
Antes tarde do que nunca, os Estados Unidos entraram na Segunda Guerra Mundial depois do ataque japonês a Pearl Harbor, e uma das primeiras ações americanas foi o ataque a Tóquio comandado por Jimmy Doolittle, que embora estrategicamente irrelevante, assim como a Rita Cadillac foi bom para o moral.
No começo de 1942 a Marinha dos EUA ainda estava muito capenga. Totalizando, eles tinham CINCO porta-aviões, para cobrir todos os mares do mundo. No final da Guerra eles chegaram a construir no total 143, mas na época eram só cinquinho mesmo.
Era inviável mandar esses navios para atacar o Japão, seriam dizimados, então resolveram pensar fora da caixa. Que tipo de avião teria alcance para voar até o Japão, sem colocar em risco os porta-aviões? A solução veio do Capitão Francis S. Low, que propôs lançar bombardeiros B-25 Mitchell de um porta-aviões, algo que nunca foi feito antes e era uma idéia insana.

Um maluco chamado Tenente-Coronel James H. Doolittle gostou da idéia, e ajudou a planejar tudo: os bombardeiros foram limpos de tudo que fosse pesado e/ou desnecessário, incluindo painéis e quase todas as armas e munição. Decolariam com tanques de combustível extra, da máxima distância possível.
Voariam sobre Tóquio e cidades próximas, lançariam suas bombas e voltariam, mas o porta-aviões USS Hornet suspeitou ter sido avistado, e decidiram lançar os aviões a 1200Km de distância da costa, o que obrigou todo mundo a usar o Plano-B: Soltar as bombas e seguir em direção à China.
As bombas assustaram o Japão e causaram danos menores, além de 420 baixas, e foi um grande empurrão moral para os Estados Unidos, mesmo com os 16 bombardeiros sendo perdidos.
Um dos tripulantes morreu na queda do avião. Outros três foram executados por um oficial japonês. Oito foram capturados, quatro morreram na prisão, outros quatro sobreviveram até o final da Guerra. O resto pousou na China, foram ajudados pela população local, alimentados, escondidos e repatriados, o que custou muito caro.

O Japão resolveu dar uma lição, e em uma ofensiva punitiva, executou 250 mil civis e matou em combate 70 mil soldados chineses. Depois ninguém sabe porque o Japão é odiado pelos vizinhos.
De todos esses aviões, um tomou um rumo diferente. Pilotado pelo Capitão Edward J. York, o B-25 estava com pouquíssimo combustível, não teriam como chegar na China. Ou pousavam no mar, ou esticavam até a União Soviética, que era aliada dos EUA na Europa, mas na Guerra com o Japão, eram oficialmente neutros.
Mantendo silêncio de rádio, York voou com seus quatro companheiros até a base aérea de Vozdvizhenka, a uns 60Km norte de Vladivostok, pousando sem ser incomodado pelas defesas antiaéreas russas, que acharam que era um avião amigo (quer dizer, era).

Os russos não entenderam nada quando os cinco americanos desceram do avião, mas logo apareceram garrafas de vodca, e a atmosfera ficou bem amigável. York pediu para abastecer o avião, e voariam para a China na manhã seguinte. O comandante da base concordou, mas assim que enviou seu relatório para seus superiores, veio o esporro.
“Tá maluco, meu, quer arrumar treta com os japas?”
A União Soviética estava tomando uma piaba federal dos alemães, morrendo de medo do Japão, que estava barbarizando a China e basicamente todo mundo na Oceania (ainda existe Oceania?) decidisse ficar de olho grande e atacar territórios russos.

Stalin acompanhava de perto as intenções japonesas graças a um Espião-Mestre chamado Sorge, então sabia que por enquanto podia respirar aliviado, então não era boa idéia melindrar os caras.
Os tratados internacionais determinam que caso combatentes entrem sem-querer em um país neutro, devem ser mantidos internados até o fim das hostilidades, o que evita que o conflito se arraste para dentro das fronteiras. E assim foi feito.
O Ministro das Relações Exteriores soviético protestou contra a “invasão”, os americanos protestaram de volta, e os japoneses ficaram satisfeitos, acompanhando de perto a história.
Movidos para uma aldeia a uns 450Km de Moscou, os cinco aviadores foram bem tratados, aprendendo a jogar xadrez, ouvindo música, praticando esportes, socializando com os moradores. Depois relataram que os russos foram bem gentis (o que não é normal) e não eram prisioneiros de verdade, mas depois de um ano, a coisa começou a ficar incômoda.

