A maior e mais imperdoável atrocidade de Hitler

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Sejamos realistas, você não quase conquista o mundo sendo burro. O grande problema de Hitler foi deixar seu ego interferir com seus planos, e planos ele tinha. Tanto que conseguiu uma imensa popularidade tanto entre a base industrial quanto entre os trabalhadores.
Parte dessa popularidade resultou dos esforços para melhorar a moral dos alemães, arrasados pela Primeira Guerra Mundial e a depressão econômica que se seguiu. Ao invés de apenas promessas de dividir o bolo quando ele crescer, o governo nazista criou ações nacionais, investindo em esporte, educação e saúde.
A primeira campanha nacional contra fumo foi obra da Alemanha Nazista, incluindo o primeiro estudo científico sério associando tabaco com câncer. Isso foi usado por anos pela indústria do tabaco para defender sua causa. Se você era contra cigarro você estava do lado de Hitler. Pior que Hitler estava certo.

Sim, eu vejo a ironia da imagem.

O programa que englobava isso tudo se chamava Kraft durch Freude, Força Através da Alegria. Eu sei, não soa muito nazista, mas nem todo mundo no país andava com uniforme preto e botas pesadas.
O objetivo era que as classes trabalhadoras tivessem acesso aos mesmos instrumentos de lazer que a classe média e os ricos, se fossem bons membros do Partido, claro. A Alemanha montou comitês do programa em todos os lugares, com cursos, shows, piqueniques, competições esportivas.
Colônias de Férias foram criadas, navios de cruzeiro para o pessoal de baixa renda foram construídos. O mais famoso dos resorts foi o Colosso de Prora, um monstro de mais de 1Km na Ilha de Rügen, com acomodações para 10 mil hóspedes.

(GERMANY OUT) Luftbild des KdF-Seebades Prora auf der Insel Ruegen. Der 4,5 Kilometer lange Gebaeudekomplex mit 10.000 Zimmern wurde von den Nazis als Kraft-durch-Freude-Seebad fuer 20.000 Urlauber errichtet. (Photo by Jens K¿¿hler/ullstein bild via Getty Images)

Para chegar em Prora os emergentes alemães pegariam as Autobahns, mas não de ônibus, nem de carona. Hitler planejava algo até então inédito no mundo: colocar no mercado um carro popular, acessível, moderno e que não custasse os olhos da cara. Era o sonho de todo alemão, afinal você pode ter pouco espaço vital mas com carro próprio ainda vale a pena.
O carro idealizado por Hitler deveria levar com relativo conforto dois adultos e três crianças, ser econômico e rápido, para aproveitar melhor as Autobahns. A refrigeração deveria ser a ar, pois nem todo mundo tinha garagem e no inverno a água no radiador congelaria.
O projeto foi entregue a Ferdinand Porsche em 1934, e ele caprichou. Havia um monte de soluções tecnológicas inteligentes no que viria a ser o Fusca, mas que acabou com o nome oficial de Kraft-durch-Freude-Wagen, ou KDF-Wagen para encurtar.
A fábrica da Volkswagen começou a ser construída em 1938 em Fallersleben, e o povo ainda acreditava, mesmo com a Guerra já em movimento, que receberia seus carros afinal, estavam pagando.

Anos antes do KDF-Wagen começar a ser produzido, o Governo começou a vender cartelas de financiamento, uma espécie de consórcio onde você comprava selinhos de 5 Marcos. A regra era simples: 5 Marcos por semana e ao final de 198 semanas você chegava aos 990 e recebia seu carro.
Não era nada absurdo, uma família de um trabalhador alemão ganhava em média 32 Marcos por semana, era só cortar um pouquinho a verba da cerveja, e dava para economizar. Até crianças foram arregimentadas, a molecada fazia serviços pros vizinhos, pedia pros parentes e juntava o dinheiro do Carro da Família em cofrinhos especiais da campanha:

Aqui eu começo a demolir a imagem do projeto, e –lamento informar- mostro que Hitler não era um cara tão legal quanto estava parecendo. O projeto todo era uma fraude, um golpe, um esquema, quase uma pirâmide.
A fábrica da Volkswagen, financiada com o dinheiro obtido com a venda dos fuscas foi toda voltada para o esforço de guerra. Os chassis dos KDF-Wagens eram usados na produção de veículos militares como o Kübelwagen, que diga-se de passagem é muito mais legal que um fusca:

A produção do fusca só começou em 1941, mesmo assim em pequenas quantidades, e os carros que saíam foram todos parar na mão dos figurões do Partido. Sim, eu sei, é chocante, mas não dá pra confiar em nazistas.
O complexo turístico em Prora nunca foi terminado durante a Guerra, e todo mundo com bom-senso achou melhor não pagar de Ashton Kutcher, até porque nazistas além de caloteiros não eram conhecidos por seu senso de humor.

Só que a saga da fábrica não parou por aí. Mais pro final da Guerra a produção da fábrica foi de novo redirecionada, as linhas de montagem passaram a construir algo quase tão terrível e desumano quanto os fuscas: As bombas voadoras V1.

Com medo que de os nazistas perdessem o mínimo de humanidade que ainda tinham e começassem a bombardear Londres com Fuscas, os aliados fizeram ataques maciços explodindo e colocando fora de ação a fábrica da Volkswagen em Fallersleben, e por muito pouco esse não foi o fim do Fusca.
Logo após o final da Segunda Guerra as forças de ocupação começaram a avaliar o que dava para ser aproveitado do parque industrial alemão. O responsável pela fábrica da Volkswagen foi um major inglês de nome Ivan Hirst. Ele supervisionou a limpeza da área destruída, e embaixo de uma bomba não-detonada, encontrou um protótipo de um carrinho bem curioso. Era o único fusca remanescente.
Seus homens removeram a bomba, consertaram o carro e o Major Hirst enviou para o QG, para ser avaliado pelos engenheiros do exército. A resposta foi imediata: Bote a fábrica pra funcionar e produza 20 mil desses.
O KDF-Wagen foi rebatizado de Volkswagen, Hitler foi removido das propagandas e as linhas de montagem começaram a cuspir fusquinhas. E aqui acaba a sua simpatia pelos Aliados. Explico:
O Governo Provisório ofereceu aos países Aliados a Fábrica, o Fusca, os direitos, tudo. Como parte das reparações que a Alemanha se comprometeu a pagar aos vencedores da Guerra. TODAS as montadoras inglesas ou americanas riram da oferta. O CEO da Ford declarou que ela “não valia nada”.
Hoje o Grupo Volkswagen fatura anualmente US$240 bilhões, e é dono entre outras das seguintes marcas:

  • Audi
  • Bentley
  • Bugatti
  • Lamborghini
  • Porsche
  • Skoda
  • Scania
  • Ducati

O Fusca continuou sendo produzido até 2003, não duvido que ele ainda existe pelas ruas por mais 50 ou 60 anos.
Já os alemães que investiram suas economias no KDF-Wagen, esses como sempre se ferraram. A Volkswagen empurrou com a barriga até onde pôde, e só depois de uma longa batalha judicial aceitaram indenizar os donos das cartelinhas do consórcio. Os da Alemanha Ocidental, claro. Os que foram parar na Alemanha Oriental que se ralassem, vai pedir indenização pro Stalin.
A lição aqui é clara, e o conselho é de coração, mesmo que um tanto tardio: Não confie em Hitler, um sujeito que não é capaz de entregar um carro nunca conseguirá fazer a Alemanha grande novamente.


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