Desculpe Buzzfeed mas Aladdin não é árabe nem aqui nem na China

Compartilhe este artigo!

 

Nos Anos 80 havia duas formas de se informar sobre novos filmes: Ter a sorte de ver um dos comerciais, se fosse filme com verba de divulgação gorda, ou lendo as páginas de anúncios, que se resumiam a uma imagem com informações de elenco. Numa dessas minha turma foi ver um filme menor, que apelidamos de Remo: Desarmado e Mentiroso.

O filme era totalmente 1985, exagerado além dos limites do exagero, com interpretações pífias de quase todo o elenco, inclusive Fred Ward (você conhece, só não considera) e Kate Mulgrew. Isso mesmo, a Capitã Janeway de Voyager, 9vinha e desconhecida, tendo seu primeiro e provavelmente único orgasmo na tela (a cena é ótima)

De Remo só se salva Chiun, Mestre na arte do Sinanju, conjunto de ensinamentos marciais coreanos muito superior ao Ninjitsu. Mestre Chiun desviava de balas antes do Neo tornar isso mainstream, era uma figura poderosíssima, sábia, respeitável e interpretado pelo Joel Grey, que é tão coreano quanto meus cotonetes.

A transformação provavelmente consumiu a maior parte do orçamento, mas ficou perfeita. Joel Grey foi indicado a um Globo de Ouro de melhor ator coadjuvante e Remo, um filme ruim desde sua gênese foi indicado ao Oscar de Melhor Maquiagem. Ele perdeu em uma disputa honesta para Marcas do Destino, aquele filme em que a Cher tem um filho muito esquisito, mas não tanto a ponto de se parecer com ela.

Hoje Remo é execrado pela militância, acusam o filme de racista, opressor, segregador, whitewashing e outros nomes feios. Na lógica de quem critica um ator ocidental JAMAIS poderia interpretar um personagem oriental. A acusação inclusive é de “yellowface”, o que é ridículo. O tal Blackface envolvia caricaturar e ridicularizar pessoas negras apenas por serem negras, Chiun é o único fiapo de dignidade do filme.

Interessante notar também que a militância não reclama quando todos os americanos em filmes japoneses mais baratos eram feitos por japas de peruca loura. Racismo? Xenofobia? Não, custos de produção.

Em 2015 havia 2065 atores orientais nos EUAfonte. Imagine em 1985. Não é exatamente um universo imenso, se você descontar os muito velhos, muito novos e mulheres acaba com um conjunto muito pequeno de talentos. No final sobra o George Takei e ninguém tem grana pra isso. O jeito é pegar o Joel Grey.

Essa obsessão de que um sujeito que ganha para fingir que é outra pessoa de outro país de outra época precisa ter a exata carga genética para representar um papel cria uma limitação horrenda, que vai gerar comentários hilários se um dia a Marvel resolver fazer um filme com um Nick Fury branco.

Também gera expectativas irreais com base em pura ilusão, como a moda entre o movimento de que “egípcios são negros”. Aí temos bobagens como uma tumblerina chilicando pq o Rami Malek, nascido na Califórnia de Pai e Mãe egípcios, é… “branco”.

Agora a moda é reclamar de Aladdin. Decidiram que o desenho é racista, preconceituoso, etc, etc.  Com a produção de uma versão com atores, a turma da reclamação acelerou os motores. A preocupação é que os personagens PRECISAM PARECER ÁRABES. Você sabe, num filme com tapetes mágicos, gênios, papagaios falantes (ok isso nem é tão difícil) e terras fantásticas, Aladdin precisa parecer árabe. E por árabe entenda que ele tem que se encaixar no ideal imaginário do que seria um árabe pra essa gente.

O Rodrigo me mandou essa:

Do Buzzfeed eu não espero nada realmente, eles são uma espécie de usina de reciclagem do esgoto da Vice. O que sobra da reciclagem, eles publicam. Por isso nem é surpreendente eles problematizarem de forma criativa um elenco que nem havia sido escolhido, oferecendo as piores sugestões. É uma forma interessante de gerar revolta e indignação em cima de algo imaginário.

