, etc, etc.

A Alemanha nazista tinha toda uma estrutura racista baseada em eugenia, onde todas as raças eram inferiores à ariana, mas estranhamente eles não estenderam aos negros alemães os mesmos protocolos de perseguição e extermínio que aplicaram a grupos como judeus, comunistas, gays e  Testemunhas de Jeová.

Até o final do Século XIX não havia grandes preocupações na Alemanha com a integração com populações negras, era o mesmo que o Brasil se preocupar com imigração de esquimós, mas com as colônias africanas prosperando, a “intelectualidade” e o governo começaram a botar freio, a ponto de por volta de 1912 muitos burocratas se recusarem a oficializar casamentos inter-raciais, que tecnicamente ainda eram legais. 

Na Primeira Guerra Mundial a coisa degringolou, com o chamado Horror Negro da Renânia, quando tropas aliadas vindas da África e do Oriente Médio tocaram o terror, massacrando inocentes, pilhando, incendiando vilas e estuprando sem dó nem piedade as pobres virgens teutônicas. 

Eles ocuparam a região por muito tempo, de 1918 a 1930, e segundo testemunhas do exército francês entre 160000 e 180000 Bastardos da Renânia, os Rheinlandbastarden foram gerados entre a população abusada e subjugada.

Só tem um problema: Esses “bastardos” nunca existiram nesses números, as estimativas mais confiáveis coloca o número de filhos produzidos por interações entre as tropas de ocupação na casa de 600. Os relatos da época mostram que não só a população da Renânia não ligava para os senegaleses, como até gostava deles, eram considerados “disciplinados” e não se envolviam em brigas e abusos como os próprios soldados alemães, durante a guerra. 

Mesmo assim havia grupos dispostos a tudo para se livrar deles, afinal tecnicamente eram uma força de ocupação, e atacar a questão racial era o mais fácil. Organizações como o grupo feminino Rheinische Frauenliga, que congregava mulheres nacionalistas de classe média espalharam toneladas de fake news sobre os milhares de estupros (inexistentes) cometidos pelos soldados negros.

O historiador alemão Christian Koller pesquisou os relatos da época, e descobriu que a maioria das reclamações era sobre tropas marroquinas, e muitas envolviam brigas de bar ou jogar bola em parques. Quanto aos casos de estupro, ele notou que todos os relatos eram muito parecidos, como se fossem variações da mesma história, ou como chamamos hoje em dia, fanfic.

Claro, como a fanfic sempre vence, a imagem do horror da Renânia e dos seus bastardos ficou marcada na memória coletiva do povo alemão, e com a ascensão do III Reich tudo só piorou, mas os alemães ao mesmo tempo em que viam os negros como um problema, era um problema menor, e Hitler escreveu com todas a letras: Quem levou os negros estupradores malvados pra Renânia foram… os judeus.

Prestando bastante atenção você conseguirá identificar um dos “bastardos” da Renânia na foto acima.

O curioso é que mesmo assim por boa parte dos Anos 30 ainda era mais tranquilo ser negro na Alemanha do que nos EUA, e a turma do Hitler estudava com atenção as políticas de segregação da era Jim Crow. Não que aprovassem tudo, os linchamentos eram considerados ineficientes e bárbaros, sem controle ou organização.

O tratamento dado aos negros nos EUA era tão punk que prisioneiros de guerra nazistas no Texas ficavam assustados com o que viam, “a diferença entre nós era que eles estavam do outro lado da cerca”, disse um deles. Colocados para trabalhar, a cota de produção dos negros eram 2,5x a dos prisioneiros alemães. Os empregados negros também cuidavam das tarefas mais básicas, como aplicar espuma anti-piolho nos alemães e lavar banheiros.

Prisioneiros podiam frequentar as cafeterias só para brancos nos campos, negros não. No final vários alemães acabaram ficando amigos dos empregados negros, o racismo real ao vivo acabou muito mais indigesto do que o racismo teórico dos panfletos e livros de doutrinação do Partido.

