O dia em que o Brasil quase entrou em guerra por causa de um canguru voador

O dia em que o Brasil quase entrou em guerra por causa de um canguru voador

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A gente tem a mania de repetir o bordão da Kate Lyra, “Brasileiro é tão bonzinho”, nos vendemos como povo pacífico e cordial, mas quando pisam no nosso calo somos um país igual aos outros, como os cheese-eating surrender monkeys descobriram em 1961, quando Brasil e França estiveram muito, muito próximos de uma guerra aberta.

Claro, escolher a França como inimigo é sempre uma boa opção, mas o ideal é não brigar, ainda mais por um motivo besta. Se bem que motivos bestas são a razão da maioria das guerras, Tróia foi invadida por causa de um rabo de saia, EUA e Coréia do Norte já se enfrentaram num arranca-rabo que resultou em várias mortes e o motivo foi uma árvore. El Salvador e Honduras entraram em guerra por causa de um jogo de futebol. EUA e Inglaterra quase guerrearam por causa de um porco.

Brasile França chegaram próximos das vias de fato por causa de… lagostas.

Por muito tempo ninguém dava bola pra lagostas, nos Estados Unidos elas eram usadas pra comida de cachorro ou de pobres, e se sobrasse, de cachorros pobres, mas a moda mudou, as pessoas começaram a gostar e a pesca se mostrou algo bem lucrativo. O Brasil como sempre demorou a perceber a oportunidade, mas nos Anos 60 já tínhamos uma indústria crescente, e quando começaram a falar que tinha lagosta por aqui isso encheu o olho de muita gente, inclusive os franceses.

Logo começaram a aparecer barcos pescando nas nossas costas, e o Governo de Brasília não gostou, botamos os caras pra correr, mas a França logo pediu permissão para mandar barcos “de pesquisa”. Nós topamos, e, claro, os caras enchiam os porões com lagostas.

A Marinha passou a patrulhar a costa do Nordeste, e em janeiro de 1962 a corveta Ipiranga apreendeu o pesqueiro Cassiopée, a uns 20Km da costa brasileira. A Ipiranga infelizmente naufragou em Fernando de Noronha, em 1983.

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Com o Cassiopée apreendido, outros barcos espantados, criou-se uma saia-justa diplomática, com os franceses dizendo que tinham direito de pescar em alto-mar, e os brasileiros dizendo que não era pesca.

Apesar do que a gente aprende na escola as águas territoriais de um país, onde ele tem total soberania só vão até 12 milhas da costa, ou 22,2Km. Aquela groselha de 200 milhas é a Zona Econômica Exclusiva, sobre a qual o país tem controle sobre os recursos do leito marinho, mas não sobre as águas em si. Ou seja, você não pode impedir um navio de outro país de pescar por ali.

Essa foi a discussão. O Brasil alegou que as lagostas não eram peixes, que elas eram animais que andavam no fundo do mar, e portanto faziam parte dos recursos da plataforma continental, portanto não poderiam ser capturadas pelos franceses.

Eles por sua vez alegaram que as lagostas se movimentam saltando e percorrendo pequenos distâncias nadando, e que por isso deveriam ser classificadas como peixes. Não consta que ninguém tenha perguntado às lagostas em qual gênero elas se encaixavam, mas éramos muito transfóbicos nos Anos 60.

A melhor resposta veio do oficial e oceanógrafo da Marinha comandante Paulo de Castro Moreira da Silva:

“Se a lagosta é peixe porque se desloca dando saltos então o canguru é uma ave.”

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Ém 1963 os franceses mandaram representantes para negociar licenças de pesca, mas com sua habitual arrogância avisaram que dois barcos já estavam a caminho. O Brasil não gostou, em resposta disseram que mais barcos já foram autorizados por Paris a seguir para o Brasil.

Pra piorar depois disso tudo o banana do João Goulart libertou os navios franceses apreendidos, e deu permissão para eles pescarem, mas a opinião pública foi tão negativamente contra que a permissão foi retirada. Em Paris DeGaulle ficou puto, afinal até os alemães mantinham a palavra.

Ele mandou um destróier Classe T53, o Tartu para proteger os navios pesqueiros franceses.

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O Brasil por sua vez mobilizou uma força-tarefa com um cruzador e quatro destróiers, foi o que deu pra conseguir em tão pouco tempo. O porta-aviões, o Minas Gerais ainda estava em fase de incorporação, e não estava pronto pra combate.

Uma segunda frota começou a ser preparada, mas a situação do Brasil era periclitante. A Marinha estava caindo aos pedaços, vários dos navios não tinham nem a chamada “dotação de paz” de munição, que é o armamento levado no dia-a-dia, sem ser em tempo de guerra.

Não havia dinheiro nem tempo hábil pra comprar mais munição, e nos que conseguiram uma dotação de paz completa, isso significava munição para 30 minutos de combate.

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Completando a desgraça, o adido naval dos Estados Unidos pediu uma reunião de emergência com o Estado-Maior das Forças Armadas brasileiras. Ele veio solicitar que os navios voltassem, pois o cruzador e os quatro destroyers eram arrendados, os EUA tinham alugado os navios pra gente, e nas cláusulas especificava que eles não poderiam ser usados contra países aliados dos EUA.

Em uma raríssima, quase inédita reação de macheza, os militares brasileiros lembraram aos EUA que quando eles pediram, nós declaramos guerra ao Japão, e lutamos lado a lado deles na Segunda Guerra, e de qualquer jeito o Tratado Interamericano de Defesa dizia que em caso de guerra os EUA deveriam nos ajudar.

Ficando o dito pelo não-dito, os navios seguiram adiante, mas os franceses tinham um ás na manga.

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Na costa da África o porta-aviões Clemenceau e uma força-tarefa completa aguardavam para auxilia o Tartu, se fosse necessário, o que seria fatal para a frota brasileira.

Alguns navios não tinham munição para os canhões principais, o único submarino enviado, o Riachuelo, passou por reparos de emergência e foi enviado somente com torpedos de treino, quando chegou no nordeste técnicos de Arsenal de Marinha fizeram uma gambiarra instalando explosivo nas ogivas de treino, sem nenhuma garantia de que funcionaria.

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A FAB fazia menos feio, identificaram a posição do Tartu e desde então ele era constantemente vigiado por aviões de patrulha e ataque, inclusive bombardeiros B-17. Os franceses faziam exercícios de tiro para tentar espantar os aviões, mas não adiantava.

Logo eles passaram a ser acompanhados por navios brasileiros, o Tartu e seis barcos de pesca. Os navios brasileiros começavam a quebrar, reparos de emergência eram feitos, mas o blefe foi mantido.

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Depois do que pareceu uma eternidade, mas no total foi menos de um mês, os barcos franceses deram a volta e foram embora. Aparentemente a França havia se rendido!

Soube-se depois que os pescadores desistiram pois barco parado não faz dinheiro, e não podiam pescar com os brasileiros em volta. Negociações após o fim do conflito deram a 26 barcos franceses autorização para pescar na costa brasileira, por até cinco anos e parte do lucro seria dividido com pescadores brasileiros.

Entre mortos e feridos salvaram-se todos, o Brasil foi campeão moral e a França ganhou tudo que queria mesmo se rendendo.


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Há que se admirar as tropas brasileiras, é muito pouca gente no mundo que pode se gabar de mesmo com armamento obsoleto, um mínimo de munição, treinamento deficiente e equipamentos quebrados, ter peitado uma potência nuclear e sobrevivido pra contar a história.

Só não foi final feliz pras lagostas.

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