É quase um clichê. Em filmes como Caçada ao Outubro Vermelho submarinos se enfrentam, os comandantes disputando quem é mais inteligente e paciente, operadores de sonar atentos ao menor ruído, torpedo na água, velocidade de flanco, acionar chamarizes, DIVE DIVE DIVE!
Em verdade é um cenário para o qual todo submarinista treinou durante a Guerra Fria, e treina até hoje.
Já na Segunda Guerra, as perdas foram astronômicas para as forças de submarinos. Era o serviço mais perigoso de todos. Um em cada cinco submarinos americanos não voltou para casa. Os EUA perderam 52 submarinos, dos 16 mil submarinistas que serviram durante a guerra, 3508 morreram em serviço.
Já a Alemanha perdeu 733 submarinos. E nem vou contar Japão, Inglaterra e Itália.
De todos esses barcos, sabe quantos foram afundados em um cenário como a clássica batalha entre dois submarinos submersos se enfrentando? Exatamente UM.
Agora pra piorar: DESDE a Segunda Guerra, sabe quantos submarinos foram afundados nas mesmas condições? ZERO.
O combate entre submarinos é algo que se treina diariamente no mundo todo mas permanece tão teórico quanto um ataque com mísseis nucleares. A razão disso é simples, pra ter submarinos você precisa ser um país daqueles chiques, com luz elétrica e água encanada, e esses países não têm brigado entre si.
Ah, mas e na Segunda Guerra, você pergunta e eu respondo: Ali o problema era tecnológico.
Submarinos daquela época passavam a maior parte do tempo na superfície. Só submergiam se fosse necessário para um ataque OU para fugir de inimigos, e mesmo no caso dos ataques só em último caso, a maioria dos navios era mais rápida que um submarino submerso.
Debaixo d’água um submarino ficava quase cego. O sonar ativo só apareceu bem tarde na guerra, e tinha o inconveniente de indicar ao inimigo sua posição, e os hidrofones, antepassados dos sonares passivos (ui!) eram mais arte do que ciência.
Os torpedos por sua vez não tinam capacidade de manobra, não podiam detectar um alvo exceto quando estivessem literalmente debaixo dele, aí os mais avançados com sistemas de detonação magnética explodiam. Os outros era por contato direto. E outra: Torpedos eram feitos para flutuar, atingindo navios na linha d’água. Só alguns modelos tinham alguma regulagem de profundidade.
Como mesmo o sonar ativo só funcionava em duas dimensões, dando direção e distância, mas não profundidade, o submarino não tinha como saber aonde atirar.
Isso tudo não impediu o HMS Venturer de fazer História, no dia 9 de Fevereiro de 1945.
A coisa estava preta pra raça superior e a vida do Reich que duraria 1000 anos estava sendo contada em meses. A esperança de Hitler era prolongar a Guerra no Pacífico, forçando os aliados a redirecionarem recursos. Para isso a Alemanha fez de tudo para armar o Japão, e o U-864 era parte do projeto.
Comissionado em 1943, o submarino era um monstro. 1800 toneladas de deslocamento, 87,6 metros de comprimento e respeitáveis 20 nós de velocidade na superfície. Ele era dotado de porões de carga especialmente grandes, e com autonomia de 23600Km, poderia chegar a qualquer lugar do mundo. Onde houvesse mar, claro.
Sua missão era levar para Japão peças e desenhos do motor a jato do caça Me-262, junto com dois engenheiros da Messerschmitt, que implantariam uma produção de emergência e quem sabe dotariam o Japão de caças a jato.
Também levavam 61 toneladas de Mercúrio, essencial para a produção de espoletas e munições, dois técnicos japoneses especializados em munição e combustíveis, e exemplos do sistema de navegação dos mísseis V2. Hitler estava entregando de bandeja seus maiores segredos, só não contava que os aliados já conheciam seu maior segredo. graças ao trabalho de Alan Turing em Bletchley Park, as mensagens da máquina de criptografia Enigma eram prontamente decodificadas, e a viagem do U-864 foi descoberta, e uma armadilha preparada.
O U-864 deixou Kiel, na Alemanha, seguindo para o Norte. iria contornar os países nórdicos, o norte da Rússia, descer pelo estreito de Bering e então chegar ao Japão. Uma volta e tanto.