Já na Terrinha, a discriminação comia solta, e como sempre os negros ficavam por último. As Leis de Nuremberg promulgadas em 15 de Setembro de 1935, uma série de decretos formalizando discriminação racial e suspensão de um monte de direitos civis de judeus tiveram que ser emendadas em 26 de Novembro do mesmo ano, para incluir ciganos e negros.

Elas proibiam casamentos inter-raciais, e até sexo extramarital entre arianos e outras raças. Também restringiam o direito ao trabalho e definiam quem poderia ser considerado ariano puro, quais os graus de miscigenação aceitáveis, etc.

Sobrou claro pros pobres Bastardos da Renânia, e para evitar uma nova fornada de bastardinhos, os nazistas criaram uma organização chamada Sonderkommission 3 que em 1937 esterilizou pelo menos 400 deles. 

Hitler, em sua bipolaridade patológica promovia a inferioridade do negro mas ao mesmo tempo o tratava como vítima, manipulado pelos insidiosos judeus e usado como bucha de canhão. Isso era evidente na propaganda distribuída aos soldados negros aliados:

No terreno doméstico o programa de reorganização da cultura alemã criado por Joseph Goebbels exterminava tudo que não fosse ariano. Histórias em quadrinhos foram banidas, a maioria dos filmes de Hollywood e boa parte da música estrangeira, principalmente a música feita por negros, Jazz e Blues.

Considerada música degenerada, era proibida pelo Estado, o problema é que o povo ADORAVA jazz. O estilo chegou na Alemanha depois da Primeira Guerra Mundial, e na década de 1920, com o ressurgimento da economia um monte de clubes noturnos e teatros foram abertos. Com o racismo pegando fogo nos EUA muitos artistas negros migraram para a Europa, como Josepine Baker, Joe Venuti, Eddie Lang, Tommy Dorsey e Frankie Trumbauer.

Berlim estava infestada de músicos de jazz, e Goebbels fez de tudo pra tentar se livrar deles, mas não só a população como boa parte dos nazistas adorava jazz. 

Chegaram a usar a Reichsmusikkammer, uma das organizações da Reichskulturkammer para tentar registrar todos os músicos da Alemanha, mas depois de 94000 cadastrados perceberam que não estava dando certo. Inspetores eram subornados, gente sem habilidade era habilitada e era impossível fiscalizar todos os clubes, bares e teatros.

Outras Leis bestas incluíam proibir músicos de usar nomes estrangeiros, para facilitar a identificação de artistas de fora e judeus. Afinal onde já se viu um músico usar um pseudônimo….

Como o público não aceitou o banimento do Jazz das rádios, Goebbels tentou criar uma versão ariana de jazz, com uma banda chamada The Golden Seven, mas a vida dela foi curta, durou de Dezembro de 1934 a Junho e 1935. Ficou conflitante demais denunciar o estilo como música degenerada e ao mesmo tempo promover uma banda que tocava o exato mesmo estilo.

Outra tentativa foi banir a venda de discos de artistas não-arianos, o que é fácil quando é o Louis Armstrong ou o Woody Allen na capa, mas quando é um nome menos conhecido e não traz foto do artista, fica bem mais difícil identificar sua pureza racial.

O Jazz acabou sendo tocado, junto com o Swing durante toda a guerra, não só na Alemanha como em campos de prisioneiros e de extermínio. Até Auschwitz tinha uma banda de jazz, comandada pelo trompetista polonês Bronislaw Stasiak.

O mais irônico é que depois de tudo isso, aparece um millenial idiota lacrador do New York Times achando que Jazz é invenção de brancos.

No cinema negros também estavam proibidos de atuar, mas ao mesmo tempo eles eram necessários em filmes de propaganda, que mostravam como era maltratados pelos americanos, ou como eram capturados e mortos em combate pelas valorosas tropas do Reich. 

Houve casos de prisioneiros de guerra usados como figurantes em filmes alemães, em The Trail of the Fox (David Irving, 1940) prisioneiros franceses foram instruídos a avançar em direção a uma fileira de tanques com mãos para o alto, mas se apavoraram e começaram a gritar. Os tanques por sua vez estavam com munição real e, bem, digamos assim: Não fizeram uma segunda tomada.

