Augusta Chiwy: O Anjo Negro da Batalha das Ardenas

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Era 24 de Dezembro de 1944. Uma rara e bem-vinda pausa nas atividades e a boa e velha mão do Acaso fizeram com o Dr Jack Prior, a enfermeira Augusta Chiwy e outros membros da equipe se reunissem do lado de fora da igreja que usavam como hospital improvisado, em Bastogne.

Uma garrafa de champanhe apareceu, um copo passava de mão em mão celebrando o Natal, quando uma bomba alemã de 250Kg atingiu em cheio a igreja. Augusta Chiwy foi lançada através de uma parede, o Dr Prior foi ferido, mas dentro o cenário era bem pior. Mais de 30 soldados e atendentes haviam morrido, incluindo Renee LeMaire, enfermeira e melhor amiga de Augusta.

Capitão Dr Jack Prior

Ela (Augusta, não a amiga) certamente pensou em como foi parar ali, em meio à Batalha das Ardenas.

No final de 1944 a Alemanha estava apanhando mais que o Daniel-San. A fronte oriental já era, Stalin avançava impiedosamente destruindo tudo em seu caminho. Soldados e civis alemães eram evacuados dos territórios ocupados. As tropas aliadas avançavam na fronte ocidental, e a Itália como é tradicional já havia mudado de lado.

Reunindo tudo que tinha e o que não tinha, Hitler concentrou (no bom sentido) 410 mil homens, 1400 tanques, 2600 peças de artilharia e mil aviões, organizando um ataque surpresa que interrompeu o avanço das tropas aliadas rumo a Berlim. A região, a Floresta das Ardenas, fica entre a França e a Bélgica, ambas com fronteira com a Alemanha.

Foi uma campanha desesperadora, com as tropas aliadas várias vezes cercadas, sem suprimentos, munição ou roupas de frio, encarando um dos invernos mais intensos da Europa. Os americanos chegaram a alocar 610 mil tropas para a campanha, das quais 89000 se tornaram baixas, com 19 mil mortos.

Bastogne, uma cidadezinha belga se tornou um daqueles lugares que são históricos quando ficam no caminho da História. 22 mil soldados aliados se aglomeravam na região, cercados por 54 mil nazistas. Apesar das bravatas “nós somos paraquedistas, é normal estarmos cercados” o pessoal da 101ª Divisão Aerotransportada, incluindo a Easy Company por pouco não foram massacrados.

Nossa heroína, Augusta Chiwy, assim como o Randall, em Clerks, nem deveria estar ali.

Augusta nasceu em 6 de Agosto de 1921, no que então era chamado de Congo Belga, aquele país supimpa que foi extremamente bem-tratado pelo grande Leopoldo II. Não, brincadeira, ele foi um filho da puta e a região até hoje não se recuperou das atrocidades desse maldito.

Sua mãe era uma mulher local, seu pai um veterinário belga. Augusta era o que cruelmente chamavam na Bélgica de “Problème des métis”, problema dos mestiços, quando todas as atividades extra-curriculares de aventureiros nas colônias africanas começavam a cobrar pensão e visitas de dia dos pais.

Sendo justo, o pai de Augusta não era má-pessoa, e vendo que ela teria muito mais chances de um futuro melhor na Europa, e afinal de contas ninguém pensaria em OUTRA guerra mundial, levou a família para morar com ele na Bélgica em 1930, quando Augusta tinha 9 anos.

Em 1940, com 19 anos de idade, ela começou seus estudos para se formar enfermeira. Em 16 de Dezembro de 1944, ela foi visitar a família em Bastogne, sem saber que Hitler havia planejado o ataque para aquele dia. Sem poder sair, Augusta ficou refugiada na casa dos pais, até que em 21 de Dezembro batem na porta.

Augusta fazendo graça

É um cansado Doutor Jack Prior, desesperado por suprimentos e ajuda. O pai de Augusta entrega tudo que pode abrir mão, enquanto isso Augusta se voluntaria.

No hospital de campanha ela lida com tudo que aparece, ficando com os casos mais escabrosos, com o máximo de sangue e mutilação, que Renee, sua amiga, não é capaz de encarar.

Sem recursos, às vezes era preciso buscarem os feridos no meio do campo de batalha. Augusta vestia uniformes militares para se mesclar aos outros soldados, sabendo que isso a exporia ao fogo alemão. Ela comentou:

“Um rosto preto no meio de toda aquela neve branca era um alvo muito fácil. Aqueles alemães deviam ser péssimos atiradores.”

Em meio a toda a carnificina, ainda havia espaço pro nosso velho amigo racismo. Regulamentos militares proibiam médicos negros de tratar pacientes brancos, mas o Dr Prior ignorou esse regulamento lembrando que Augusta era voluntária, não sujeita ao regulamento militar.

Uma vez um soldado ferido pediu para não ser atendido pela “enfermeira negra”. O Dr Prior respondeu:

“OK, sem problemas. Fique aí e morra.”

A maioria dos soldados era extremamente grata. Dr Prior calcula que Augusta sozinha salvou várias centenas de vidas, em meio ao constante bombardeio alemão e a ameaça da cidade cair em mãos inimigas.

Quando o cerco de Bastogne caiu, o Dr Prior foi mandado para outro hospital improvisado, levando Augusta consigo.

Com o fim da guerra, Prior voltou para os Estados Unidos, mas sempre manteve contato com Augusta. Até morrer em 2007 ele trocava cartas com ela, que por sua vez enviada chocolates de presente.

Augusta e uma neta do Dr Prior.

Augusta por sua vez continuou trabalhando como enfermeira, se casou com um soldado belga, Jacques Cornet. Eles tiveram dois filhos, que renderam cinco netos e seis bisnetos.

Ela nunca comentou de seus feitos na Guerra, Augusta levava uma vida tranquila em uma comunidade para aposentados, quando foi descoberta por Martin King, escritor e historiador que ficou intrigado com a breve descrição de uma “enfermeira negra” no livro Band of Brothers, de Stephen Ambrose.

Palmiteeeiiirra!!!

A pesquisa levou 18 meses, mas King conseguiu encontrar Augusta, e escreveu sua biografia, “A Enfermeira Esquecida”, e “Searching for Augusta: The Forgotten Angel of Bastogne”.

Prontamente um monte de gente começou a se organizar, ainda havia tempo. Em 2011, no Museu Militar de Bruxelas uma cerimônia reuniu Augusta Chiwy, então com 90 anos com Howard Gutman, Embaixador dos EUA na Bélgica, Coronel Joseph McGee, comandante de brigada da 101ª Aerotransportada, e vários outros militares.

Augusta recebeu a Medalha Civil por Serviços Humanitários, do Departamento do Exército, outorgada a civis que tenham colaborado diretamente para salvar vidas durante conflitos armados.

Ela também recebeu a Ordem da Coroa, uma das maiores honrarias da Bélgica. A medalha foi entregue pelo Ministro belga da Defesa, e tornou Augusta em um cavalheiro, ou menor, Dama. (xadrez é complicado).

Augusta Chiwy morreu em 23 de Agosto de 2015, e foi sepultada com honras militares, um ano depois de receber o título de Cidadã de Honra, de Bastogne. Os incontáveis descentes de todos os soldados que Augusta salvou, ainda estão por aí. A maioria sem fazer idéia de que sua pura existência se deve a uma jovem negra de 23 anos que decidiu fazer diferença, no maior conflito do Século XX.

“O que eu fiz foi muito normal. Eu teria feito aquilo por qualquer um. Somos todos filhos de Deus”.

Fontes:


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