Quando os soviéticos adotaram o American Way of Live em prol do Comunismo

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Uma das coisas mais legais nos livros do Tom Clancy é que ele nunca menosprezava os inimigos, mesmo que seus personagens saíssem vencedores, não era por burrice alheia. Em meio a tanta gente zoando russos, ele foi um dos que afirmou categoricamente que a KGB era a melhor no mundo no que fazia. E é verdade.

Não que a CIA não tenha seus momentos, a operação Jennifer, onde um dos maiores navios do mundo foi construído para recuperar um submarino nuclear soviético é um desses casos, o Oxcart, a versão da CIA do SR-71 é outro bom exemplo, e não dá pra esquecer o sensacional caso onde com ajuda da Xerox e da Kodak instalaram uma câmera nas copiadoras da Embaixada Soviética em Washington, mas os esforços russos, se mais low-tech, eram igualmente grandes e muito mais eficientes.

Um desses projetos passaria despercebido por quase todo mundo.

A KGB tinha como um de seus objetivos principais infiltrar agentes “adormecidos” na sociedade americana, gente que não levantaria nenhuma suspeita, mas que coletariam informações, praticariam atos de sabotagem e gerenciariam redes de espionagem recrutando agentes locais. Para isso era preciso que os agentes aprendessem todos os detalhes do dia a dia de um americano.

Dito assim parece complicado, mas era bem pior. Coisas simples do dia-a-dia, como usar uma lavanderia automática ou comprar uma pizza precisavam ser aprendidas, e a melhor forma pra fazer isso era a mesma desculpa que aquela sua prima vagaba usou pra bater bunda em Miami: Imersão. 

Claro que não dava pra mandar agentes em treinamento para passear nos EUA, então os russos trouxeram os EUA para a Rússia, ou mais precisamente para a Ucrânia. Mais precisamente em Vinnytsia, uma cidade a 360Km de Kiev, onde a KGB construiu uma mini-cidade americana.

Parecia algo saído de um episódio de Além da Imaginação. A população era formada principalmente por agentes em treinamento, que moravam em casas americanas, dirigiam Buicks e Chevrolets, bebiam Coca-Cola em cafés americanos e cozinhavam receitas americanas com ingredientes comprados em lojas americanas. Não AS Lojas Americanas, claro. 

Outra parte da população da cidade era formada por agentes infiltrados aposentados, que tinham morado muitos anos nos EUA. Eles observavam e avaliavam os estudantes o tempo todo, em atividades triviais como comprar um jornal ou conversar amenidades com o guarda de trânsito.

Uma grande parte da cidade era uma universidade, onde as aulas aconteciam. Lá os agentes em treinamento aprimoravam seus conhecimentos linguísticos, para treinar sotaques e regionalismos, aprendiam coisas como utilizar parquímetros e as estruturas de poder nas comunidades americanas. 

Também aprendiam criptografia, noções de segurança, como esconder e microfilmar documentos, etc. Só não aprendiam a saltar de helicópteros, atirar com diversos tipos de arma de fogo, combate manual e outras técnicas inventadas por Hollywood e que tornaram a vida dos agentes secretos bem mais complicadas. 

Na prática ninguém quer ser preso e não vai ser bancando o James Bond que um agente conseguirá passar despercebido, mas Hollywood se infiltrou tanto na mente de todo mundo que quando uma força policial ia deter um agente inimigo, o tratavam como altamente perigoso, o que é péssimo se você é um russo encurralado e desarmado que não quer levar tiro.

Alguns relatos dizem que Vinnytsia chegou a ter 30 mil habitantes, mas soa exagerado, é mais provável que tenha sido um subúrbio, já que a média de alunos novos era entre 1000 e 1300 por ano, com o “curso” durando tempo variável, o agente só saía quando estivesse absolutamente pronto, alguns levavam dez anos treinando.

Teoricamente Vinnytsia era um extremo segredo, com cercas de arame farpado e guardas armados, mas ao contrário do mundo das teorias conspiratórias, no mundo real é difícil guardar segredo com milhares de pessoas envolvidas, e os boatos chegaram a todos os ouvidos.

Talvez um dos motivos que transformou Vinnytsia em curiosidade era sua demografia digna de filme de terror. Não havia velhos nem crianças, toda a população era de jovens estudantes ou adultos na caixa de 35/40, os instrutores.

O plano teria dado certo se não fossem esses garotos intrometido e esse cachorro idiota os suecos. Em Abril de 1959 no jornal militar Contact with the Army, o Major Per Lindgren publicou uma reportagem detalhando a cidade de espiões, compilando informações de diversas fontes e revelando até detalhes como a igreja da cidade, que nunca abria as portas, afinal mesmo comunistas têm limites em recriar hábitos dos decadentes ocidentais.

Em poucos dias a notícia correu o mundo, foi publicada em um monte de jornais nos EUA e virou até questionamento no Congresso. O Governo russo negou ter conhecimento, o que é normal de governos, mas as agências de espionagem ocidentais só viram suas suspeitas confirmadas.

Em verdade a Rússia ainda tentou manter a cidade em segredo, mas a casa caiu mesmo em 1960, quando dois americanos, Mark Kaminsky e Harvey Bennett desapareceram durante uma viagem à União Soviética.

Eles estavam visitando parentes e conhecendo o país e a cultura, ambos eram fluentes em russo e Kaminsky planejada dar aulas do idioma. O último contato com as famílias foi quando chegaram a Vinnytsia, daí eles sumiram nas entranhas do governo russo, e só reapareceram quando foram acusados de espionagem.

As explicações não foram muito convincentes, mesmo pros padrões de um tribunal russo. Eles disseram que não estavam espionando, mas fotografando e colhendo dados para um livro. 

Eles entraram na Rússia em 27 de Julho de 1960, tentando fotografar uma base de submarinos. Em 19 de Agosto a esposa de Bennett recebeu a última carta do marido. Em 16 de Setembro Kaminsky, que acabou sendo acusado de espionagem foi condenado a sete anos de cadeia, mas uma série de manobras diplomáticas conseguiram reverter a sentença e ambos foram expulsos da Rússia em 14 de Outubro de 1960.

Kaminsky e Bennett retornando aos EUA

Há relatos não-confirmados de outras cidades americanas falsas espalhadas pela Rússia, mas nenhuma tão famosa quanto Vinnytsia, e essa fama provavelmente foi o motivo de sua derrota. Visada demais, ela foi abandonada pelos russos. Aliás, mais que abandonada, obliterada do mapa. Ao ponto de hoje os habitantes da moderna Vinnytsia sequer se lembrarem da cidade dos espiões, eles mesmos acreditando que tudo não se passou de uma lenda urbana.

Agora a cereja do bolo: A CIA produziu um mini-documentário sobre a cidade, de onde as imagens deste post foram tiradas.

Só tem um pequeno problema: Embora as informações sejam todas verdadeiras, retiradas da matéria original do Major sueco, as imagens foram todas filmadas em Albuquerque, lá onde o Pernalonga fazia a curva errada. NENHUM agente soviético mesmo em treinamento se deixaria filmar de forma tão tranquila quanto as pessoas mostradas no vídeo, e a CIA JAMAIS tornaria pública a imagem de tantos agentes inimigos, podendo acompanhar cada um deles silenciosamente. 

Sem contar o risco de algum maluco ver uma dessas pessoas na rua e passar fogo, achando que era um agente comunista. 

Fontes:



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