Outra iniciativa de Goebbels foi o Afrika Schau, uma franquia de shows itinerantes que convocada semi-compulsoriamente negros alemães e apresentava aos espectadores os mistérios da África, com danças da guerra, lanças, pajés, máscaras, o pacote completo demonstrando como a África havia se beneficiado do colonialismo alemão.

E.606-2004PosterDie Deutsche Afrika-Schau; “Die Deutsche Afrika-Schau” by P.F. Tittmanns. African warrior with map of Togo, Cameroon, German East Africa and German Southwest Africa. 1939.P.F. TittmannsGermany1939

O show era aprovado pelos nazistas, no final os participantes vestiam suásticas, faziam saudações, a propaganda completa, e ainda tinha a vantagem de dar emprego pros negros, que estavam legalmente proibidos de trabalhar formalmente em quase qualquer área, mas esbarravam com um problema: A imensa maioria dos que eram classificados como negros na Alemanha seriam o que a gente chama de moreninho, e ninguém tinha a menor familiaridade com cultura africana.

Outro problema é que as alemãs sofriam de algo chamado Febre da Selva, e os diretores dos shows recebiam ordens explícitas para evitar que os artistas negros praticassem atividade sexual com brancas, mas como Friedrich von Lindesquist, diretor executivo do Escritório Colonial disse em 1939…

“O isolamento social dos nativos e sua supervisão eram frequentemente insuficientes, e isso levou a relações íntimas com jovens e mulheres alemãs”.

Quando descobriu que alguns dos artistas negros eram inclusive casados com alemãs brancas, Goebbels fechou o show.

Mais adiante o governo nazista pensou em banir toda a população negra para algum país africano, mas isso nunca foi implementado. O que não foi cogitado foi… seu extermínio.

Há dois fatores principais aqui: O primeiro é que o número de negros na Alemanha era ridiculamente baixo, estimativas generosas ficam na casa de 25000, cabiam em três trens. Ao mesmo tempo em que seria muito fácil exterminar todos, eles não representavam ameaça. No máximo incomodavam institucionalmente, mas não detinham status sociais nem tinham número suficiente para sequer terem uma “comunidade negra”, que dirá tocar a conspiração internacional afro-germânica da mídia.

O outro fator era bem mais pragmático. A Alemanha tinha colônias na África, precisava do apoio da população local e por mais que considerasse todo mundo inferior, não falava na cara, ao menos não de quem morava nas tais colônias. 

Inclusive a promessa de independência foi usada para garantir lealdade das colônias e conseguir apoio nos territórios dominados pelos aliados, e a necessidade no final acabou gerando a mais complicada e hipócrita decisão dos nazistas: A criação da Legião Árabe Livre.

Estabelecida em 1941, a Legião Árabe Livre teve como base líderes dissidentes iraquianos que se aliaram a Hitler para combater os ingleses e conseguir sua independência, o que não deu certo mas manteve um bom número de tropas à disposição da Alemanha. Com o tempo foram recebendo mais e mais membros, se tornando uma tropa voluntária composta de diversas unidades, com um total de 20 mil homens.

A grande maioria era formada de muçulmanos, árabes e sírios, bem como voluntários negros do Norte da África. 

Alguns eram ex-prisioneiros de guerra, em maioria franceses que toparam mudar de lado, outros eram apenas gente sem perspectivas, que via ali a oportunidade de ter salário, teto e comida garantidos. Nenhum deles assinava as idéias nazistas de pureza racial, e os nazistas por sua vez pegavam leve na doutrinação dessas tropas em particular.

No final a Legião Árabe Livre não fez grande coisa, ficando mais em posições auxiliares. Lutaram na Batalha do Cáucaso, na campanha da Tunísia e contra a resistência na Grécia e na Iugoslávia. Muitos foram capturados em 1942, e as tropas restantes se renderam em Maio de 1945, sem nunca saber que seu povo estava sendo abertamente perseguido pelo país que estavam tão arduamente defendendo.

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