Um dos mitos mais persistentes da 2ª Guerra Mundial é que a Alemanha era uma implacável máquina de guerra mecanizada, com infinitos tanques, aviões, blindados, encouraçados e U-Boats, mas na realidade a Wehrmacht era totalmente dependente de animais, e não falo só de Hitler.
Estima-se que a Alemanha tenha usado 3,75 milhões de cavalos durante a Guerra, para transporte de carga, patrulhas, movimentação de artilharia e, no desespero da Frente Russa, os pobres eqüinos viraram almoço.
Nem todos os cavalos eram burros de carga ou marmita, os alemães tinham muito apreço por cavalos de raça, e poucos locais tinham melhores exemplares que a Escola Espanhola de Equitação, que estranhamente ficava em Viena.
Com mais de 450 anos, a Escola tem esse nome por causa dos cavalos espanhóis barrocos usados em sua origem, formando a base da raça Lipizzaner, e até hoje fazem suas famosas apresentações, às vezes em tours mundiais.
Em 1938, com a anexação da Áustria, as éguas Lipizzaner foram transferidas para instalações em Hostau, na então Checoslováquia. Era tudo parte de um plano para produzir a Raça Eqüina Superior, mais ou menos como o plano nazista de ressuscitar o Auroque, um tipo de super-boi extinto alguns milhares de anos atrás.
A escola de equitação espanhola, e depois o projeto do Cavalo Superior estavam sob controle de Alois Podhajsky, ex-medalhista olímpico, oficial do exército austríaco e depois incorporado às forças alemães. A unidade de Hostau era comandada pelo Tenente-Coronel Hubert Rudofsky, e era rara e pacífica região, em meio a uma guerra.
Aos poucos a situação foi ficando mais preocupante, refugiados apareciam em carroças, mais cavalos precisavam ser cuidados e alimentados. Para completar, uma tropa de cossacos fugindo dos russos apareceu pedindo abrigo. Com eles algumas centenas de cavalos.
As notícias de que as tropas soviéticas se aproximavam não eram nada animadoras. Os russos haviam atropela a Hungria, e mais por crueldade do que necessidade, mataram todos os cavalos do Estábulo Real. Rudofsky e o veterinário-chefe Rudolf Lessing sabiam que seus preciosos Lipizzaners corriam risco, mas por falar em correr, para onde?
A fronteira entre a Boêmia e a Bavária estava fechada, tropas alemãs preparavam um último bloqueio, usando adolescentes da Juventude Hitlerista e idosos do Volkssturm, quase literalmente buchas de canhão que deveriam viver apenas o suficiente para disparar um Panzerfaust.
Havia um consenso de que era melhor ser capturado pelos americanos do que pelos russos, mas a preocupação principal era com os cavalos. Um dos oficiais presentes, o Tenente-Coronel da Luftwaffe Walter Holters, que meio que caiu de para-quedas (metaforicamente) no meio da operação, apresentou a idéia de contactar os americanos e pedir ajuda para salvar os bichos.
Holters conseguiu chegar até o 2º Grupo de Cavalaria, comandado pelo Coronel Charles H. Reed, que ouviu o apelo do alemão, e repassou o caso para o General Patton, outro notório hipófilo.
Patton entendeu o problema, mas hesitou. A Guerra estava nos 45 do segundo tempo, a Alemanha já estava circulando o ralo. Mandar soldados para uma missão àquela altura poderia ser um erro.
Mesmo assim, Patton deu seu aval, e o coronel Reed organizou seus homens, entre eles muitos adeptos de equitação, com bastante experiência com cavalos.
No total a tropa tinha 325 homens, alguns canhões e dois tanques leves. Na fronteira com a Checoslováquia, milhares de nazistas dispostos a lutar até a morte. Apesar disso, eles não deram problema. Foram amaciados por artilharia, e não se interessaram pelo grupo de Reed.
Chegando nas instalações, começou o caos: catalogar os cavalos, colocar alguns em caminhões, lidar com éguas muito grávidas e potros recém-nascidos, cavalos doentes e um número insuficiente de tratadores. Prisioneiros de guerra Aliados, recém-libertados de campos de prisioneiros na região, foram convidados a ajudar.
Os alemães receberam os americanos com um lençol branco, em uma rendição ensaiada, depois que os tanques fizeram alguns disparos de advertência. O teatro era importante, para não configurar traição, vai que Hitler dá a volta por cima e ganha a guerra… (Spoiler: Não ganhou)
O comboio deixou as instalações quando os soviéticos apareceram no horizonte. A maioria dos mais de 500 cavalos foram levados em tropas, alguns fugiram, como esperado.
Duas unidades da SS apareceram e tentaram atacar o local. A falta de soldados livres para combater eventuais alemães preocupou Reed, que com ajuda dos oficiais alemães, distribuiu armas para os soldados nazistas no grupo. Pela segunda vez na História, aliados e nazistas combatiam lado a lado. Os soldados da SS foram repelidos.
Chegando na fronteira entre a Boêmia e a Bavária, o comboio foi parado por um grupo de partisans checos. Eles arrancaram um dos cavaleiros de sua sela e começaram a agredi-lo. Um tal Tenente Quinlivan, que comandava aquela parte do comboio, aparecer pra ver o que estava acontecendo.
Começou um imenso bate-boca, os checos não queriam deixar ninguém passar.
Quinlivan pensou “Não tenho tempo pra essa merda”. Chamou um dos tanques, mandou apontar o canhão pra casa da guarda. “Vou contar até três”.
Nem precisou. O caminho foi graciosamente liberado.
No total o comboio percorreu 200Km em dois dias. 1200 cavalos foram salvos. Dos Lipizzaners, 215 foram entregues a Alois Podhajsky, que cuidou deles em Bad Wimsbach, na Áustria, até 1952. Depois eles foram devolvidos para a Escola Espanhola de Equitação, e seus descendentes continuam até hoje encantando platéias.
Em 1985 em Viena Rudofsky teve seus esforços no resgate dos cavalos reconhecidos, e foi homenageado por isso.
Na foto acima, na primeira fila, um oficial representando os EUA, o veterinário Dr Lessing e Hubert Rudofsky.
Fontes:
- Newsletter of the German-Bohemian Heritage Society
- New Austrian – Operation Cowboy
- Operation Cowboy – How American GIs & German Soldiers Joined Forces to Save the Legendary Lipizzaner Horses in the Final Hours of WW2
- The 3rd Army rescue of the Lipizzaners