Como o Twitter e as redes sociais foram inventados no tempo dos bisavôs

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As redes sociais foram a grande mudança de paradigma do Século XX, gerando efeitos que ainda não são entendidos pelos teóricos da comunicação, mesmo os 3 ou 4 que já sabem de sua existência. A idéia de uma forma de comunicação 1 → n com uma estrutura de feedback n ← 1 nunca foi sequer cogitada, hoje o Cid Moreira fala com a gente e a gente fala com o Cid Moreira, e ele escuta. Só que a Internet não foi o local de nascença da primeira rede social. Para isso temos que ir para o passado, muito para o passado. Uns dois séculos atrás.

Durante a Guerra Civil Americana (1861–1865) um telegrafista confederado encontrou uma linha viva, fez um gato e começou a monitorar as conversas. Vendo que o operador do outro lado era da União, ele começou a mandar mensagens se passando por um aliado, pedindo informações estratégicas. A resposta, também em morse, foi direta:

“Esse truque não vai funcionar, Jim. Vamos nos cumprimentar em nome dos velhos tempos, aí você sai da linha.”

O telegrafista do outro lado não era vidente. O que pra nós são só ruídos, tec tec, tectectec, pra um bom operador de telégrafo é uma voz. Cada operador tem seu próprio estilo, seu próprio ritmo, com o tempo os operadores de telégrafo do país inteiro conheciam uns aos outros.

Outra coisa facílima de identificar era gênero. Mulheres telegrafam de forma completamente diferente, elas são precisas e com excelente ritmo, mas são delicadas demais, por isso eram preferencialmente colocadas para lidar com linhas locais, onde um toque mais fraco não se misturaria ao ruído da linha. L. C. Hall conta em um artigo de 1902 que ele só errou uma vez o gênero de um operador.

Foi a primeira ligação que ele recebeu de uma central de Washington. “Os pontos e traços jorravam como uma torrent implacável”, o o ritmo “denunciava ausência de sentimento ou emoção”,  e ele teve dificuldades em acompanhar a velocidade com que o operador enviava as mensagens. Ele visualizou o sujeito como um cara bem-arrumado, cheio de si, altamente confiante.

No dia seguinte ele perguntou a outro operador quem era o tal T.Y. – a resposta: Era uma mulher. Quando ele conheceu a moça, finalmente entendeu. A arrogância e autoconfiança estavam lá, “Assim como estavam a gravata masculina, as roupas de homem e a camisa listrada. Quando ela se apresentou como T.Y. e disse que eu era um grande receptor, eu me convenci de que foi a natureza, e não eu, que cometeu um erro em relação ao sexo dela.”

As redes telegráficas também funcionavam como redes sociais tradicionais. Por algum tempo foi um mistério como piadas e anedotas viralizavam nos EUA do final do Século XIX, já que não havia telefone e ninguém mandaria piadas por telegrama, era muito caro. Logo descobriram que os culpados eram os telegrafistas. No turno da noite, com pouco ou nenhum trabalho, as conversas entre operadores de diversas cidades fluíam naturalmente, e no meio disso sempre repassavam as piadas novas. Com isso em 24h o país inteiro ria da mesma piada.

Não só piadas eram enviadas pelo telégrafo, claro. Como toda boa rede social a rede telegráfica era (muito) usado pra sacanagem. Havia todo tipo de flerte, romance e inúmeros casamentos surgiram de comunicações entre operadores distantesfonte. E sim, havia a turma da zoeira, que imitava o estilo de outros operadores pra passar trotes, e às vezes até mudavam o gênero do estilo de telegrafar para enganar os amigos.

Na Inglaterra Vitoriana ⅓ dos operadores telegráficos eram mulheresfonte, e os romances eram constantes. Isso acabou gerando uma outra curiosidade: A nova tecnologia criava curiosidade e as pessoas liam sem parar os chamados… romances telegráficos. Em 1877 foi publicada uma antologia de contos sobre o tema,  Lightning Flashes and Electric Dashesfonte. Na história A Centennial-Telegraphic Romance, uma jovem em um trem flerta com um estranho, batendo no vidro com as unhas, ele respondendo com um lápis também no vidro, mensagens indo e vindo em morse enquanto os pais da jovem donzela nem desconfiam de algo acontecendo. Se isso não difere em nada de uma jovem com um celular postando barbaridades no banco de trás do carro indo pra igreja, você está certo, não muda nada mesmo.

As redes telegráficas renderam amor, casamentos, amizades que duraram vidas inteiras e uma cumplicidade extrema. Operadores se encontravam no “mundo real” e percebiam na hora que estavam na presença de um “irmão”, conversavam secreta e discretamente sem que os “leigos” percebessem, assim como hoje as pessoas ficavam com pena dos coitados que passavam a noite trancados em salinhas, enquanto eles conversavam com gente do pais todo.

Assim como hoje, havia de tudo nas redes telegráficas, inclusive brigões, trolls e gente mais esperta do que eles. Em um artigo de 1890fonte contam sobre um operador de Albany, mais velho e experiente que entrou num bate-boca com um operador mais novo e teimoso, de Syracuse. Ele tentava liberar o canal, o cara de Syracuse despejava uma torrente de xingamentos.

Olhando em volta o operador experiente viu um relógio. Prendeu um fio no pêndulo, e a cada ciclo ele fechava o circuito e enviada um ponto, como se estivesse pedindo a linha. Em resposta vinham os xingamentos. Vendo que tudo funcionava, o coroa foi pra casa. Voltou no dia seguinte, descansado refrescado e preparado para um dia de trabalho, e reparou que o sujeito AINDA estava do outro lado, xingando. Ele desconectou o relógio, entrou no circuito e o cara do outro lado soltou um “AHÁ! Fiz você desistir!”

 


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