A inconveniente história dos Campos de Concentração Made In Brazil

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Não tem erro. Você sai de Belém, pede pro Uber seguir pra Concórdia do Pará. Lá você segue a PA140, uma hora ela vai virar a PA143. Siga em frente. Quando passar pelo Bar do Negão, você vai dar (epa) em Tomé-Açu, um simpático município com 65 mil habitantes e 5,14 mil km2 de área.

Em Tomé-Açu acha-se com facilidade algo comum em SP mas bem raro no Rio. Não, não é homem tirando leite do pau, alguém precisa inventar uma piada nova pra Amazônia. Eu falo de… japinhas.

Tomé-Açu é lar de uma inusitada colônia japonesa, fruto de um projeto de 1926 para implantação de colônias agrícolas lá na Cochinchina, um termo que a gente usava antigamente para representar um lugar longe bagarai, e que lugar mais longe bagarai do Japão do que o Brasil?

Em 1929 implantaram a primeira fazenda, com 42 famílias de imigrantes japoneses. Usando da ética de trabalho e da eficiência que me faz crer que japoneses ou são aliens, ou humanos de 250 anos no futuro, as plantações de arroz e hortaliças deram certo. Mais tarde Tomé-Açu meio que por acaso começou a plantar pimenta-do-reino, tornando-se o maior produtor mundial da especiaria, mostrando que Cabral estava uns 400 anos adiantado.

Até hoje a população local tem forte componente oriental, com escolas nikkeis, centros culturais, ensino das tradições e até um torii em plena Amazônia. Nem sempre foi assim.

Quem acompanha o blog já percebeu que as datas não estão se encaminhando para nada agradável, e em 24 de agosto de 1942, o bicho pegou. Getúlio percebeu que mesmo sendo grande parceiro comercial da Alemanha, não teria muito com o que negociar, com submarinos aliados afundando cargueiros no Atlântico. Também não tínhamos muito como nos defender, caso os Aliados resolvessem invadir.

Em uma rara boa decisão, o Brasil ficou do lado certo da História. Para mostrar serviço, as redes de espionagem alemãs no país foram desbaratadas, fazia tempo que as atividades nazistas vinham sendo monitoradas pela (infelizmente) excelente Inteligência do Governo Vargas.

NOTA: para uma detalhada, divertida e instigante visão da espionagem alemã no Brasil durante a 2ª Guerra Mundial, recomendo o excelente Crônica de Uma Guerra Secreta, de Sérgio Corrêa da Costa, que eu resenhei neste link aqui.

Foram tomadas diversas atitudes, incluindo o fechamento de mais de 1000 jornais alemães no Sul do Brasil. Com o agravamento da Guerra, o cerco começou se fechar. Moradores de regiões litorâneas que eram cidadãos de países do Eixo (Itália, Japão e Alemanha) foram gentilmente convencidos a se mudar para o interior.

Começaram a prender espiões, sindicalistas, agitadores, propagandistas ou gente que estava na hora errada no lugar errado, e isso se tornou um problema.

Reunião do Partido Nazista no Paraná, antes de ser tornado ilegal em 1938. O Brasil teve o segundo maior Partido Nazista fora da Alemanha.

Em Belém do Pará a comunidade japonesa foi bem visada, e os elementos problemáticos foram apreendidos, mas o que fazer com eles? Alguém lembrou da colônia japonesa em Tomé-Açu, e com uma canetada ela deixou de ser colônia e virou… Campo de Concentração.

100Km de distância de Belém, no meio do mato, em 1942 não era exatamente simples chegar ou sair de lá. O rio mais próximo, o Arari, fica a 34Km de distância. Era bem conveniente avisar aos japas locais que eles agora eram “prisioneiros”, e que iriam receber mais prisioneiros da Capital. Ah sim, um Decreto tomou seus bens e propriedades. Em Belém, quem não tinha sido preso, tinha suas lojas e casas saqueadas e incendiadas, muitas vezes pelo próprio Exército, pelo terrível crime de ser japonês.

Rara imagem do campo de concentração em Tomé-Açu.

No total, as 49 famílias da colônia totalizaram, junto com os prisioneiros de Belém, Manaus e outros lugares, 480 famílias alojadas no campo de concentração, além de 32 alemães e um punhado de italianos.

Esse não foi o único caso. No total o Brasil manteve 31 Campos de Concentração, em sua imensa maioria para italianos, alemães e simpatizantes, como membros do Partido Nazista. O tratamento dado aos prisioneiros variava. Em alguns casos era bem tranqüilo. Uma fazenda em Pindamonhangaba foi transformada em Campo de Concentração para abrigar os tripulantes do TS Windhuk, um cargueiro de 16 mil toneladas que merece um post próprio.

TS Windhuk, depois de comprado pelos americanos, reformado e rebatizado como USS Lejeune.

