Hans Langsdorff, o nazista a quem eu pagaria um chopp

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No final de Setembro de 1939 vários botes salva-vidas chegaram no litoral brasileiro. Eles traziam a tripulação abalada, molhada mas intacta do cargueiro inglês de 5000 toneladas Clemence.

Ele havia sido afundado por um navio alemão, que mais tarde descobriu-se ser o Graf Spee, um dos chamados “Encouraçados de Bolso” de Hitler.

O Tratado de Versalhes, assinado depois da Primeira Guerra Mundial proibia a Alemanha de ter navios com mais de 10 mil toneladas. Seguindo a restrição à risca, o governo alemão (pré-Hitler) ordenou a criação de uma classe de mini-cruzadores, a Deutschland. Eles terminaram com 12630 toneladas, mas entre toneladas métricas, imperiais e outras variações, o que são 2000 toneladas entre amigos?

Os navios acabaram classificados como de 10 mil toneladas, mas sem armamento extra, munição, tripulação, suprimentos, etc. Quando totalmente carregados chegavam a 15 mil toneladas.

O navio que afundou o Clemence foi o Almirante Graf Spee, sob o comando de Hans Langsdorff, e se você acha que foi um massacre, um cargueiro desarmado de 5000 toneladas versus um cruzador pesado de 186 metros, 16 mil toneladas, 6 canhões de 28cm, oito de 15 cm e 8 lançadores de torpedos de 53.3cm, acredite: Não foi.

Quando avistou o Graf Spee o Clemence emitiu um pedido de socorro, mas mesmo assim teve que obedecer as ordens e parar. O Capitão, o Engenheiro-Chefe e um marinheiro feirod foram feitos prisioneiros. Langsdorff mandou a tripulação embarcar nos botes salva-vidas, indicou o rumo de Maceió e só depois que se afastaram afundou o Clemence.

Antes de ir embora o Graf Spee enviou uma mensagem para a Estação Naval em Pernambuco, indicando a posição dos marinheiros inimigos.

Esse foi o primeiro dos nove afundamentos feitos pelo Graf Spee, totalizando 50 mil toneladas enviadas para o fundo do mar.

Sua próxima vítima foi o cargueiro Newton Beech, que foi capturado mas não afundado no dia 5 de Outubro. No dia 7 ele afundou o cargueiro Ashlea, não sem antes transferir para o Newton Beech a tripulação.

Como o Newton era um vapor, muito lento para acompanhar o Graf Spee, ele transferiu os prisioneiros para seu cruzador e afundou o navio inglês.

No dia 10 de Outubro ele encontrou o cargueiro Huntsman, que virou a caça se rendeu quando percebeu, tarde demais que o Graf Spee não era um navio francês.

Langsdorff não tinha como acomodar mais prisioneiros, então só havia uma coisa a fazer com a tripulação do Hunstman. Colocou a bordo vários de seus marinheiros e marcou um encontro com o Altmark, seu navio de suprimentos.

Dois dias depois os três navios se encontravam. O Graf Spee era reabastecido, mais de 150 prisioneiros eram transferidos para o Altmark e o Hunstman então foi afundado.

Hans Langsdorff continuou com sua missão de corsário elegante, encontrando navios mercantes inimigos e dando a eles a chance de se render, cuidando dos prisioneiros e só afundando-os depois que todos estivessem em segurança.

Quando era viável Langsdorff deixava os marinheiros inimigos seguirem para terra em seus botes. Durante uma estada no Oceano Índico ele abordou um cargueiro holandês que, embora neutro, com certeza iria delatar sua posição. Mesmo assim ele foi deixado em paz.

Depois de mais de 50 mil km navegados, o Graf Spee precisava de reparos urgentes, mas mesmo assim Langsdorff resolveu fazer uma última patrulha, pois havia conseguido livros de código com um dos navios atacados, e assim teve conhecimento das rotas mercantes inimigas.

Dirigindo-se de novo ao Atlântico Sul, sua sorte acabou. O hidroavião que ele usava para reconhecimento quebrou de vez, e ele foi descoberto pelas patrulhas inglesas, que o caçavam incessantemente.

Na costa do Uruguay ele encontrou o cruzador HMS Exeter e dois cruzadores menores, o Ajax e o Achilles. Sem condições de fugir, Langsdorff concentrou fogo no Exeter, destruindo as duas torres de canhões dianteiras, a ponto de comando e iniciando vários incêndios. Ele então concentrou fogo nos navios menores, mas falhas de projeto tornaram o Graf Spee vulnerável, e tiros destruíram seu sistema de filtros de combustível.

A cozinha principal e usina de dessalinização também foram atingidas. Com 36 mortos e 60 feridos, Langsdorff preferiu parar com o massacre, e deixou os navios ingleses bem danificados mas flutuando, enquanto o Graff Spee se dirigia para Montevidéu.

A caminho do Uruguay, Langsdorff localizou o SS Shakespeare, cargueiro inglês com o mesmo destino. Ele ordenou que abandonassem o navio, e que esperassem os salva-vidas dos navios de guerra que vinham logo atrás.

O Capitão do Shakespeare aplicou parada total, mas não abandonou o navio. Langsdorff, que havia matado vários inimigos em combate algumas horas antes, sabia que uma linha que nunca cruzaria era a de atirar em um navio desarmado com gente a bordo.

Abandonando o SS Shakespeare, o Graf Spee rumou, capengando para Montevidéu, um porto tecnicamente neutro.

Chegando no Uruguay uma das primeiras providências foi libertar os 65 prisioneiros ingleses, seguros e alimentados no interior do navio. Eles tiveram mais sorte que os 36 marinheiros alemães mortos.

