Victoria Drummond – Uma senhora engenheira

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Tecnicamente era um domingo, mas no mar isso não existe, e a manhã de 25 de Agosto de 1940 seria um dia como qualquer outro, exceto que Victoria Drummond estava repensando sua vida enquanto bombardeiros nazistas Focke-Wulf Fw 200 Condor atacavam impiedosamente o pequeno Bonita, o cargueiro onde ela trabalhava como uma das maquinistas.

Victoria não era a maquinista-chefe, mas também não era novata. Estava com 46 anos, boa parte deles passados no mar, uma paixão que começou no berço. Seu pai era um Capitão, e ela cresceu cercada de motores, modelos, máquinas. O pai incentivava seu interesse, e logo ela descobriu que poderia arrumar um emprego de aprendiz em uma oficina.

Aos 22 anos ela foi trabalhar em um estaleiro, mesmo sendo filha de família rica. Durante 3 noites por semana aprendia matemática e engenharia com um professor particular, mas seu sonho era o mar, o que não era nada fácil. Marinheiros são extremamente supersticiosos, e mulheres dão azar. Junte a isso a idéia de uma mulher trabalhando, dando ordens? Nenhum rato de convés aceitaria isso.

Os ratos aceitaram. Em 1919 ela conseguiu uma vaga de assistente de máquinas no Anchises, um navio de passageiro de 10 mil toneladas fazendo a rota Liverpool – Glasgow. Aprovada, foi contratada como 10ª Maquinista, e chegou a viajar até a China. A tripulação gostava dela e de seu trabalho, somente um oficial implicava com Victoria por ser mulher. E algumas passageiras também a desprezavam, pelo mesmo motivo.

Era muito complicada a vida de uma mulher maquinista, o conceito não era engolido facilmente. Com o tempo Victoria se qualificou para o posto de segundo maquinista, mas só conseguia vagas de quinto.

Victoria tentou se qualificar como Chefe de Máquinas, mas o comitê responsável simplesmente não aceitava a idéia de promover uma mulher para um cargo tão importante. Como resultado ela falhou todas as vezes em que fez a prova. Pior, para disfarçar o preconceito, quando ela tentava, todos os candidatos do mesmo lote eram rejeitados também.

Ela foi rejeitada nos exames por 31 vezes, que não a impediu de continuar trabalhando em diversos navios, acumulando experiência. Que não serviu de nada quando a 2ª Guerra Mundial estourou. As autoridades navais recusaram sua promoção mais uma vez, e ela não conseguia emprego em nenhuma empresa de navegação.

Andando pelo porto ela encontrou um velho marinheiro de outras viagens, que a aconselhou a esquecer as empresas britânicas, procurar as estrangeiras. Rapidamente ela achou um representando do Lloyd Marítimo Palestino, empresa de um grupo de empresários judeus de Haifa. O representante ficou com uns 5 pés atrás, afinal de contas, mulher, mas quando Victoria colocou os papéis na mesa, o pragmatismo judeu falou mais alto e o sujeito viu que tinha uma excelente oficial.

Victoria embarcou no Har Zion, e mesmo brigando constantemente com o terceiro maquinista, colocou ordem na Engenharia, resolvendo vários problemas de disciplina, e supervisionou diversos reparos.

Até o fim de sua vida Victoria faria trabalhos assim, consertando problemas e supervisionando navios. Mesmo não sendo vista como maquinista-chefe, era respeitada em todas as outras áreas, inclusive como consultora de construção naval. Mesmo com todos os seus méritos Victoria Drummond só iria se tornar Engenheira-Chefe em 1953, no Markab, um cargueiro de 10 toneladas que viajou o mundo todo e veio até o Brasil.

Isso ainda era futuro distante em 1940, quando o Bonita parecia um alvo fácil para os aviões nazistas.  Victoria ouvia o som das bombas de 250Kg caindo à sua volta. Tiros de canhões de 20mm atingiam o casco do navio indefeso.

O Bonita tinha bandeira panamenha, um país neutro e portanto não protegido pelos comboios armados. Ele estava sozinho, a 640Km da costa dos EUA, em pleno Atlântico Norte.

Os canos de vapor estouravam com a pressão das bombas alemães, o navio de 5000 toneladas era erguido com as explosões próximas. Victoria estava no comando naquele turno, quando uma linha de combustível se rompeu, espirrando diesel em seu olho, deixando-a temporariamente cega.

Com apenas uma vista boa, Victoria decidiu que aquele não seria seu Kobayashi Maru. Sabendo que todo bom engenheiro trabalha com uma margem de segurança, ela violou todas as especificações dos motores, mandou os assistentes abrirem os injetores de combustível ao máximo, e ultrapassarem a linha vermelha nas válvulas de vapor.

“Ela vai aguentar” deve ter pensado Victoria, enquanto mandava o resto dos maquinistas para os decks superiores. Trancada na sala de máquinas, Victoria Drummond invocou todos os truques do livro e escreveu mais alguns na hora. Aquela escocesa era uma Scotty de saias.

Na Ponte de Comando o Capitão Herz não conseguia acreditar. Seu barco, que nunca havia ultrapassado os 9 nós de velocidade, estava desenvolvendo 12,5 nós. Os 7 bombardeiros circulavam, lançando suas bombas segundo seus manuais precisos e germânicos, enquanto o Bonita ziguezagueava e desviava de curso na hora exata para tornar a morte certa em uma bela história de bar.

Depois de 35 minutos e 25 bombas os sete aviões nazistas desistiram. Em 8 de Setembro o Bonita chegou ao porto de Norfolk, com sua carga intacta.

Nas palavras do Primeiro Oficial do Bonita, Victoria Drummond era

“A mulher mais corajosa que eu já vi. Ela parece não ter medo ou nervos, é muito boa em seu trabalho e ter um poder incrível sobre motores, pelo qual eu uma vez agradeci a Deus”

Victoria não era boa o suficiente para ser Maquinista-Chefe, mas foi boa o suficiente para ser agraciada com a Ordem do Império Britânico, pelas mãos do Rei George VI.

Ela morreu em 1978, aos 84 anos, sendo a primeira mulher engenheira naval, maquinista, mecânica da Grã-Bretanha, em uma época onde isso era tão fora do comum que os próprios marinheiros demoraram tanto a acreditar que quando viram, ela já era um deles.



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