O pessoal do departamento de PsyOps do Exército dos EUA não entendia nada. Apesar de todas as promessas (verdadeiras) de que soldados inimigos seriam tratados com respeito, praticamente nenhum japonês se rendia. Os aviões despejavam toneladas de panfletos com instruções, mas no máximo viravam papel higiênico. E era algo que deveria funcionar, historicamente panfletos de propaganda de guerra são eficientes, e não eram novidade.
Na Guerra Civil dos EUA já houve experiência de lançar panfletos para os soldados inimigos, em 4 de Julho de 1863 o panfleto abaixo foi impresso pela União, tentando convencer os soldados Confederados de que estavam cercados e não receberiam reforços.
Os panfletos foram distribuídos com tiros de canhão e, segundo alguns suspeitam, com balões.
A prática de usar canhões se tornou a norma, mas o alcance era limitado. Com a aviação na Primeira Guerra panfletos passaram a ser distribuídos assim, para desgosto dos pilotos. Eles não viam sentido em se arriscar em missões que aparentemente não tinham nenhuma utilidade. Bomba faz sentido, mas jogar papel no inimigo?
Para piorar os alemães não consideravam pilotos que lançavam propaganda protegidos pelas Leis normais de guerra, e os capturados eram julgados por uma corte marcial. Sim, os alemães também lançavam panfletos de propaganda para os ingleses e franceses, mas preferiam balões.
A rejeição ao emprego de aviões em propaganda chegava ao nível dos generais, mas mesmo com boa parte do Alto-Comando contra, mesmo com os pilotos lançando os panfletos em qualquer lugar para voltar logo para casa, Quando a Grande Guerra acabou e os resultados foram contabilizados, a propaganda se mostrou extremamente importante e eficiente.
Com o Alto Comando aprovando a idéia da Guerra Psicológica, coube ao resto da tropa engolir o orgulho e cumprir as ordens, e para isso os panfletos lançados por canhão já não eram suficientes.
Entra em cena o Capitão James Monroe, que inventa a chamada Bomba Monroe, um artefato com uma pequena carga explosiva, recheado de panfletos e que é acionado por um timer, assim os bombardeiros podem lançar de altitudes seguras.
Na Segunda Guerra havia dois alvos principais para a propaganda de panfletos? Os combatentes na linha de frente e os civis. Em 1939 a RAF lançou panfletos sobre a Alemanha, 6 milhões deles explicando ao povo alemão que Hitler os estava enganando, que ele havia começado a guerra e que a Inglaterra não era inimiga das pessoas, apenas do regime.
A Alemanha também lançava panfletos para as tropas inimigas, com direito a adequar a mensagem para cada audiência específica. Entendeu, Spotify? HITLER era melhor nisso do que vocês e não fazia ninguém ouvir Tiaguinho. No caso das mensagens para os soldados indianos servindo o Império Britânico, o panfleto tinha até dancinha:
No caso dos panfletos lançados sobre soldados americanos, a Alemanha preferiu um estilo bem mais, digamos assim, carnal. Havia uma série, “A garota que você deixou para trás”, sobre como a namoradinha do jovem recruta não ia esperar por ele, e acabaria virando amante de algum sujeito rico, mais velho e que provavelmente ganhava dinheiro com a guerra. Era quase como se Nelson Rodrigues escrevesse panfletos de propaganda de guerra.
O quê, aliás, não seria impossível. O Brasil, na campanha da Itália também lançou panfletos para as tropas alemãs:
Os alemães retribuíram com panfletos para nossos pracinhas:
Após a Segunda Guerra Mundial a propaganda por panfletos jogados de aviões continuou sendo usada por todos os lados em todos os conflitos, praticamente. De grupos rebeldes na América Central aos EUA, tentando convencer chineses a desertar com seus MIGs. Governos tentam proibir que as pessoas leiam os panfletos, muitas vezes com ameaças reais de execução sumária, mas a curiosidade humana é maior. Eles só não são tão eficientes em regiões como o Afeganistão, onde o analfabetismo é muito alto, e não dá pra passar complexas mensagens políticas apenas com desenhos, para tristeza do Latuff.
Na Coréia do Sul por exemplo, há todo um movimento “subversivo” que o governo jura não ter envolvimento, onde balões com pendrives são lançados através da Zona Desmilitarizada, eles levam notícias, fotos, mensagens para parentes de gente que fugiu da Melhor Coréia, filmes, musicais e outras amostras da vida fora dos muros do Grande Líder.
Israel costuma lançar panfletos avisando de ataques, quando o Hamas lança um míssil de um prédio ou armazena munições ali, o prédio é marcado, e os moradores recebem avisos por SMS e panfletos, dizendo dia e hora em que ele será bombardeado. É comum o Hamas impedir os moradores de sair de casa nesse dia.
O mais importante da propaganda com panfletos é que você precisa conhecer seu público. Os soldados japoneses lá do começo não respondiam bem aos panfletos americanos por um motivo bem específico:
O material americano que prometia salvo-conduto e tratamento humano pedia e declarava a RENDIÇÃO do soldado, algo que para os japoneses era culturalmente inaceitável. se render era uma vergonha para o soldado, sua família e seus antepassados. Um samurai não conhecia a rendição.
Depois de muitas reuniões com especialistas em PsyOps (Operações Psicológicas) de várias forças, os australianos mostram o erro e ensinaram com atingir os japoneses de forma efetiva. Ao invés de “Eu me rendo”, os panfletos agora diziam… “Eu cesso minha resistência”.
Aqui entra o outro grande ponto da propaganda de guerra. Ela só funciona se você está perdendo, se sua moral está baixa. Marinheiros americanos adoravam ouvir a Rosa de Tóquio, com sua excelente seleção musical e notícias desastrosas que eles sabiam ser mentira. A propaganda reforça desejo, reforça intenção, mas não cria nada, é um conceito básico que muita gente não compreende.
Por isso a idéia do Bolsonaro, de lançar panfletos na Rocinha exigindo a rendição dos traficantes poderia dar certo. Infelizmente, como já foi dito só funciona se o outro lado se sentir na defensiva, e dada a atual situação da violência no Rio de Janeiro, os traficantes apenas rirão dos panfletos. Ou pior, encomendarão em alguma lan house panfletos exigindo a rendição da PM, e aí eu prefiro não imaginar o que pode acontecer.