Felice Schragenheim – A lésbica judia da Resistência que talaricou um nazista

Felice Schragenheim – A lésbica judia da Resistência que talaricou um nazista

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A regra é clara: Tudo fica melhor com lésbicas, até mesmo nazistas, mas antes de chegarmos lá, nossa história começa no final dos anos 30, quanto um jovem judia órfã de mãe chamada Felice Schragenheim sofria com as Leis alemãs que restringiam mais e mais direitos dos judeus no 3º Reich.

Felice havia perdido a mãe em um acidente de carro, e tinha como família o pai e uma irmã. Sem poder trabalhar por causa das Leis de Nuremberg, Felice tomou uma decisão: Rasgou a estrela amarela que usava no peito, adotou um sobrenome alemão e como tinha cara de galega, todo mundo acreditou que ela era ariana de nascença.

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Felice era uma mulher linda. Isso ajuda.

Esperta, Felice arrumou emprego em um jornal  abertamente pró-nazismo, aonde ninguém desconfiaria que uma judia trabalharia. Enquanto isso ela nas horas vagas trabalhava para a Resistência, ajudando a contrabandear judeus para fora do país, recolhendo informações, o de sempre.

Uma das atividades de Felice era ajudar judeus a se disfarçar de arianos, e um desses judeus era uma moça chamada Ulla, que havia sido dada de presente para uma MILF Nazista.

A tal MILF era Lilly Wust, nascida de boa família, com 29 anos já tinha quatro filhos e vivia uma vida confortável casada com um banqueiro, fervoroso defensor do nazismo, ideologia que Lilly alegremente professava, e que a havia inclusive condecorada com a Cruz da Mãe, uma medalha dada a mulheres que haviam produzido muitos filhos, para repovoar o Reich.

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Não dá pra culpar a Felice. a Lilly era uma MILF nazista nerdinha que morria facinho.

Um dos prêmios que Lilly recebeu foi uma empregada bancada pelo Estado, para ajudar a cuidar dos quatro meninos. A tal empregada era uma moça ariana, pobre, porém limpinha de reputação ilibada. Sim, a Ulla.

Lilly vivia fazendo comentários depreciativos sobre judeus, e um dia falou algo que assustou Ulla: “Estou farejando um judeu”. Em uma das reuniões da Resistência Ulla comentou com Felice, que respondeu “ah é?” e abusada como só ela, armou um plano para ver se a tal Lilly era tão boa caçadora de judeus quanto Hans Landa.

Ulla marcou um almoço entre as duas, como era razoavelmente comum naquela época sem muita coisa pra se fazer. Durante o almoço Felice usou de todo o seu charme, entretendo, divertindo, instigando e fazendo Lilly se divertir imensamente com uma judia (sem saber). Ela, claro, não sentiu cheiro nenhum do que estava na sua frente, talvez confusa demais com tanta atenção que recebeu.

Felice, que não valia nada, percebeu que Lilly estava enrolada em seu dedinho de unha cortada curta.

Era 1942, Felice tinha 20 aninhos bem-vividos (no mau sentido) escondendo dois segredos: Ela era judia E lésbica, sendo que ser lésbica na época era mais mal-visto do que ser judia. A maioria dos seus colegas da Resistência não fazia idéia de que ela era chegada no velcro, até porque ele havia sido inventado apenas um ano antes por George de Mestral mas a patente só saiu em 1951.

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Para sobreviver 20 anos na Alemanha Nazista como lésbica e judia, esses livros estavam certos.

Nessa altura o cor-digo marido de Lilly havia se alistado, era um oficial da Wehrmacht e só aparecia em casa a cada 15 dias. Lilly enchia o tempo com festinhas, chazinhos, aquela coisa bem Sex and the City. Felice era constantemente convidada, e Lilly logo pediu que ela trouxesse amigos.

