Hedy Lamarr – A história da atriz inventora que não criou o WIFI nem ajudou a vencer Hitler

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É HEDLEY!

Você conhece a história. Hedy Lamarr era uma jovem atriz de Hollywood que também era uma inventora genial. Ela criou uma tecnologia revolucionária que tornaria os torpedos americanos imunes à interferência japonesa, e de quebra a mesma tecnologia seria usada para criar WIFI, Bluetooth, celulares e praticamente todo o mundo moderno não existiria sem Hedy Lammar.

Infelizmente ela foi apagada da História pelos homens brancos machos cis-hetero opressores, mas depois foi redescoberta e recebeu um monte de honrarias (póstumas). Não, não estou exagerando!

Hedy Lamarr é celebrada universalmente como exemplo de perseverança e genialidade, mas a Hedy da vida real, seguindo a linha não conheça seus ídolos, não era tão… tão.

Hedwig Eva Maria Kiesler nasceu em 1914 em Vienna, um péssimo tempo e local para se nascer judia, tanto que sua mãe se converteu ao catolicismo e criou Hedwig como cristã.

Aos 16 anos ela conseguiu uma ponta em um filme, aos 17 ganhou o primeiro papel com diálogo e foi levada para Berlim por um produtor. Em 1931 já com 18 (juro!) ela ganhou seu papel mais famoso ou infame, no filme Ekstase, de Gustav Machaty, que teve o mérito de ser o primeiro filme a mostrar uma cena de sexo, além de nudez e um orgasmo.

Depois do filme Hedy se dedicou ao teatro, onde arregimentou uma legião de fãs, e acabou cedendo aos avanços de um deles, que a abordou com o irresistivelmente romântico argumento de que era o terceiro homem mais rico da Áustria e morava em um castelo.

Ao lado de Friedrich Mandl ela teve uma vida de princesa, mas no caso Rapunzel. Mandl não a deixava atuar, controlava todos os seus passos, era um verdadeiro nazista. OK, sendo preciso ele era um verdadeiro fascista, mais precisamente ligado ao movimento austrofascista, que fazia oposição ao nazismo.

Claro, negócios são negócios e a fortuna de Mandl estava em suas fábricas de munições, e em suas festas de vez em quando ele recebia convidados especiais como Adolf Hitler e Benito Mussolini, o que não adiantou muito quando a Áustria foi anexada em 1938 e seu castelo foi confiscado. Sorte que ele já havia passado as outras propriedades para o nome de corporações-laranja da Suíça.

Hedy por sua vez não estava gostando do rumo que as coisas estavam indo, em 1937 ela convenceu o marido a deixar que ela usasse todas as jóias em um evento, pegou sua trouxa, botou dez no veado e se mandou para Paris. Em 1938 ela conseguiu o divórcio, provavelmente Mandl percebeu que ter uma esposa judia não era muito saudável naqueles tempos. 

Depois de bater perna ela foi parar em Londres, onde conheceu ninguém menos que Louis B. Mayer, O segundo M da MGM. Ele gostou de Hedy e ofereceu a ela um emprego nos EUA, com um salário de US$125 por semana. Ela recusou, mas tinha um plano. 

Ela pegou o mesmo navio rumo aos EUA que Louis Mayer, e durante a viagem o convenceu que seus talentos valiam muito mais. (não estou maldando, eu realmente não sei se rolou um Weinstein na jogada, alguns relatos sugerem que a mulher do Mayer estava junto)

O resultado é que uma starlet de 23 anos, sem nenhum sucesso ou nome nos EUA, conhecida apenas por um filme semi-pornográfico europeu desembarcou em Nova York com um contrato onde receberia o equivalente hoje a um salário mensal de US$35122.92. (os US$500 semanais negociados, atualizados pela inflação)

Em Hollywood ela foi um sucesso instantâneo, era absurdamente bonita, e tinha um ar de sofisticação e uma sensualidade exótica (mas não muito exótica) que mexiam com a platéia. Todos os seus papéis eram da estrangeira sedutora, papéis esse que ela tirava de letra, pois tinha esses poderes na vida real, um charme natural que a destacava do resto, mesmo o resto sendo Greta Garbo, Lana Turner e similares.

Nas horas vagas ela gostava de… inventar. Nunca teve treinamento formal em ciência ou engenharia, mas ela lia muito e não perdia tempo com a vida social de Hollywood. Hedy simplesmente não achava graça, e a própria imagem de sedutora era fabricada, algo que ela fazia muito bem pois sabia que era o que todo mundo esperava dela.

