O dia em que os americanos inventaram a Mula Sem Cabeça, que tinha cabeça, não era mula e provavelmente existiu mesmo.

O dia em que os americanos inventaram a Mula Sem Cabeça, que tinha cabeça, não era mula e provavelmente existiu mesmo.

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image-2 O dia em que os americanos inventaram a Mula Sem Cabeça, que tinha cabeça, não era mula e provavelmente existiu mesmo.

Era 1883, um começo de noite em uma fazenda perto de Eagle Creek, Arizona. A rotina de trabalho estava terminando, dois homens terminavam as tarefas, enquanto na casa uma das esposas (Brokeback Mountain ainda não tinha sido inventado) teve sua atenção despertada pelo latido dos cachorros.

Seguiu-se um grito assustador. Correndo para a janela, ela viu, à distância, uma criatura de pelo avermelhado, aparência demoníaca, grande e tenebrosa, que fugiu para a escuridão.

Alguns dias depois, um grupo de garimpeiros relatou uma criatura feroz de pelos vermelhos destruindo seu acampamento. Outros avistamentos disseram ter visto a tal criatura, com 10m de altura, matar e devorar um urso cinzento.

Em comum a todos os relatos: A criatura era cavalgada por um… esqueleto! Comandado por seu mestre sobrenatural, o monstro que passou a ser conhecido como Fantasma Vermelho aterrorizou o Arizona por incontáveis anos.

Certa vez cinco homens tentaram cercar o Fantasma, atiraram, mas apenas acertaram a cabeça do esqueleto, que caiu morta, até porque já estava morta faz tempo. O Fantasma fugiu, levando seu esqueleto sem cabeça consigo.

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Até que em 1893 um fazendeiro (algumas fontes dizem padre) chamado Mizoo Hastings viu o Fantasma Vermelho calmamente pastando em sua propriedade.

Seguindo a tradição ianque de atirar primeiro e perguntar depois, ele mandou um balaço certeiro que levou ao chão o Fantasma Vermelho e seu cavaleiro demoníaco.

Era um camelo.

Aí você me pergunta: Cardoso, fidazunha, como diabos um camelo foi parar no Arizona em 1893?

A resposta é muito mais interessante que a lenda go Fantasma Vermelho em si.

No começo do Século XIX, forças armadas no mundo inteiro dependiam de tração animal. Pouca gente sabe, mas mesmo durante a Segunda Guerra Mundial, o grosso do transporte de cargas da Alemanha Nazista era feito por cavalos. Imagine cem anos antes.

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Usados desde tempos imemoriais, cavalos, mulas e assemelhados são animais extremamente úteis, mas eles não funcionam em todos os ambientes, como os americanos descobriram durante a expansão para o Oeste.

O terreno árido, literalmente desértico de regiões como o Arizona, Nevada, Califórnia, Novo México torna o uso de cavalos mais complicado, com toda uma infraestrutura e planejamento para manter sempre a tropa alimentada e com bastante água.

Gente com imaginação começou a pensar em alternativas. O primeiro a colocar no papel suas idéias foi o Major George H. Crosman em 1836, que sugeriu camelos como uma alternativa. A idéia ganhou tração, mas lentamente. Em 1848 outro major, Henry C. Wayne, escreveu um relatório detalhado propondo camelos. Esse relatório chamou a atenção de um senador chamado Jefferson Davis, mas mesmo com apoio político, a idéia não ia adiante.

Políticos são mais teimosos do que mulas, e militares paradoxalmente detestam inovação, odeiam mudar qualquer coisa que tenham funcionando de forma minimamente aceitável. Por isso só em 1853, quando Davis foi nomeado Secretário de Guerra, ele conseguiu autoridade para iniciar o projeto, ajudado pela necessidade de movimentar tropas pelo sudoeste desértico dos EUA.

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Foi liberada uma verba equivalente a US$1 milhão em valores atuais, para comprar camelos, dromedários e contratar os motoristas. Em 1855 o mui adequadamente batizado USS Supply partiu para o Mediterrâneo, levando o Major Wayne. Ele voltou com 33 animais, desses 29 eram dromedários, tornando o nome do United States Camel Corps meio impreciso.

