Rabo de Arraia no dos outros é refresco

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Existe um grupo que defende a teoria de que um certo tipo de humor existe para ofender. É um erro. O objetivo do humor é fazer rir. Secundariamente, fazer pensar. Pessoas ofendidas não riem, muito menos pensam. Esse mesmo grupo defende a idéia que o humor não pode ser ofensivo ou depreciativo, sem perceber que essa é a base do humor. Mesmo o palhaço mais inocente está se autodepreciando para fazer rir.

Existe um outro mito, o de que há um período de resguardo durante o qual um tema não deve ser abordado em peças de humor. Tenho tomado algumas pedradas por causa deste post, mas ninguém explica exatamente qual o prazo correto para usar uma tragédia em uma peça de humor.

O prazo é proporcional ao número de vítimas? Então nada de piadas de holocausto, temos que tratar o assunto de forma tão séria quanto Israel ficou, quando a Alemanha mandou a conta do gás.
Será que celebridades amadas pelas multidões merecem um resguardo maior, também? Não sei, o Senna mal havia esfriado e as piadas já passavam pela cabeça dos humoristas, mais rápido do que uma barra de direção.

Dizem que sou insensível por não me solidarizar com a dor das vítimas da Gol, mas… Solidariedade só vale para vítimas que morrem juntas? O que dizer das dezenas de milhares de vítimas de acidentes de trânsito, todos os anos? Sem piadas de louras dirigindo? O fato de cem pessoas terem morrido junto não faz muita diferença, se a pessoa que morreu é seu parente. aliás eu DU-VI-DO que um sequer dos “ofendidos”, se tivesse um parente no avião, não trocaria alegremente a vida dos outros 100, se com isso seu parente aparecesse milagrosamente inteiro. (e vivo).

Doenças também são temas-tabu. Alcoolismo é uma doença. Sem piadas de bêbado? Não podemos mais falar nem dos famosos? Nem do Zeca Pagodinho?

Já sei que assim que minha dieta começar a mostrar resultados, não terei mais imunidade diplomática para fazer piadas de gordo.

Usando a forma mais baixa de humor, o trocadilho, eu diria que “Humor é nunca ter que pedir perdão”. E é verdade. Se você não riu, a culpa não é do humorista, a culpa é sua. Você não era o alvo da piada. Trey Park e Matt Stone fazem isso o tempo todo, em South Park.

Como todo humor de primeira qualidade, no programa eles trabalham em dois níveis: Temos a a piada em primeiro plano e a piada real em segundo. Ao colocar Jesus e Papai-Noel brigando sobre quem é o símbolo do Natal a piada é a comercialização da data, tanto pelas lojas quanto pela Igreja Católica. O episódio sobre World Of Warcraft irritou muitos nerds, que se viram refletidos nos jogadores estereotipados mostrados.

No episódio desta semana, foi mostrada a cena que ilustra este artigo. Em uma festa de Halloween dada por Satã, ocorre o seguinte diálogo:

 

_Satã, temos um problema, alguém chegou fantasiado de Caçador de Crocodilos, está alguns dos outros convidados estão se sentindo ofendidos.

_Oh, droga.

(vai até o sujeito vestido de Caçador de Crocodilos)

_Ei cara, olha, essa coisa do Caçador de Crocodilos, é um pouco cedo ainda, ele morreu só algumas semanas atrás, isso não é legal, você vai ter que ir embora.

_Mas… sou eu, Satã, Steve Irwin. Eu SOU o Caçador de Crocodilos.

_Oh. Hum. Oh, então você não está usando fantasia. Tem que ir embora.

_Espere, achei que fôssemos amigos!

(os seguranças escoltam Steve Irwin para fora da festa)

abaixo a cena em questão:

Isso é humor de primeira. Eles reverteram o mal-estar que poderia atingir parte da audiência, transformaram-no na própria piada, pois o personagem em si não diz nem faz nada de engraçado. A situação em si é puro ouro para um humorista.

Da mesma forma que o caso de ontem, do sujeito que fez a mulher e a amante de refém. A amante estava grávida, o cara queria que o marido da amante aparecesse, pois queria pedir desculpas. Isso é Nelson Rodrigues, é Monty Python puro.

Todo humorista que se preza começa a rir quando escuta a história, não por achá-la engraçada,mas por ser material farto e fértil. O fim foi trágico? Foi, o sujeito matou a amante e se suicidou.

