Vamos brincar d ejogo dos sete erros, ache as diferenças entre os mísseis acima. Eu espero. Não conseguiu? Nem poderia, eles são quase absolutamente idênticos, mas suas origens são bem distintas. O de cima é um míssil AA-2 ATOLL soviético. O de baixo é um AIM-B Sidewinder americano, e é um dos casos de kibagem mais descarados desde que os russos conseguiram colocar as mãos em um B-29 e copiaram até a marca BOEING estampada nos pedais quando fizeram o Tu-4.
O Sidewinder começou a ser projetado em 1945, o que é admirável, dada a tecnologia da época que era basicamente barro fofo e pedra lascada. Ele conseguia detectar e travar em um alvo detectando sua assinatura de calor, uma premissa simples que rendeu um míssil que já tem mais de 100 mil unidades produzidas e vem sendo atualizado desde então. Como mecanismo de defesa em combate de curta distância, é imbatível.
Não foi fácil, claro, partir do tal barro fofo e chegar no míssil. O primeiro Sidewinder só voou em 1952, atingiu o primeiro alvo em 1953 e só foi colocado em produção em 1955.
Já o ATOLL russo levou apenas 3 anos para ficar pronto. Extremo exemplo da excelência dos engenheiros soviéticos, certo companheiro?
Não exatamente, foi mais um caso de sorte soviética.
Em 1958 o bicho estava pegando em Taiwan, a China atacou uma ilha sob controle de Taiwan, que pediu ajuda aos EUA, que mandaram um porta-aviões, afinal era 1958 e a China só teria armas nucleares em 1964. Dava pra fazer esse tipo de graça.
O que não era engraçado era o desempenho dos F86F de Taiwan. Um bom caça, o F86 não era páreo para os MiGs 15 e 17 russos que os chineses voavam, e como ainda era uma guerra só com canhões e metralhadoras, os Chineses do Mal apenas voavam mais alto, além do alcance dos Chineses do Bem. Surgiu então a solução desesperada, a Operação Magia Negra.
Mandaram pra Taiwan 40 mísseis Sidewinder AIM9-B, 40 trilhos de lançamento, instalaram nos caças e deram um curso rápido de como armar os mísseis, como e quando usar, etc. Em 24 de Setembro de 1958 48 caças de Taiwan enfrentaram um grupo de 126 MiGs chineses.
Foi um pega-pra-capar, mas vários dos caças de Taiwan estavam equipados com Sidewinders. Quando os MiGs tentaram a manobra de subir pra fora do alcance, os mísseis foram disparados, alguns da distância máxima de 3Km. (Hoje o Sidewinder consegue atingir alvos a mais de 35km)
Nove caças foram derrubados, outros danificados, a primeira vitória aérea com mísseis da História foi registrada mas UM piloto acabou sendo o mais sortudo de todos. Um dos Sidewinders atingiu um caça chinês, mas não explodiu. Pensando “eu não gostava desse macacão mesmo” o sujeito conduziu o avião só no sapatinho até a base, fez o pouso mais delicado de sua vida, botou 12 no viado, correu a ponto de parecer o negativo do Usain Bolt e depois que nada explodiu, foi a vez dos técnicos examinarem aquela arma secreta ianque.
Removido com todo o cuidado do mundo, o míssil foi desarmado, e como na época a China ainda não era a China que conhecemos e amamos, mandaram o míssil pra Moscou. Por um momento os engenheiros comunistas ateus russos acreditaram em Papai-Noel. Segundo Ivan Toropov, chefe do grupo que estudou o Sidewinder, desmontar e entender o bicho foi o equivalente a “uma universidade em design de mísseis”.
Reza a lenda que até os números de série das peças foi copiado, e em 1961 o ATOLL estava sendo colocado em condição operacional, mas a falta de sorte ainda é perdoada, o que é imperdoável é a incompetência, quando o Ocidente deu um mole colossal.
Era 1967, os EUA colocavam em operação o Sidewinder AIM9-E, uma versão aprimorada do excelente míssil. Todos os agentes soviéticos estavam de olho, incluindo um alemão ocidental chamado Manfred Ramminger. Ele era arquiteto, playboy e sempre atrás de dinheiro.
O contato de Manfred com a KGB começou anos antes, quando ele conheceu um piloto entediado chamado Wolf‐Diethard Knoppe que adorava beber e contar vantagem, dizendo que você podia invadir a base aérea de Neuburg e roubar um caça, se quisesse.
Manfred disse que não queria um caça, só alguma peça do equipamento de navegação. O piloto, que adorava aventura, disse que colaboraria. Manfred então recrutou Josef Linowski, um amigo chaveiro e colega de apartamento (não, não eram gays) e invadiram a base.
Dias depois ele chegava em Moscou e dava de presente para os soviéticos o tal componente. Daí em diante ele passou a receber gordas somas de dinheiro em troca de materiais. O momento mais ousado foi quando eles receberam uma ordem mirabolante: Roubar um caça Phantom F4 inteiro.
Como não era possível, decidiram por um prêmio de consolação. Aproveitando a neblina espessa, entraram na base, estacionaram e foram até o hangar onde eram guardados os mísseis. Usando um carrinho de mão, Manfred Ramminger carregou a arma de 3 metros e 85Kg pela pista, até seu carro. Vendo que não cabia, ele quebrou o vidro, esticou o míssil até onde coube, cobriu tudo com um tapete e, traidor ou não ele era alemão, respeitava as regras. Prendeu um pano vermelho na ponta do míssil indicando “carga longa”.
Saindo tranquilamente da base, eles levaram o míssil até a casa da Manfred, que então pacientemente desmontou o bicho todo. Agora o problema era: Como levar o pacote até Moscou? Fazendo várias viagens ele iria ser apanhado. A solução? Manfred embalou tudinho, fez um belo pacote e… enviou pelos Correios.
Ele gastou o equivalente hoje a US$590,00. Uma facada, e nem foi pelo Sedex 10, embora a eficiência lembre o Correio brasileiro. O pacote saiu de Frankfurt, foi pra Paris, Copenhague, Düsseldorf e depois, só depois Moscou. Foram 10 agonizantes dias, mas no final os soviéticos ganharam seu míssil, e Manfred foi pago no que hoje equivaleria a US$603 mil.
Em 1968 das haus caiu e Manfred foi preso junto com seus amigos. Agora, o melhor de tudo:
Manfred e Linowiski foram sentenciados a 4 anos de prisão, e o piloto pegou 3 anos e 3 meses. O juiz, Fritz Weber, explicou que embora eles tenham sido considerados culpados de traição espionagem e roubo, tecnicamente eles não entregaram segredos alemães aos soviéticos, e mais ainda: Segundo o juiz os militares não estavam guardando o míssil com o cuidado e atenção necessários, segundo seu valor.
Ou seja: quem não dá atenção, gera condição, como dizia uma certa amiga corneadora…