Transferidos para uma cabana nos Montes Urais, eles começaram a passar necessidades, como toda a população local, sobrevivendo ao inverno com batatas congeladas (se funciona em Marte…). Depois de alguns meses, chega a notícia que os americanos seriam transferidos para Ashgabat, a capital do Turcomenistão.
Reza a lenda que Roosevelt intercedeu pessoalmente junto a Stalin, ou que a esposa do Capitão York enviou uma carta para Eleanor Roosevelt, ou ainda que o Tenente Mikhail (“Mike”) Schmaring, oficial de ligação entre os aviadores e os militares russos tenha ajudado York a escrever uma carta para o Governo Soviético.
O certo é que subitamente Mike desapareceu para nunca mais ser visto, algo bem comum nos tempos de Stalin, e oficiais do exército informam que no Turcomenistão eles trabalhariam ajudando na manutenção de aviões de treinamento. Uma boa notícia, já que os aviadores estavam inquietos e já falando em fugir da hospitalidade russa.

Na longa viagem de trem, os americanos encontraram um russo estranhamente falante e amistoso, chamado Kolya. Com várias garrafas de vodca na bagagem, Kolya fez amizade com os militares, ouviu as histórias deles, e soltou o carioquíssimo “aparece lá em casa”, pois Kolya morava bem perto da instalação onde os americanos ficariam.
Kolya aparecia quase todo dia para beber com os brothers, que compartilharam aos poucos sua insatisfação e desejo de voltar para casa. Para sua surpresa, Kolya se mostrou receptivo, e falou “eu conheço um cara…” aos poucos foi se esboçando um plano.
Kolya disse que conseguiria um caminhão com motorista para contrabandear os americanos para o Irã, por US$250, coincidentemente a quantidade de dinheiro que York e seus homens tinham em mãos.
Eles estavam a uns 30Km da fronteira iraniana, de lá mais uns 250Km até Meshed, onde havia um consulado britânico, e como os ingleses e os russos estavam ocupando o país, para eles seria perfeito.
Tudo marcado, chegou o dia, dinheiro trocado, Kolya levou os aviadores até o ponto de encontro, onde se despediram com lágrimas e desejos de boa-sorte.
Chegando na fronteira, o motorista mandou todos descerem e rastejarem fora da vista dos guardas. Os aviadores passaram por baixo de cercas de arame farpado, em extremo silêncio, sem que os guardas percebessem a movimentação estranha. O caminhão atravessou a fronteira normalmente, e reencontrou os passageiros mais adiante.
Dali em diante foram só algumas horas até Mashed, onde foram recebidos, alimentados, alcoolizados, paparicados e colocados em um avião para a Índia, depois em um roteiro indiana Jones foram para a África do Norte, América do Sul, Caribe e finalmente Estados Unidos.
Depois de 400 dias os cinco reencontraram suas famílias. Os russos protestaram dizendo que foi uma fuga em massa, que subornaram trabalhadores proletários com seus dólares, etc, etc.
O que realmente aconteceu
Kolya não existiu. Seu verdadeiro nome era Major Vladimir Boyarsky, oficial da NKVD, a Polícia Secreta soviética. Ele relata que foi convocado às pressas em Moscou, e recebeu ordens diretas de Stalin para organizar a fuga dos americanos, mas eles não poderiam saber que estavam sendo “escapados”.
Precisavam acreditar que a iniciativa era toda deles.
Todo esse teatro era para manter o Japão feliz e acreditando que Stalin estava respeitando o Pacto de Neutralidade entre o Japão e a União Soviética.
E teatro, ah teatro foi. Kolya deu até mapas para os americanos, e a travessia da fronteira? Tropas soviéticas construíram uma fronteira falsa, com direito a arame farpado, para os americanos acreditarem que estavam realmente fugindo de território soviético. Os guardas estavam instruídos a ignorar totalmente os americanos.
Tudo, desde a partida da cabana dos Urais aos assentos no trem perto de Kolya foi cuidadosamente planejado para servir como uma desculpa plausível, esfarrapada mais plausível, e evitar que o Japão fosse tentado ou obrigado a denunciar o Pacto.
Tempos depois outros aviadores capturados também foram repatriados com operações semelhantes, até que Stalin, já na ofensiva na Europa, percebeu que o Japão estava apanhando feio dos americanos no Pacífico, e decidiu que não precisava mais esconder tanto essas operações.
Em 6 de agosto de 1945 os americanos lançaram uma bomba atômica em Hiroshima, em 9 de agosto foi outra em Nagasaki. No mesmo dia a União Soviética lança uma ofensiva para retomada da Manchúria, declara guerra e estraga de vez o fim de semana dos japas.
Quando ao Capitão York, ele tirou uns dias de descanso, pegou sua mala de viagem, foi pra Europa e pilotou bombardeiros B-17 por 24 missões, até que alguém se lembrou que aviadores que foram prisioneiros de guerra não podem participar mais de missões de combate.
Ele se envolveu com treinamento, operações e chegou a comandar uma unidade de mísseis nucleares balísticos intercontinentais, antes de se aposentar. Edward York morreu em 1984, aos 72 anos.