O elenco saiu, e como Jasmine temos a excelente Naomi Scott, atriz e cantora de origem indiana.

A Internet, claro, está chilicando pois embora ela não seja branca (o maior dos pecados) ela não é de origem árabe. “mimimi não estou me sentindo representada” chilicou uma no twitter. Filha, se você precisa de um filme baseado em um desenho pra se sentir representada, você tem problemas.

O ingrato trabalho de suceder Robin Williams como o Gênio coube a Will Smith. Eu preferia o Eddie Murphy mas ele dará conta do recado.

Já Aladdin caberá a Mena Massoud, egípcio que imigrou (não sozinho, imagino) para o Canadá com 3 anos de idade. Ele entre outros papéis fez o Al Qaeda #2 em Nikita.

A militância bateu palmas, mostrando mais uma vez que são basicamente racistas, achando que “árabe é tudo igual”. Egito não tem NADA a ver com Iraque, onde teoricamente ficaria Agrabah, que é basicamente uma versão fantasiosa de Bagdá. Quando colocam brasileiro falando espanhol em filme americano a gente chilica.

Massoud também não parece com Aladdin, mas nem é culpa dele. O personagem da Disney foi baseado em Tom Cruise, aí é covardia.

PLOT TWIST

A graça toda, toda mesmo é que esse chilique envolvendo “representação” correta de outras culturas, “apropriação cultural” e outras bobagens é que quem reclama no máximo tem uma tênue idéia da cultura em questão.

Aladdin ser um egípcio continua profundamente errado, e eu explico. A história, como contada n’As Mil e Uma Noites, começa:

“Na capital de um dos mais ricos e extensos reinos do Catai, cujo nome no momento não me ocorre, viveu um alfaiate, seu nome era Mustafá, ele não tinha nada além de seu ofício. Esse alfaiate era muito pobre, e o lucro que seu trabalho produzia mal era suficiente para ele, sua esposa e o filho com que Deus o abençoou.

O filho de Mustafá se chamava Aladdin”

Você não vai achar o Catai em nenhum mapa do Oriente Médio. Catai é um nome antigo para… China.

Isso mesmo, crianças. Aladdin se passava na China.

O motivo é bem simples: Para nós Bagdá, Agrabah, Meca, Constantinopla, Atenas, Instambul (eu sei) são cidades quase míticas, terras distantes e exóticas, locais de histórias e lendas. Pra quem mora lá, são apenas um lugar. Uma história árabe que se passe em uma terra distante e exótica não vai usar Bagdá, vai usar Niterói.

No texto original Aladdin não é, admito, muito chinês, mas convenhamos: o cidadão árabe mediano no Século XVIII não era exatamente o sinoculturista inveterado. As lacunas são preenchidas com o conhecimento local, por isso personagens bíblicos “falam” em português castiço da melhor qualidade.

Aliás a própria origem da história de Aladdin é suspeita. Não há nenhum manuscrito árabe com a história. Ela foi aparecer na tradução d’As Mil e Uma Noites feita por Antoine Galland para o Francês, em 1709. Ele conheceu Aladdin e a Lâmpada Mágica através de  Youhenna Diab, um sírio  contador de histórias, que foi parar em Paris. Ele gostou e incorporou a história na sua tradução.

Ou seja: Ao exigir que o filme represente corretamente a “arábia”, e que os atores se pareçam com árabes, a militância está apagando a história original, eliminando os elementos chineses e celebrando uma versão que se tornou popular por causa de um francês.

A Disney adaptou a história e a colocou em um contexto árabe? Sim, mas se você chilicar porque o novo filme não é fiel a isso, estará reclamando da adaptação de uma adaptação, o que convenhamos, é ridículo, mesmo para um militante de internet.


Compartilhe este artigo!