A diferença do humorista para as pessoas normais é que nós temos coragem de dizer o que passa pela cabeça dos outros, pois não há ninguém que não tenha pensado, por um momento, que para que se faça justiça a mulher do amante tinha a obrigação de dar para o viúvo/corno.

‘Ai, que maldade”, é o que a maioria fala. Mas ri mesmo assim. Aliás quanto mais politicamente incorreta a piada, mais ela consegue ser apreciada em segredo e reprovada em público. Quando a piada tem uma capa politicamente incorreta, mas o humor real está escondido sob uma segunda leitura, temos uma peça de gênio. Peguemos um exemplo clássico:

“um sujeito afro-brasileiro, de roupas esfarrapadas, rebolando, usando uma quipá, com uma camisa do São Paulo vinha andando pela rua. O guarda de trânsito não resistiu e parou o cidadáo:”

“Meu amigo, desculpe falar isso, mas poxa… Preto, pobre, judeu, são-paulino e bicha. Que azar, hein?”

“O outro sujeito responde:”

“Y usted no sabe lo pejor…”

Essa piada é uma obra-prima, e exemplifica o humor de qualidade. Toda a carga de preconceito apresentada no começo é desviada, na mente do ouvinte, no desfecho. Não é uma piada contra negros, antisemita, contra pobres ou mesmo contra São-Paulinos. Ou contra Gays. O alvo, camuflado, surge no desfecho. Brilhantemente.

Entretanto, se você for argentino irá odiá-la.

O pessoal que ataca South Park e principalmente a mim deveria pensar melhor sobre o que estão sugerindo; o fim do humor em si. Mais ainda, deveriam perceber que o que aparentemente é uma piada com o acidente do avião, em uma segunda leitura é um experimento sociológico, como deixei claro com todas as letras, aqui

Mais ainda. O verdadeiro humor não está nas vítimas do acidente, mas nos desavisados que deixam comentários como:

“Se vc não respeita os mortos, ao menos tenha respeito por seus parentes, que provavelmente vão receber essas fotos nos emails deles tb!”

Quer dizer: Parentes de vítimas do acidente da Gol ABREM emails com subject “fotos dos corpos horrivelmente mutilados das vítimas do acidente da Gol”? Confesso que ri quando vi o comentário. As conclusões por vias tortuosas são quase entretenimento.

Para completar, quando a gente acha que está falando sério, aparecem os verdadeiros humoristas, que nos colocam em nosso devido lugar. Quando escrevi  este artigo onde reclamo da sanha de sangue dos visitantes atrás de fotos dos corpos do acidente (artigo que ninguém lê, pois pedem as fotos do mesmo jeito) não imaginava que os carniceiros seriam tão criativos. Vejam as justificativas dos que pedem as fotos nos comentários:

 

“Caso um dia você bata de carro ou caia de avião ou sei la o que… você tem uma idéia de como poderá ficar.”

“Cara, você não tem interesse nas fotos dos mortos ? Tudo bem. Mas metade do mundo tem. Eu tenho (…)

Você provavelmente, nunca deve ter visto um cachorro rolando na carniça e se divertindo com isso. ”

“Bom eu realmnete tenho interesse em ver as fotos, pois estou me formando em Medicina, então de uma forma ou de outra terei que ver”

“eu gostaria de ver as fotos para analisar sobre a vida.”

“Me passe as fotos dos mortos no acidente da gol. todas que vcs tiverem já tentei encontrar e não consigo. Isso se for gratis é claro.”

“poderiam por favor me foemecer as fotos do acidente da gol,pois estou começando a estudar medicina e tenho que trabalhar com essas fotos”

“quero receber as fotos do acidente da Gol, obrigado, vou agradecer muito a quem me enviar pois faço medicina e preciso de fazer um trabalho.”

“FAVOR GOSTARIA MUITO DE RECEBER AS FOTOS DOS MORTOS PARA QUE EU POSSA MOSTRAR A UM AMIGO QUE QUER MUITO VER”

“gostaria que voces me mandasse todas as fotos do acidente da gol pois a minha familia queria rezar por eles!!!!!”

Dá para competir? Eu reconheço a derrota, não farei mais pelas de humor sobre o assunto, não me comparo a esses profissionais.

 


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