Quando um mercadinho assustou Boris Yeltsin e acabou com o sonho do Comunismo

Quando um mercadinho assustou Boris Yeltsin e acabou com o sonho do Comunismo

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Há quem goste de achar que a Guerra Fria foi vencida militarmente, com o poderio militar americano desestabilizando os soviéticos. Outros dizem que esse poderio fez com que os russos se endividassem para manter uma força equivalente. Isso é só parcialmente verdade.

Também entra na conta o fracasso do planejamento estatal da economia, o desabastecimento e até a falta de calças jeans, mas se formos traçar um ponto aonde o comunismo efetivamente fracassou, esse momento foi em 16 de Setembro de 1989 na cidade de Clear Lake, Texas.

Esse momento envolveu Boris Yeltsin, o folclórico e muitas vezes mal-entendido futuro Presidente da Rússia.

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É Bom ser Boris.

Yeltsin era um bom comunista, mas tinha um problema: Ele gostava de povo. Costumava visitar fábricas, lojas, andar de metrô e conversar com as pessoas, confiando mais nelas do que nos relatórios do Partido. Sob o governo de Brezhnev, ele era bem-visto, Yeltsin era Primeiro-Secretário do Partido Comunista no Oblast de Sverdlovsk (tipo uma região administrativa) e suas aventuras eram inofensivas.

Com a chegada de Gorbachev, Yeltsin começou a incomodar, ele se sentia com mais liberdade para apontar os erros do Partido e problemas com a União Soviética, Moscou achava que isso causaria mais insatisfação ainda, e quando Yeltsin apoiou duas manifestações de rua não-aprovadas, tomou esporro. Por causa disso, tentou renunciar.

Sem cargo oficial, ele virou alvo de uma campanha difamatória que o apresentava como um alcoólatra contumaz (ou mesmo sem o Tumaz, ele bebia toda hora), mas isso não impediu que ele fosse eleito deputado em 1989, com 92% dos votos.

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Logo após Yeltsin fez uma visita aos EUA, e em Houston conheceu as instalações da NASA. Não achou nada impressionante, na época os soviéticos tinham um programa espacial respeitável. O que impressionou Yeltsin foi algo bem mais simples.

Tão simples que nem deveria ser novidade. Em 1959 Soviéticos e Americanos organizaram o chamado Debate da Cozinha, quando exposições nos dois países mostraram um pouco do modo de vida (idealizado) de cada um.

No auge do Debate, Richard Nixon e Nikita Khrushchev tiveram altas discussões, com Khrushchev criticando o excesso de eletrodomésticos da casa típica americana montada na exposição, mas afirmando que em alguns anos todo cidadão soviético teria acesso a todos aqueles aparelhos.

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A Realidade era bem diferente, claro. Nixon admitiu que vários dos aparelhos mostrados eram protótipos, mas Khrushchev por sua vez criticava até espremedor (manual) de limão dizendo que dava pra espremer na mão.

30 anos depois, Boris Yeltsin não estava preocupado com debates, só queria repetir seu pequeno experimento, e pediu para conhecer um supermercado, fora de roteiro, de surpresa. Ele queria entender o povo americano, sem filtros.

Paul Yirga, então gerente do Randall’s em El Dorado Boulevard tomou o susto de sua vida quando recebeu um telefonema: “Em 10 minutos um figurão soviético e sua comitiva vão chegar na sua loja. Se vira.”

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“Prazer, Boris, seu criado”

O Randall’s é o que a gente chama de supermercado, e os gringos de Grocery Store. Não é um Wallmart, um Costco, um Buy n Large. Mesmo assim foi chocante.

Boris Yeltsin caminhou pela loja, incrédulo diante de tantos produtos, tanta variedade. Ele chegou a achar que poderia ser algo armado, mas não havia tempo hábil. Quando há, vira uma daquelas ações de propaganda da Melhor Coréia, com atores nos restaurantes fingindo que estão comendo, para impressionar visitantes estrangeiros.