“Qualquer garota pode parecer glamourosa. Basta ficar em pé parada e fazer cara de idiota.” – Hedy Lamarr

Suas invenções em geral eram simples, como uma caixa para jogar fora lenços de papel. Outras eram mais elaboradas, como um cubo efervescente para fazer bebida carbonatada instantânea. Essa ela criou com ajuda de dois químicos das empresas do Howard Hugues, seu peguete e depois amigo. 

Ela direcionou seus esforços para a guerra depois do afundamento pelos nazistas do SS City of Benares em 1940, um navio levando refugiados da Inglaterra para o Canadá. Com o torpedeamento, 73 das 90 crianças a bordo morreram.

Hedy ficou abalada, e tentou oferecer seus serviços pro National Inventors Council, um órgão criado para estudar propostas de cientistas civis, fazer uma triagem e encaminhar as idéias aprovadas para os departamentos militares correspondentes. Só que Hedy não tinha nenhuma idéia em particular, ela queria “ficar por lá” e trocar idéias. 

I TAKE THIS WOMAN, Spencer Tracy, Hedy Lamarr, 1940

Os responsáveis delicadamente explicaram que ela seria muito mais útil ao país vendendo bônus de guerra, coisa que ela fez muito bem, mas ao mesmo tempo, talvez por pura insistência ela descobriu um problema: Os torpedos guiados por rádio americanos sofriam interferência dos alemães. Ela começou a pesquisar até que descobriu uma forma de contornar essa interferência, mas não tinha habilidade de engenheira pra projetar um equipamento real.

Ela pediu ajuda então de George Antheil, um pianista compositor e inventor, ele era especialista em pianolas, especialmente pianolas sincronizadas com vários pianos tocando cada um parte de uma música.

Pianolas, ou pianos automáticos são aqueles pianos com um rolo de papel perfurado com cada nota da música codificada. Sim, igual na abertura de Westworld, ou aqui:

Baseada no que aprendeu com o ex-marido (que era do ramo de armas, lembram?) Hedy desenvolveu uma aplicação do conceito de frequency hopping, que é bem simples de entender.

Imagine que você tem tem uma mangueira apontada para seu vizinho. Você abre a torneira, molha o desgraçado. Ele fica esperto, e da próxima vez quando vê que você abriu a torneira, ele enfia o dedo na mangueira.

Essa é uma interferência em uma transmissão de frequência única. O que Hedy e George projetaram era equivalente a 88 mangueiras, o vizinho não tinha como saber qual mangueira estaria ligada na torneira e você mudaria a mangueira toda hora, em intervalos de tempo aleatórios. Como ele só tem um dedo indicador (o vizinho era maneta, esqueci de dizer) só consegue tampar uma mangueira por vez.

No equipamento criado por eles, um equipamento de piano automático no torpedo seria sincronizado com outro equipamento idêntico no avião com o controle-remoto, cada uma das notas estaria associada a uma frequência de transmissão, e nenhum chucrute conseguiria decodificar ou interferir com o sinal.

Só que os problemas da Marinha dos EUA eram outros. Em 1943 o submarino Tinosa encurralou um petroleiro japonês. Para incredulidade geral, o primeiro salvo de quatro torpedos falhou. No final somente dois dos DEZESSETE torpedos Mark XIV disparados detonaram. Era um problema geral, os torpedos americanos eram totalmente não-confiáveis, ninguém estava preocupado em projetar torpedos controlados por rádio, quando não conseguiam nem fazer torpedos comuns que explodiam.

Como a Marinha tinha outras prioridades, Hedy e George patentearam a idéia deles, recebendo o número US2292387ASecret communication system. A proposta era complicada demais, a implementação mecânica não era robusta e a sincronização em condições reais simplesmente não funcionaria. 

A patente seria mencionada em outra patente em 1945, em 1950, depois 1956 e então somente em 1988. No total é citada em 62 outras patentes, inclusive uma da Sony em 1997 sobre “controle remoto de um vídeo-cassete usando email”. 

Algumas fontes dizem que a patente de Hedy ficou oculta como segredo militar até 1985, mas isso não é verdade, é só ver a lista de citações da patente. O que aconteceu é que como muitas outras idéias, o frequency hopping não era novidade. 

O primeiro experimento de variação de frequência foi feito por Marconi em 1899. A primeira patente detalhando a tecnologia foi emitida em 1900, em nome de ninguém menos que Nikola Tesla. Os alemães na Primeira Guerra Mundial usavam equipamentos primitivos de frequency hopping, em 1929 um engenheiro polonês reinventou a técnica, e em 1932 nos EUA Willem Broertjes patenteou o mesmo conceito de Lamarr.

