Corrigindo injustiças: Goebbels era muito melhor do que se pensa

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Hoje os ânimos acordaram exaltados, depois que um inexplicável e inexcusável vídeo foi postado por Roberto Alvim, Ex-Secretário Especial de Cultura do Governo Bolsonaro.

Apresentando a nova proposta de política nacional de cultura, era pra ser algo irrelevante. Convenhamos, Secretaria de Cultura no Governo Bolsonaro é mais ou menos como trabalhar na Disney como Chief Tape Rewinder, Divisão Betamax. O Ornitomito extinguiu o Ministério e só depois de muita pressão criou uma Secretaria de Cultura vinculada ao Ministério… do Turismo.

Indiferente à sua irrelevância, Roberto Alvim apresentou um projeto nacionalista se propondo a criar uma nova cultura brasileira, conservadora, religiosa, defensora de valores morais, bla bla bla. Aí, ele se enrolou, soltando uma frase de efeito:

“A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional, será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional, e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes do nosso povo – ou então não será nada”

O problema é que essa frase se assemelha muito, muito mesmo a um trecho de um dos discursos de Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda de Hitler:

“A arte alemã da próxima década será heroica, será ferreamente romântica, será objetiva e livre de sentimentalismo, será nacional com grande páthos e igualmente imperativa e vinculante, ou então não será nada”

Alvinho primeiro disse que era uma coincidência, depois falou que a culpa foi dos assessores que buscaram por citações de nacionalismo no Google, bla bla bla. O problema é que não é só a frase kibada. O vídeo usa como trilha sonora a ópera “Lohengrin”, de Richard Wagner, a preferida de Hitler, como citada no Mein Kampf. O vídeo todo tem um clima meio 1984, é opressivo, parece o começo de uma distopia, varia entre Chernobyl e O Homem do Castelo Alto.

Em uma entrevista pro Estadão, Alvinho chuta o pau da barraca e diz que ele mesmo escolheu a música, concorda com a frase, etc.

Na Internet surgiram comentários comparando Alvinho a Joseph Goebbels, o que é extremamente injusto para Goebbels, e eis que a jornalista multitarefa e multitalento Barbara Gancia solta o twit abaixo:

Eu entendo a necessidade de diminuir o inimigo, é a norma, Churchill era alvo de caricaturas na Alemanha, Hitler era zoado em desenhos animados nos Estados Unidos, e até hoje prevalece a versão que ele era burro, por ter invadido a Rússia no inverno.

Isso é uma injustiça, e sou obrigado a defender a honra de Hitler: A Operação Barbarossa, a invasão da União Soviética começou dia 22 de Junho de 1941, auge do verão no Hemisfério Norte.

O problema todo é que embora não fosse burro, Hitler era próximo a outro equino: Ele era uma mula de teimoso, não aceitou que a resistência soviética era bem maior do que esperado, não quis recuar e acabou com suas tropas encalhadas no meio do Inverno.

Joseph Goebbels é tratado como um degenerado, manco, fanático, quando ele na verdade era tudo menos isso. (ok, manco ele era) Goebbels era o mais próximo que chegamos de um vilão de quadrinhos. A Barbara acha que ele se virava com caneta tinteiro e telégrafo, o que é completamente errado. Goebbels podia ser conservador nos costumes e idéias, mas entendia o valor da propaganda e abraçava a mais avançada tecnologia disponível.

Goebbels sabia que os métodos de propaganda da época não eram eficientes. Noticiários no cinema não tinham agilidade e atingiam pouca parte do público, e jornais dependiam do sujeito comprar e ler. Isso não funcionava pois ele queria atingir o cidadão alemão no momento em que estivesse mais vulnerável: Logo após chegar em casa do trabalho.

O melhor método era uma tecnologia ainda considerada de ponta, que havia tido sua primeira transmissão comercial menos de 15 anos antes, nos Estados Unidos, e ainda era um produto caro: O Rádio.

O Regime teria a possibilidade de falar diretamente com o povo, passar programas de propaganda, (des)informar sobre os avanços, a ameaça judaica, etc. Sò que rádios eram caros.

A solução foi encomendar a engenheiros alemães (sempre uma boa idéia) o desenvolvimento do Volksempfänger, ou “receptor do povo”, um rádio projetado desde o começo para ser extremamente barato e de produção simples.

Bedienungsanleitung: Bedienungsanleitung: Technische Betriebsanleitung für den Volksempfänger VE 301 Dyn

O primeiro modelo custava 76 Marcos, o equivalente a duas semanas de salário de um trabalhador médio. O segundo conseguiram vender por 35 Marcos, e em prestações. O povão, claro, adorou a idéia de um rádio subsidiado pelo governo.

“O quê a mídia impressa foi para o Século XIX, o rádio será para o Século XX” – Joseph Goebbels

Os programas promoviam ideias germânicos de pureza racial, nacionalismo, progresso, etc. Eram transmitidas óperas e músicas aprovadas pelo Partido Nazista, nada daquela música degenerada americana, Jazz.