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Segundo Yirga Yeltsin foi extremamente educado, fazendo perguntas sobre os produtos, conversando com outros clientes na loja, questionando sobre suas profissões, se aquele mercadinho era comum ou reservado pra elites.

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Ao final da visita, Yeltsin ganhou de presente várias bolsas com produtos do Randall’s, mas saiu estranhamente quieto. Mais tarde ele comentou com membros da comitiva: “Se o nosso povo visse as condições dos supermercados americanos, haveria uma revolução”.

Yeltsin chegou a questionar seu intérprete, quando Yirga respondeu que tinham 30 mil itens diferentes à venda na loja. Se ele não estivesse vendo com os próprios olhos, não teria acreditado na variedade de vegetais, carnes e peixes disponíveis.

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Em sua autobiografia, Boris Yeltsin escreveu:

“Quando eu vi aquelas prateleiras cheias com centenas, milhares de latas, caixas e produtos de todo tipo, pela primeira vez eu pela primeira vez me senti doente de desespero pelo povo soviético. Que um país potencialmente super-rico como o nosso tenha sido levado a tal pobreza. É terrível pensar sobre isso”.

Isso lembra um causo que ouvi de uma amiga panamenha, muitos anos atrás. A melhor amiga dela era cubana. O pai havia fugido de Havana para o Panamá e começado uma vida nova por lá. Quando se estabeleceu e conseguiu dinheiro para passagens, subornos, etc, trouxe a filha e a esposa.

Na primeira vez em que foram a um supermercado, a menina viu o pai enchendo o carrinho de compras. Criada em Cuba, com racionamento e fascismo por todo lado, tendo direito a um frango por mês, a menina desabou; começou a colocar desesperadamente os produtos de volta nas prateleiras. “Pai, pai, não faz isso, os soldados, os soldados vão ver e vão prender o senhor, não pega tanta coisa, pai.”

Yeltsin não tinha que se preocupar com soldados (ao menos nos EUA) mas a ficha que caiu era muito, muito maior que qualquer tanque soviético.

“Nem o Politburo tem tanta variedade de escolha. Nem mesmo o Sr Gorbachev”.

Yeltsin voltou a Moscou convencido de que ao contrário do que Gorbachev pregava, não havia reforma possível para o Comunismo. Ele se tornou um crítico ferrenho do sistema, dizendo:

“Eu acho que cometemos um crime ao deixar o padrão de vida de nosso povo tão incomparavelmente abaixo do dos americanos”.

Dois anos depois Yeltsin, já Presidente da Federação Russa enfrentaria nas ruas a última tentativa do Comunismo de se manter o poder. Militares da Linha Dura depuseram Gorbachev, mas Yeltsin convocou o povo às ruas, e logo as tripulações dos tanques soviéticos desertaram, e o Golpe não só fracassou como acelerou o fim da União Soviética. Gorbachev acabou renunciando e o Império se dissolveu.

Com todos os seus erros, escândalos e alcoolismo, com direito a histórias como cair de uma ponte em um rio, totalmente mamado, Boris Yeltsin foi fundamental para o fim do Comunismo na União Soviética, e isso tudo por ele ter percebido que as mentiras que o Partido contava para si mesmo não se sustentavam. Mesmo um trabalhador comum nos EUA tinha uma qualidade de vida melhor do que um membro da Elite do Partido.

O Randall’s existe até hoje, mas mudou de nome. Agora é Food Town.

Para dar uma idéia, este era um mercado de elite na União Soviética, na época da visita de Boris Yeltsin. O que aponta como luxo é ter carrinhos. Normalmente russos andavam sempre com sacolas, para se encontrassem alguma loja com estoque de algum produto, poderem comprar. Mercados comuns não tinham carrinhos dada a quantidade pequena de produtos disponível para cada um.

Já este é um mercado em Moscou, em 2014.

E para finalizar, esta foi a inauguração do McDonald’s em Moscou, 1990. Quase tudo era importado, era virtualmente impossível trabalhar com fornecedores locais. Ninguém se comprometia com prazo ou qualidade, e até os tomates eram “impossível” para os locais produzirem no tamanho desejado.

Fontes:

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