Antigamente a Academia de Ciências do Fantástico alternava semanalmente entre a cura do câncer e a descoberta de novas substâncias antes inofensivas que causavam câncer. Usando a lógica do relógio parado que está certo 2 vezes ao dia, de vez em quando acertavam, como no caso do amianto. No resto do tempo, pura histeria.
Com a Internet a turma que adora desconfiar de tudo que não seja produzido por um índio. Claro, índios fumam e consomem Daime, mas como não inventaram o Rock and Roll, tudo bem.
Agora os vilões da vez são muitos. Sódio é tratado como um veneno, principalmente por gente que não sabe que ele é componente essencial para a vida, e um humano de 70Kg tem em seu corpo 100g de Sódio. Ferro? 3g. Inventaram até um estúpido Sal Light, com Cloreto de Potássio no lugar de NaCl. Imagine quando o Fantástico ou a Super descobrirem que KCl é usado na injeção letal, executando condenados?
Outro vilão é o Glúten, uma goroba de proteína criada por monges budistas no Século VII, que pesquisavam uma alternativa para a carne, pois eram vegetarianos. COMO os histéricos vão conseguir trabalhar isso em uma conspiração envolvendo grandes corporações eu não sei, mas conseguirão, são criativos. O glúten é natural, dá liga e elasticidade à massa de trigo, mas por algum revertério evolucionário, 1 em 133 pessoas são alérgicas a esse troço. OK, criemos produtos sem glúten, coloquemos na embalagem e pronto, certo?
Errado. GLÚTEN FOI CRIADO POR HITLER EM PESSOA, é o que estão gritando. As pessoas se orgulham de não comer glúten (sem necessidade, no caso das não-alérgicas) como se tivessem largado a prostituição, o álcool, a cocaína, a sodomia e o sertanejo. Tudo ao mesmo tempo.
Açúcar? O GRANDE VILÃO. Outro dia apareceu um link onde um “pesquisador” (coincidentemente promovendo um livro de dieta) anunciava que… “açúcar faz mal ao cérebro”. Eu concordo, dada a inexistência de neurônios para energizar, qualquer molécula de glicose tenderia a se acumular, a base do crânio dele deve parecer um açucareiro. Pessoas normais PRECISAM de açúcar para viver. É a fonte básica de energia do corpo, como todo mundo saberia se tivesse prestado atenção na aula sobre o Ciclo de Krebs. Você não comer açúcar só está fazendo seu corpo produzir de outras fontes, seja de gordura, através do processo de lipólise, seja através da quebra de carboidratos.
Seu cérebro VAI consumir glicose. 25% de toda a produzida será dele, esse guloso. Se açúcar fizesse mal ao cérebro, bem, estaríamos todos vendendo livros de dieta sobre os perigos do açúcar no cérebro. Ou acreditando neles.
Quanto aos adoçantes.. Ah, adoçantes… Desde que me entendo por gente, são a culpa de todos os males. Os aviões em 11 de Setembro? Repletos de adoçantes. Apollo 13? Explodiu um tanque de adoçante. O Curinga? Caiu num tanque de adoçante. Estudos que demonstram um aumento de 0,003% na propensão a câncer em ratos que consomem 7000x a dose diária de adoçante são lidos como “ciclamato mata”.
Mesmo assim, eu vou parar com adoçantes.
“CALMA, COMO ASSIM, BIAL?”
Eu explico: Ciência é baseada em observação e experimentação. Pra começar, fica a questão de que todo mundo que usa adoçante é gordo. Depois disso reparei que sempre tive uma compulsão por carboidratos, o uso de adoçantes nunca afetou isso, mesmo consumindo em quantidades que matariam até câncer em ratos. Nunca ocorreu o efeito da carne por exemplo, que quando se entra em uma dieta proteica, depois da fase inicial a gente passa a comer menos, e querer variar.
Eis que, durante uma conversa com o Atila Lamarino, descubro que as observações anedóticas acima têm uma comprovação baseada em estudos.