Controle Total

A programação das rádios era só a ponta do Iceberg, O projeto do Reichskulturkammer, a Câmara de Cultura do Reich era uma versão mais ambiciosa das idéias do Roberto Alvim; toda a produção cultural do país, sob um teto, um controle.

Não era uma simples forma de censura. O Reichskulturkammer era uma entidade na qual todo artista que exercesse trabalho criativo deveria se registrar, para conseguir autorização de trabalho. O artista, claro, precisava provar sua pureza ariana com genealogia até o ano 1800, do contrário, nada de carteirinha:

Isso inviabilizou o trabalho de artistas estrangeiros no país, e os que conseguiam a autorização de trabalho tinham que seguir regras rígidas, promovendo valores arianos, germânicos, patrióticos e evitando artes degeneradas como a Arte Moderna, odiada pelo Reich e o que deixa a dúvida de que talvez os nazistas não tenham sido tão ruins assim.

Sério, fuck you Basquiat e fuck you você que vier falar que isso não é arte moderna. Pra mim é.

Apenas 42000 artistas foram aprovados, e podiam ser expulsos caso se tornassem politicamente não-confiáveis. Se isso acontecesse eles não poderiam mais pintar, escrever ou esculpir, se apresentar em público ou ensinar. Era um cancelamento de fazer inveja ao sonho molhado dos tuiteiros lacradores.

Ah sim, galerias recebiam uma lista de artistas aprovados, a Gestapo fazia visitas-surpresa e não queira saber o que acontecia se achassem uma obra irregular.

A doutrinação cultural não era apenas interna, Goebbels usou a Cultura para promover o conceito de Gleichschaltung, ou “retificação”, quando os países dominados eram “germanificados”, com suas estruturas políticas reconstruídas, políticos principalmente de esquerda eliminados, obras culturais censuradas ou destruídas e estações de rádio encampadas, que passavam a transmitir a propaganda oficial nazista.

Ao final da guerra 80 milhões de alemães ainda acreditavam no que ouviam no rádio, mas o ceticismo era crescente.

Ao contrário dos modelos comerciais, os rádios Volksempfänger só traziam marcadas no dial estações alemães e austríacas, e eles eram projetados pra não pegarem transmissões de fora. Só que de noite a recepção naturalmente melhora, e a BBC de Londres aumentou a potência de seus transmissores durante a Guerra.

Goebbels não gostou e tornou ilegal para qualquer súdito do Reich escutar transmissões de rádio de potências estrangeiras. A punição? Campo de Concentração. Mesmo assim só no primeiro ano da Guerra, 1500 pessoas foram presas.

Programação diária da rádio nazista. Clique para engrandalhecer.

Com o passar do tempo o inimigo começou a entender a importância da propaganda para a Alemanha Nazista, e atacaram na mesma moeda. Os russos bolaram um jeito de interferir na programação da Deutschlandsender, uma rede de estações de rádio com cobertura nacional. Os programas contavam a verdade (ou melhor, as mentiras do outro lado, na Guerra a Verdade é a primeira vítima) para os ouvintes alemães, e um dos programas mais populares (e, claro ilegais) apenas listava os nomes dos prisioneiros de guerra alemães.

Em Nuremberg, Albert Speer, o Arquiteto de Hitler foi perfeito em sua colocação:

“A ditadura de Hitler se diferenciou em um ponto fundamental de todas as que a precederam na História. Ela foi a primeira ditadura no momento presente de desenvolvimento tecnológico, uma ditadura que fez uso completo de todas as técnicas para dominação de seu próprio país. Através de dispositivos tecnológicos como o rádio e o alto-falante, 80 milhões de pessoas foram privadas de pensamento independente. Foi então possível sujeitá-las ao desenho de um único homem.”

O legado de Goebbels, que não pode ser subestimado, é que a tecnologia VAI ser utilizada, então é preciso que você a use primeiro, sem medo de inovar, e focando a mensagem no seu espectador, no seu ouvinte. A Alemanha não se tornou fascista da noite para o dia, as pessoas foram convencidas aos poucos, ouvindo uma voz que falava para elas.

Goebbels era um gênio do mal, arrogante e odiado por todos, mas ele tinha uma qualidade que falta a quase todo militante e político de hoje em dia: Ele com certeza se achava superior ao povo, ao homem comum, mas tinha a humildade, não, a sagacidade de saber falar a língua desse homem comum. E é ele, o homem comum quem muda o mundo. Sem o homem comum atrás de você, você é somente um idiota falando groselha em vídeos do YouTube.

Blbiografia:

  1. Gleichschaltung and Where It Failed – Tobias Schepanek
  2. Modernism at the Microphone: Radio, Propaganda, and Literary Aesthetics – Melissa Dinsman
  3. Goebbels: A Biography – Peter Longerich
  4. Operation Barbarossa – Encyclopædia Britannica – John Graham Royde-Smith



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