Sem saber a esposa de um oficial nazista, nazista ela mesma estava patrocinando boca-livre para um monte de judeus e simpatizantes, inclusive a amiga com quem ela se pegava flertando o tempo todo, e um dia apostando que Lilly estaria mais facinha no Schnapps, Felice a agarrou na cozinha. Lilly recuou e soltou o código internacional para “Eu quero mas ainda não tente de novo mais tarde”:

“Vamos ser só amigas”

Felice efetuou uma recuada estratégica, mudando a abordagem. Agora as duas se falavam por horas ao telefone, e Lilly era inundada com cartinhas e cartões postais melosos mas que eram certeiros para uma dona de casa recatada de 1942.

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Apenas amigas, como qualquer lésbica pode perceber.

18 de Março de 1942, Lilly ficou doente e teve que fazer uma cirurgia. Seguindo a regra de quem não dá atenção abre condição, o marido estava na guerra, e Felice teve espaço para visitar a amiga. Vendo toda a dedicação que estava recebendo, Lilly fez cara de Polônia e foi alegremente invadida por Felice, as duas se beijaram ardentemente no hospital.

Em 2 de Abril Lilly foi liberada para voltar para casa. Felice foi junto, e as duas realizaram uma cerimônia de casamento informal, com direito a votos e marcas de batom no papel. A noite de núpcias foi… interessante. Recorda Lilly:

“Eu estava muito tímida a princípio. Era tudo novo para mim. Não para ela, claro. Na segunda noite eu queria amar também. Com um toque eu era uma pessoa diferente. Eu me senti livre.”

Em suas memórias Lilly não é nada tímida:

“Era o amor mais terno… que você pode imaginar. Eu era bem experiente com homens, mas com a Felice eu atingi um entendimento do sexo muito mais profundo do que antes. Havia uma atração imediata, e nós flertávamos descaradamente. Eu comecei a me sentir viva como nunca. (…) Pela primeira vez eu vi amor como esteticamente bonito, e tão terno…”

Obviamente por amor ela quer dizer sexo, Fernanda Lima.

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Pare de maldar amigas se beijam o tempo todo.

Como em uma boa peça de Nelson Rodrigues, Lilly contrata Felice como cuidadora, para se recuperar da cirurgia, e os quatro filhos, que estavam em escolas internas, também não atrapalhavam. As duas viveram um romance de conto de fadas, com passeios na praia, viagens, piqueniques, enquanto o pobre Günther Wust sofria na guerra, mas como ele era um nazista, tinha mais que se foder mesmo.

Em casa, Lilly percebeu que Felice escondia algo. Ela nunca havia revelado seu endereço, não falava nada da família ou do trabalho. Na Resistência os colegas estavam assustados, Felicia estava literalmente nos braços do inimigo.

Encostado Felice na parede, mas não no bom sentido, Lilly exigiu uma resposta, provavelmente com medo de haver alguma sirigaita se metendo na vida das duas. Sem saída, Felice revelou que era judia.

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Nada para ver aqui cidadão, circulando.

A ficha de Lilly caiu, tal qual aquela ótima tirinha da Laerte. Ela havia falado horrores sobre judeus, na frente da judia por quem tinha se apaixonado, centenas de comentários, gracinhas, “Hitler matou foi pouco”, etc. Seu grande amor ouviu tudo calada, sem questionar, com medo de ter seu segredo revelado.

Abraçando Felice, Lilly disse “Eu vou amar você mais ainda”.

Depois disso Felice contou para Lilly que era da Resistência, junto com vários de seus amigos, inclusive os que frequentavam a casa, mas como qualquer idiota que já se apaixonou na vida, Lilly respondeu “tudo bem, querida”.  E mais, até.

Lilly passou a andar com o pessoal da Resistência em suas missões, o que deixava alguns extremamente bolados mas ao mesmo tempo que álibi melhor do que a esposa de um oficial nazista para livrar o grupo de suspeitas?