A viagem atrasou algumas vezes, o U-864 encalhou na partida, foi para um estaleiro ser consertado e acabou bombardeado, e a sorte só piorou dali em diante.
Não sabiam, por exemplo, que os ingleses haviam posicionado o submarino HSM Venturer no Mar do Norte, na costa da Noruega. Esperavam o alemão pacientemente. Por ordem do comandante não usaram o ASDIC, o antepassado do sonar. Não queriam correr risco de ser captados. Foi uma decisão quase fatal, o U-864 passou ao largo, e a armadilha não teria dado certo, se não fosse o extremo azar de um barco fadado a não terminar sua viagem.
Um dos motores do U-864 estava com defeito, começou a fazer muito barulho, algo facilmente identificável por um sonar inimigo. O comandante decidiu voltar para a Noruega, e efetuar reparos. Foi um erro esse sim fatal.
O operador de hidrofones do Venturer captou de longe os sons do submarino vindo em sua direção. Era a armadilha que o Capitão Jimmy Launders queria.
Com míseros 25 anos de idade, esse moleque cheirando a fraldas já era um veterano, que ganhou seu primeiro comando em 1943, já o Venturer. Launders inspirava confiança e lealdade, os homens o adoravam e “iriam até o fim do mundo com ele”. Fora carisma, também tinha talento. Era considerado um gênio da matemática, fazia quase de cabeça todos os cálculos de rota trajetória e ângulos para lançamento de torpedos, em uma época onde simplesmente não havia computadores para isso. Ou melhor, começavam a aparecer, uns trambolhos mecânicos lentos e não-confiáveis.
Usando apenas hidrofones, Launders guiou o Venturer até a região de onde estava vindo o estranho som de motor. Observando pelo periscópio, eles identificaram o periscópio do U-864. Bingo! Só que ambos estavam submersos, Launders tinha autonomia limitada. Sem saber que o alemão tinha snorkels, um mastro que fica acima da água e alimenta com ar o submarino submerso, o tempo foi passando e nada do inimigo emergir.
Sem opções, Launders pensou na situação. Ele estava em um submarino menor, com somente oito torpedos a bordo, com quatro lançadores na proa. O alemão tinha 16 torpedos, com quatro lançadores adiante e dois na traseira. Se atacasse, Launders poderia estar na linha direta de tiro de dois torpedos.
Se não atacasse, falharia em sua missão, mas havia um problema. Ninguém nunca havia atacado um submarino submerso antes, não de outro submarino submerso. Ele teria que levar em conta manobras em três dimensões, adivinhar as ações do comandante inimigo e programar a limitada manobrabilidade vertical de seus torpedos para tentar atingir o inimigo onde ele iria estar em um futuro incerto.
O consenso era que isso era impossível, por isso nem era treinado ou ensinado nas escolas navais.
Launders computou todos esses fatores, conferindo com seus oficiais de armas, levando em conta também o U-864 estar fazendo manobras em zig-zag. Observando o periscópio E o snorkel do barco nazista, Launders conseguiu estimar a razão de curva do inimigo. Era uma questão de sincronizar tudo.
O Venturer lançou seus quatro torpedos com intervalos de 17.5s. O inimigo detectou o lançamento, mas como esperado ele era grande e lento para manobrar, e não podia mergulhar enquanto não recolhesse o snorkel, desligasse os motores Diesel, reciclasse o ar interno e transferisse a propulsão pros motores elétricos.
Cada um dos torpedos passou mais e mais perto, errando por pouco, até que no limite da margem de erro dos cálculos de Launders, o quarto torpedo se encontrou aonde o U-864 deveria estar, e estava. A explosão foi brutal, a carga de 365Kg de alto explosivo esmagou o casco do submarino, sem chance ou misericórdia ele se partiu em dois, indo repousar a 150m de profundidade. Os destroços só foram reencontrados em 2003 por uma expedição da Marinha Norueguesa. Um túmulo apropriado para o Capitão de Corveta Ralf-Reimar Wolfram e seus 73 homens.
Já o Comandante Jimmy Launders morreu de causas naturais aos 69 anos em 1988, depois de uma vida a serviço da Marinha, onde foi instrutor de várias gerações que tiveram a sorte e a honra de aprender com uma lenda viva.