Outro motivo para a Marinha não ter dado muita bola era que eles já tinham uma patente para frequency hopping, a US1598673A,concedida em 1920 a Otto B Blackwell, De Loss K Martin e Gilbert S Vernam , três engenheiros da AT&T.

A redescoberta da patente de Lamarr foi consequência da avalanche de empresas que estavam implementando tecnologia CDMA, para uso em comunicações de rádio, telefonia e radiotelefonia. Quando o nome dela apareceu, todo mundo se espantou, afinal era uma estrela de Hollywood, e a mídia logo correu atrás.

Todo mundo adora um underdog, e que história melhor do que a estrela de Hollywood que era uma inventora que queria combater Hitler? Logo ela estava nas manchetes de novo, uma geração que nunca havia visto seus filmes agora a homenageava, em 1997 ela ganhou o Pioneer Award da Electronic Frontier Foundation, no mesmo ano ela se tornaria a primeira mulher a receber o Invention Convention’s BULBIE Gnass Spirit of Achievement Award.

Postumamente em 2014 ela entraria pro cobiçadíssimo National Inventors Hall of Fame

Sendo brutalmente honesto, se ela fosse um nerd tetudo como Leonard Danilewicz, o polonês supracitado, ela seria apenas uma nota de rodapé na História. Ela nunca chegou a construir sequer um modelo ou protótipo da invenção. Frequency hopping não era novidade desde Tesla, só não era implementado por não ser prático e isso só se tornaria possível com eletrônica, não sistemas mecânicos. Toda a tecnologia de multiplexação de dados, frequências dinâmicas, etc, que resultaram em tudo que usamos hoje em dia foi inventada de forma independente, ninguém pegou a patente de Hedy e George e pensou “nossa dá pra fazer WIFI com isto aqui”. 

O mais triste é que no final de sua vida a própria Hedy Lamarr passou a acreditar em seus releases, se tornando uma mulher triste e amargurada. 

Em 1966 ela entrou em modo Full Winona e foi presa por roubar uma loja, mas seu prestígio fez com que a queixa fosse cancelada. Em 1991, presa de novo ao roubar laxantes e colírio em uma farmácia. Ela tentava trabalhar mas rejeitava todas as ofertas, seu último filme foi de 1958.

Quando não estava rejeitando scripts, Hedy patrulhava tudo e todos atrás de qualquer atentado à sua imagem. Ela processou Mel Brooks por US$10 milhões em 1974, por causa do personagem Hedley Lamarr, no filme Banzé no Oeste. Brooks ficou arrasado, pois era uma brincadeira boba e ele era super-fã da atriz. 

Em 1996 ela processou a Corel por usar sua imagem na caixa do Corel Draw, só que a imagem era uma ilustração, feita em Corel por um usuário, parte de um concurso.

Em 1966 ela processou o editor de sua autobiografia, que ela não escreveu, diga-se de passagem. Aparentemente o ghost writer inventou um monte de passagens. Mais tarde ela foi processada por um jornalista dizendo que o livro copiava várias partes de uma reportagem escrita por ele um ano antes.

Lamarr foi casada seis vezes, seu último marido, Lewis Boies era seu advogado de divórcio. O casamento durou de 1963 a 1965, quando ela desistiu e abraçou a solteirice. 

Entre 1939 e 1941 ela foi casada com Gene Markey, quando adotou um menino batizado de James Lamarr Markey, o que ninguém (de fora) sabia era que James era na verdade filho do ator John Loder, com quem Hedy havia tido um caso. Ela viria a se casar com John Loder em 1943 e ficaram juntos até 1947. 

Para tornar a coisa full Nelson rodrigues, John Loder ADOTOU James Lamarr Markey e ele passou a se chamar James Lamarr Loder. Quando aos 12 anos em 1953 James descobriu que a mãe e o pai biológicos haviam tramado para que ele se passasse por adotado, para não gerar um escândalo em Hollywood, ele cortou totalmente relações, foi morar na casa de conhecidos e ficou 50 anos sem falar com a mãe. Ela por sua vez o deixou de fora de seu testamento.

Do inventário de US$3,3 milhões ele acabou fazendo um acordo na Justiça e ficou com US$50 mil.

Hedy era obcecada em voltar para as telas, gastou quase todo seu dinheiro em cirurgias plásticas, colocou silicone, raspou, cortou, esticou e o resultado previsivelmente foi desastroso.

Não que fizesse diferença. Nos últimos anos ela praticamente não saía de casa, só se comunicava com o mundo através do telefone, ficava horas todo dia conversando. Os prêmios e homenagens, os filhos que a representavam.

As cortinas se fecharam de vez para Hedy Lamar em 19 de Janeiro de 2000, quando ela morreu de complicações cardíacas, aos 85 anos. 

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