Adoçantes afetam nível glicêmico (d’oh) e alteram o nível de insulina no sangue (não tão d’oh)1. Outra pesquisa2 acompanhou por 8 anos gordos indivíduos gravitacionalmente diferenciados e descobriu que os que usavam adoçantes tiveram aumento de 47% no IMC, em relação aos que não tomavam cafezinho com 5 gotinhas de Hipocrisil após uma feijoada completa.
A hipótese é que o sujeito que toma adoçante se sente “protegido”, afinal se está controlando o açúcar, pode dar uma escapadinha de vez em quando, pedir um boi ao invés de um novilho na churrascaria, essas coisas. Faz sentido mas o buraco enzimático é bem mais embaixo.
Usando técnica de Ressonância Magnética Funcional, uma pesquisa3 fez com que beagles voluntários bebessem água açucarada, com sucralose e com açúcar normal. Os voluntários eram incapazes de determinar qual era qual, mas o computador mostrava algo digno do Homer discutindo com o cérebro: Os centros de prazer do cérebro eram ativados muito mais com o açúcar de verdade, o adoçante só conseguia uma resposta marromeno. Ou seja: Você consome o adoçante mas continua com fome de açúcar, e seu cérebro vai querer venha ele de onde for.
A cereja do bolo (já que o tema é gordice) foi uma pesquisa onde adoçantes, esses FILHOS DA PUTA4 não só foram identificados como estimulantes da adipogênese, como inibidores de lipólise. Explicando: Aumentam a formação de células de tecido gorduroso, e inibem o mecanismo onde gordura é convertida em Glicerol e ácidos graxos. Manja aquela coisa de transformar a gordura em energia? O adoçante joga uma chave inglesa nas engrenagens.
Dizem que o principal componente de uma dieta é força de vontade, mas como todo mundo que já usou celular bêbado sabe, nossa força de vontade é facilmente influenciada por substâncias químicas em geral. Talvez eu tenha feito tudo errado, e minha Coca-Light seja a grande vilã, junto com o Zero-Cal ou seja lá qual o adoçante vagabundo que eu compre, sempre pego o mais barato mesmo. EU SEI que em teoria (e na prática) estarei consumindo mais açúcar, mas por outro lado corro o risco de me saciar mais rapidamente, diminuindo o consumo absoluto de tudo.
Pode ser que ao eliminar o adoçante, cale-se aquela vozinha dentro do cérebro que estimula a continuar comendo. É muito mais fácil fechar a boca quando seu contador de calorias não está hackeado.
Mas claro, como não podemos ter coisas legais, aguardo corrente de email alertando que as formiguinhas que habitam meu açucareiro causam câncer.
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Referências:
1 – M. Yanina Pepino, PHD⇑, Courtney D. Tiemann, MPH, MS, RD, Bruce W. Patterson, PHD, Burton M. Wice, PHD eSamuel Klein, MD. Sucralose Affects Glycemic and Hormonal Responses to an Oral Glucose Load. Diabetes Care. dc12-2221v1 36/9/2530
2 – Bellisle F, Drewnowski A. Intense sweeteners, energy intake and the control of body weight. Eur J Clin Nutr. 2007 Jun;61(6):691-700. Epub 2007 Feb 7.
3 – Frank GK, Oberndorfer TA, Simmons AN, Paulus MP, Fudge JL, Yang TT, Kaye WH. Sucrose activates human taste pathways differently from artificial sweetener. Neuroimage. 2008 Feb 15;39(4):1559-69. Epub 2007 Nov 19.
4 – Simon BR, Parlee SD, Learman BS, Mori H, Scheller EL, Cawthorn WP, Ning X, Gallagher K, Tyrberg B, Assadi-Porter FM, Evans CR, Macdougald OA. Artificial sweeteners stimulate adipogenesis and suppress lipolysis independently of sweet taste receptors. J Biol Chem. 2013 Nov 8;288(45):32475-89. doi: 10.1074/jbc.M113.514034. Epub 2013 Sep 24.