Sobre vídeos acelerados e uma aulinha de ciências

Sobre vídeos acelerados e uma aulinha de ciências

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Vários anos atrás, voltando de um encontro científico, conversava com o Átila (não lembro se era ele ou o Hotta, mas pelo final fiquemos com o Átila) e falei que deveriam exibir Cosmos, de Carl Sagan, todo sábado na TV.

Ele retrucou dizendo que não funcionaria, que a versão de 1980 era muito lenta, não tinha um ritmo adequado ao público moderno. Achei o argumento correto, e ingenuamente concordei. Só que isso não é Ciência.

Agora estamos na era dos podcasts quilométricos, Xadrez Verbal e Joe Rogan estou olhando para vocês. Programas inaceitáveis em qualquer outra mídia, fácil com 3, 4 horas de duração. Há casos de podcasts temáticos divididos em 10 partes, com mais de 1h cada. Haja assunto!

As pessoas contornam isso, pois precisam do prestígio imaginário de se dizer ouvintes desses podcasts, então aceleram o áudio em até 2 vezes a velocidade de reprodução normal. Sei lá, acho meio falta de respeito descrever o Holocausto com voz de esquilo.

A oferta exagerada de mídia e o desejo de consumir tudo faz com que o jovem use subterfúgios como acelerar vídeo e consumir cinema na tela do celular. É correto afirmar que isso estraga a experiência. Cinema demanda além de tela grande, um ritmo correto. Ver um filme ou série acelerados é um desrespeito a todos os envolvidos, incluindo o espectador, mas será isso sinal de que vivemos tempos mais frenéticos, que nossa mídia é mais acelerada, mais dinâmica naturalmente?

Farei uma confissão: Eu assisto documentários antigos acelerados. A minha percepção é que eles eram mais lentos. Minha coleção de documentários da 2ª Guerra, feitos entre 1940-1970 é bem vasta, e às vezes o jeito é acelerar, mas com os novos não faço isso.

A questão é que percepção em Ciência não quer dizer absolutamente nada. A única forma de determinar se os documentários, filmes antigos eram mais lentos, traziam menos informação textual, é por experimentação.

Eu usei o Whisper para transcrever os vídeos e um script em Python para calcular a quantidade de palavras por minuto em cada um. O resultado foi… interessante.

Primeiro, escolhi 6 documentários de Guerra lançados em 2024. O resultado foi uma média de 118,49 palavras por minuto. Um bom ritmo. Será que documentários mais antigos seriam mais lentos?

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Próximo passo foi analisar a brilhante, magnífica série de documentários The World At War, lançada em 1973, com narração de Sir Lawrence Olivier. Embora aparentemente com um ritmo bem mais lento, a narração tem uma média de 95,5 palavras por minuto. Não exatamente algo que se arraste.

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The Day the Universe Changed, uma série de documentários de James Burke, tão boa que vai te fazer se não respeitar, ao menos entender Filosofia, é de 1985, também considerada lenta para os padrões atuais. Como se sairá?

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Segundo meu script, 120,59 palavras por minuto. Quase idêntico aos documentários praticamente 40 anos mais recentes e “dinâmicos”.

Talvez essa questão de “lentidão” seja algo mais antigo ainda.

Fui no Internet Archive e pesquisei por vídeos sobre o Brasil, quanto mais antigos, melhor. OK, ao menos antigos, mas não do tempo do cinema mudo. Achei vários. Transcritos e tabulados, eis a surpresa: 115,3 palavras por minuto.

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Será que essa percepção falsa de lentidão se estende além do campo dos documentários? Vamos comparar laranjas com laranjas: Star Trek, a série clássica de 1966, com Strange New Worlds, a última produção da franquia, de 2022.

Pois bem; Strange New Worlds se saiu com uma média de 85,95 palavras por minuto, enquanto a série clássica dos Anos 60, tem a média de 78 ppm.

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Filmes? E que tal filmes?

Bem, o resultado me surpreendeu – de novo – filmes antigos aparentemente tinham bastante diálogo, comparados com os modernos. Alguns são até fora da curva, com Top Gun Maverick tendo apenas 60,2 palavras por minuto.

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Finalmente, hora de testar o programa que deu origem a este artigo: Comparando Cosmos, de Carl Sagan, de 1980, com o Cosmos da Shopee de Neil deGrasse Tyson, de 2014.

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Macacos me mordam, o Cosmos que o Átila achou lento (e eu concordei) tem uma média de 99,95 palavras por minutos. O Cosmos ágil moderno radical e antenado? 99,11 palavras por minuto. Átila estava completamente errado.

Ou não?

Levando aqui uma segunda hipótese: Embora o áudio seja relativamente similar, talvez a edição das séries, filmes e documentários antigos seja realmente mais lenta, com bem menos cortes e transições. É possível testar essa hipótese, mas é assunto para um artigo futuro.

Conclusão

Apesar do bom-senso e da percepção indicarem que o material audiovisual do passado era reproduzido em um ritmo mais lento, a quantidade de informação é a mesma, e ao menos em termos de texto/áudio, não diferem dos conteúdos mais recentes.

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