Entre as várias missões as duas iam à praia e roubavam documentos de banhistas, que eram repassados para os judeus em fuga que precisavam de novas identidades. Certa vez as duas almoçaram em um restaurante chique, de frente para a Chancelaria do Reich, cercadas de oficiais da SS.

Em Outubro de 1943 Lilly se divorciou do marido, e igual àquela sua tia solteirona que mora com uma amiga, Felice se mudou oficialmente para a casa, aonde ajudava a cuidar dos dois filhos mais novos. Todos eles aliás ADORAVAM Felice, talvez ter duas mães fosse bem menos traumático do que ser criado por um oficial nazista.

Claro que essa história não teria final feliz, então é hora de entrar esta vagabunda aqui e sim eu sei que um monte de militante torceu o nariz por eu chamar essa piranha de vagabunda, caguei.

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Piranha traíra ordinária.

Stella Kubler oficialmente era uma jovem judia que foi presa pela Gestapo, torturada e forçada a entregar seus amigos e conhecidos, mas os nazistas, que eram nazistas em manter registro de tudo, registraram que a vagabunda recebia 300 ReichMarks por cada judeu que denunciasse à Gestapo.

Ela jura que era tudo parte de uma conspiração, que era forçada a aceitar o dinheiro para manchar sua reputação, e se você acha que isso não faz sentido, bem-vindo ao clube.

Os números variam mas é possível que Stella tenha denunciado entre 600 e 3000 judeus, e se serve de consolo, a vagabunda se matou em 1994.

Infelizmente não foi o suficiente para evitar que ela denunciasse Felice, e em Agosto de 1944, após um dia perfeito no lago, as duas voltam para casa para encontrar oficiais da SS esperando por Felice.

Lilly foi interrogada mas não entregou nada, se fez de surpresa com o fato de Felice ser judia, e não fazia idéia de que havia algum tipo de Resistência organizada.

Depois de uma última visita na prisão local, Lilly nunca mais viu Felice. Ela tentava acompanhar seu paradeiro, implorava mas os nazistas não a deixavam encontrar sua “amiga”. Em Setembro de 1944 Felice foi mandada para Auschwitz. Os registros são incompletos, mas é aceito que Felice Schragenheim morreu em uma marcha forçada em 31 de Dezembro de 1944.

Lilly levou anos para aceitar a morte do amor de sua vida, mas isso deu forças à ex-nazista.

Contactando o que havia restado do grupo de Felice na Resistência, Lilly passou a ajudar diretamente, com dinheiro, participando de missões e até escondendo três mulheres judias (Lucie Friedländer, Katja Lazerstein, e  Dra. Rosa Ohlendorf) em seu sótão, o que a torna 3x melhor que o casal que abrigou a Anne Frank, 4 se contar que nenhuma foi capturada.

Dedicando-se aos filhos, Lilly Wust os viu crescer e prosperar, sem nunca se esquecer de Felice. Em 1981 ela recebeu outra condecoração do governo alemão, dessa vez por suas ações protegendo judeus durante a guerra.

O maior reconhecimento, entretanto, veio em 1985, quando o Yad Vashem, o Memorial Oficial de Israel para o Holocausto declarou Lilly Wust “Justa Entre as Nações”, uma extrema honraria dada a não-judeus que sofreram grandes riscos para ajudar judeus durante o Holocausto.

Elisabeth “Lise” Wust nunca mais se casou, vivendo com a memória de Felice até 31 de Março de 2006, quando morreu por complicações da velhice, aos 92 anos. Em sua lápide, consta também o nome de Felice, já que seu corpo nunca foi encontrado, então ambas vivem ali em espírito.

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Fontes:

  1. Felice Schragenheim
  2. Lilly and Felice Part 1, Forbidden Fruit
  3. An 85-Year-Old Nazi Bride Remembers Her Jewish Lover
  4. Women With Nein Lives
  5. Lilly Wust
  6. Stella Goldschlag
  7. ‘I still feel her breath’
  8. Lilly’s Love
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