As discussões políticas foram imensas. Teoricamente o Graf Spee não poderia ficar mais de 24h em portos neutros, mas ele precisava de reparos, mas nenhum estaleiro local aceitou fazer o trabalho, mas isso implicaria em condição de Santuário, aumentando o prazo, mas havia conversa de interditarem o navio, o que não seria interessante para Berlin.

O enterro dos marinheiros mortos foi acompanhado pela imprensa, alguns oficiais que não estavam trabalhando nos reparos e pelos ex-prisioneiros de Langsdorff. A máquina de propaganda da mídia disse que os ingleses cuspiram nos caixões, coisa que todos os alemães e ingleses depois interrogados negam veementemente.

O Capitão Dove, um dos prisioneiros capturados honrou os marinheiros alemães com uma coroa de flores, com a inscrição “À Brava Memória dos homens do mar, de seus camaradas da marinha mercante britânica”.

Os marinheiros alemães saudaram os companheiros mortos com a saudação nazista. Langsdorff prestou a tradicional continência da marinha alemã.

Informações que mais tarde se mostraram ser falsas convenceram Langsdorff de que uma frota inglesa estaria a caminho, e que o único jeito seria abrir caminho atirando.

Ele sabia que o Graf Spee não tinha condições de combater. Sua velocidade original de 28 nós estava reduzida a 22, sua munição estava quase no fim e ele jamais conseguiria chegar a um porto aliado.

Não vendo sentido em mortes desnecessárias, Langsdorff mandou sua tripulação descer para terra. Dos 586 marinheiros e 33 oficiais, só permaneceram 40 a bordo.

Eles espalharam a munição remanescente do navio em pontos estratégicos, armaram detonares e timers, e o Graf Spee se preparou para zarpar para o estuário do Rio da Prata.

Rádios, máquinas Enigma, computadores de tiro, livros de código, tudo foi destruído com explosivos fogo ou martelos. Até as culatras dos canhões foram removidas e jogadas no mar. Os ingleses não achariam nada de valor.

Depois que o último marinheiro foi transferido em segurança para um rebocador, o Capitão Langsdorff e cinco oficiais finalizaram a montagem dos explosivos. O Capitão queria que os detonadores ficassem na ponte de comando, de onde ele acionaria as bombas e afundaria com o navio. Os oficiais se rebelaram e o proibiram. Um timer de 20 minutos foi ativado, o capitão abandonou o navio e 250 mil pessoas viram da costa o Graf Spee irromper em chamas.

Isso foi no dia 17 de Dezembro de 1939. No dia 20, em um hotel de Buenos Aires o Capitão Langsdorff escreveu uma carta para sua esposa, uma para seus pais e uma para o embaixador alemão. Tomou uma dose de uisque, estendeu a bandeira de batalha do Graf Spee e com sua Mauser, tirou a própria vida.

Hans Langsdorff tinha 45 anos. Era um oficial de carreira, um lobo do mar, um nazista fervoroso e discípulo de Hitler. Também era um guerreiro honrado, amado como um pai por seus marinheiros, respeitado e admirado por seus inimigos. Não por seus feitos em batalha, mas por demonstrar compaixão.

Langsdorff conseguiu afundar 9 navios sem que nenhum marinheiro inimigo fosse morto. Quando teve a chance de dizimar os navios de combate menores, deixou-os fugir ao invés de persegui-los.

A cidade de Ajax no Canadá foi batizada em homenagem a um desses navios. Os nomes de suas ruas fazem referência aos oficiais e marinheiros envolvidos na batalha.

Uma delas é a Langsdorff Road.

O Graff Spee sempre foi popular entre mergulhadores, muitas peças estão expostas em Montevidéu, um passeio que aliás recomendo muito. É baratíssimo.

Entre as várias peças resgatadas do Graf Spee está um emblema de bronze, uma Águia do Reich, com 450Kg, trazida à tona em 2006 por uma equipe comandada pelo mergulhador Héctor Bado.

Ela tem sido uma dor de cabeça. uma longa disputa judicial concluiu que como toda peça de navios afundados ela pertence ao governo uruguaio, mas o descobridor tem direito a 50%.

Só que gente de fora não está gostando. O Governo Alemão diz que ela não deve ser nem exibida. Entidades judaicas acham que ela pode atrair nazistas.

A proposta atual, do deputado Jorge Gandini é que ela seja vendida e que o dinheiro seja dividido entre o descobridor e o governo. Já teve quem oferecesse US$52 milhões pela águia, e para o Uruguay isso é dinheiro a rodo.

Para aplacar as preocupações o deputado diz que o comprador seria devidamente avaliado, e a águia não seria vendida a grupos neonazistas.

Hans Langsdorff não é um dos mocinhos. Em última análise ele defendia o regime que nos deu a Blitzkrieg, o Holocausto e o Fusca, mas mesmo diante desses crimes imperdoáveis, ele tinha honra. Respeitava seus inimigos, mesmo depois de derrotados. Langsdorff era um marinheiro e um guerreiro, que lutava devido às circunstâncias mas nunca odiou seus inimigos. Ele teria umas boas lições a dar aos idiotas de hoje em dia que se dizem nazistas.

Também há uma boa lição aqui para todo mundo que adora viver num delírio maniqueísta dividindo pessoas entre boas e más, sem nuances, sem perdão, sem redenção. A vida é muito mais que um textão de Facebook, pessoas são muito mais complexas do que istas e ismos.

Portanto, se um nazista juramentado de carteirinha consegue agir com honra e decência, talvez seja hora de pegar mais leve com o amiguinho, só porque ele não defende o seu político de estimação.


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