Os animais foram muito bem-tratados, somente um morreu na viagem, mas dois nasceram, a tropa já estava no lucro quando o navio desembarcou no Texas, e começaram os experimentos.

Em 1857 decidiram construir uma trilha de carruagens entre Fort Defiance, Novo México, e o Rio Colorado. Era um terreno bem hostil e árido. O Exército decidiu testar os camelos, e incorporou a expedição uma cáfila de 25 animais.

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PAREM TUDO! EU CONSEGUI!!!! EM TODA MINHA VIDA ADULTA PELA PRIMEIRA VEZ USEI O COLETIVO DE CAMELO! VIRAM? NENHUM CONHECIMENTO É INÚTIL!

Cada camelo carregava 300Kg de suprimentos. O responsável pela expedição adorou os bichos, disse que trocaria fácil quatro mulas por um camelo. Eles eram ótimos animais de manada, dóceis e inteligentes.

Em 1959 uma expedição com 24 camelos e 24 mulas percorreu 140km de deserto. As mulas quase morreram, os camelos nem chegaram a demonstrar sede. Para eles foi supertranquilo, mesmo um que foi mordido por uma cascavel, não estava nem aí.

O famoso carro e militar General Lee conheceu a tropa de camelos em 1857, e ficou fã também, tendo sido o último militar a usá-los.

Mesmo assim, os camelos nunca emplacaram. Quanto mais elevadas as patentes, mais resistência a qualquer tipo de mudança. Localmente havia o problema de depender dos operadores estrangeiros. Basicamente todos os recrutas estavam acostumados com mulas e cavalos, nunca tinham visto um camelo na vida, e tinham dificuldade em aprender como tratá-los.

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Isso era um grande problema, pois camelos podem ser dóceis e bem-comportados, se o adestrador tiver mão-firme, do contrário viram bichos teimosos e irritados. Que mordem e mordem feio. Eles também não gostam de cavalos e mulas, o que gerava brigas, se deixassem os dois grupos se misturarem.

As vantagens eram inegáveis, mas não o suficiente. Imagine que você descobriu um programa que permite fazer seu trabalho na metade do tempo. Excelente, não? Mas e se o programa for todo em Esperanto e você só precisar usar uma vez por semana. Ainda vale a pena?

Outro motivo do projeto não ter ido adiante foi o timing. O United States Camel Corps ainda engatinhava quando em 1861 um pequeno arranca-rabo tomou conta dos Estados Unidos: A Guerra Civil. Os estados rebeldes do Sul eram presididos por… Jefferson Davis, que se tornou o primeiro e único Presidente da Confederação.

Depois de sua derrota na mão das tropas do Norte, o povo do Sul ficou meio desprestigiado, e suas idéias passaram a ser mal-vistas, com o povo achando que se apoiassem uma proposta sulista, logo estariam liberando escravidão de novo.

Os camelos como unidades do exército foram mortos e enterrados, figurativamente falando. Alguns foram soltos, outros vendidos para fazendeiros e tropeiros locais.

O Fantasma Vermelho foi provavelmente um camelo que se desgarrou, com seu cavaleiro morto preso à sela, e a pouca familiaridade do afegão médio do Arizona com camelos, fez com que a lenda crescesse e crescesse.

Com o tempo os camelos desapareceram das visões e até mesmo das lendas locais, mas como animais leais e confiáveis, nunca foram esquecidos. Como o querido Douglas:

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“Douglas – ‘Velho Douglas’ foi o camelo ‘fiel e paciente’ do 43º Regimento de Infantaria de Mississippi, Voluntários da CSA. Douglas era um camelo dromedário e foi dado ao Coronel W.H. Moore pelo Tenente W.H. Hargrove da Companhia B. Moore atribuiu Douglas – À banda, Douglas no início assustou todos os cavalos do 43º, mas logo se tornou o favorito de ambos, animais e homens. O 43º passou a ser chamado de ‘o Regimento do Camelo’. Douglas serviu nas campanhas de Uka, Corinth, Centro do MS AR, e Vick’s. Foi intencionalmente morto por atiradores yankee perto do fim do cerco, e pode ter sido comido pelos confederados famintos. A morte de Douglas foi muito lamentada, e, como um veterano do 43º escreveu sobre ele, ‘Seu serviço merece ser registrado.'”

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