Resumidamente, eles fugiram da África do Sul com rumo à Argentina, mas como o Graf Spee  estava se pegando com a Marinha Inglesa no Rio da Prata, a região ficou perigosa demais. Os alemães então repintaram o navio em alto-mar, rebatizaram de Santos Maru, hastearam uma bandeira japonesa e seguiram para o Brasil, que na época ainda era neutro.

Chegando, os brasileiros viram que aqueles caras não eram japoneses nem ali, nem na China, mas ficou tudo por isso mesmo. Quando a Guerra foi declarada por Vargas, os alemães sabotaram o navio, que foi então rendido ao Brasil pelo cônsul alemão.

Os tripulantes foram enviados para Pindamonhangaba, onde trabalharam no campo, sem grandes preocupações. Era algo tão tranqüilo que eles faziam visitas à cidade para comprar suprimentos ou ver as modas, e voltavam trazendo as armas dos guardas armados, que invariavelmente enchiam a cara enquanto os chucrutes batiam perna, e tinham que ser carregados de volta.

Nem sempre era assim. Muitos suspeitos de espionagem eram detidos, sem nenhuma informação para as famílias, em alguns casos eram permitidas visitas somente uma vez por ano. Há relatos de tortura, violência, opressão psicológica e confisco de bens e dinheiro. Vários prisioneiros ficaram marcados para sempre, e os relatos de suicídios não eram raros, nem durante, nem depois da Guerra.

Em Defesa do Campo de Concentração

Calma, não estou defendendo a instituição em si, exceto para nazistas, membros do ISIS e a turma que faz obra sábado 9AM, mas o que conhecemos hoje como campo de concentração foi criado na Alemanha Nazista como campo de extermínio. Em teoria o campo de concentração seria diferente. Não é, mas seria.

A idéia surgiu na Guerra de Independência de Cuba, no final do Século XIX, quando as autoridades espanholas cansaram da população abrigar rebeldes, e teve a brilhante idéia de criar “Campos de Reconcentração”, onde o povo seria realocado. Quem não se mudasse em oito dias, seria fuzilado.

Diante desse incentivo, um terço da população cubana foi parar nos campos, e no final de 1898 mais de 400 mil pessoas haviam morrido por causa das condições deploráveis.

O chamado campo de concentração difere de um campo de prisioneiros. No caso os prisioneiros do campo de concentração não são formalmente acusados de nada, eles são reunidos por terem cor, raça, nacionalidade ou viés político errados. Em alguns casos houve legítimo esforço para manter condições dignas, e por mais que o George Takey reclame (com razão) da absurda decisão de mover 126 mil americanos de origem japonesa para campos de concentração durante a 2ª Guerra, no total só 1862 morreram, a maioria por problemas de saúde, em fugas e protestos, o total é de 10.

Claro, as condições nos campos brasileiros estavam longe de um campo de concentração americano ou canadense (sim, Canadá também prendeu seus japas, mas isso você não escuta por aí, né?), e é seguro afirmar que uma fração significativa dos mais de 3000 prisioneiros acabaram morrendo, por subnutrição, falta de cuidados médicos, tortura ou violência por parte dos guardas.

O Governo Vargas sabia que não era uma boa, e como toda boa ditadura que pensa no futuro, os registros eram vagos e imprecisos, ninguém sabia quantos prisioneiros existiram, nem onde, nem em que condições. Uma Lei aplicou sigilo de 50 anos nos poucos registros existentes, mas em 1988 uma alteração reduziu o prazo para 30 anos e os dados começaram a aparecer.

Agora o momento mindfuck: A 2ª Guerra não foi a estréia dos campos de concentração no país, eles surgiram bem antes, fruto de uma proposta eugenista e higienista que deixaria o famoso Cabo Austríaco de pau duro, se ele fosse capaz disso, e Evan Braun dizia que não era.

Em 1877 a Seca pegou forte no Nordeste, criando um êxodo de 110 mil pessoas rumando para as capitais, em busca de trabalho, água e comida. Isso, claro, criou uma imensa concentração de pobreza, que junto a uma epidemia de varíola, bem… não foi legal.

As autoridades começaram a planejar como evitar a próxima migração. Investimentos em infra-estrutura, açudes, técnicas de irrigação, subsídios-nah, claro que não, estamos falando de Governo Brasileiro, esqueceu?

Retirantes em um campo de concentração no Nordeste.

O plano foi colocado em ação em 1915, quando a seca iniciada em 1913 chegou ao auge. As hordas de famintos começaram sua lenta migração, quando depararam com oficiais do Governo, oferecendo trabalho e comida em “campos de trabalho”, que na verdade eram campos de concentração, longe da capitais. Alguns campos chegaram a ter mais de 20 mil prisioneiros.

As pessoas eram mantidas nos campos, sob força das armas, sobrevivendo do que era chamado “ração”.

“A comida era uma mão-cheia de farinha, rapadura, sal, café torrado no sangue de boi para aumentar a quantidade de ferro e, às vezes, uma bolacha” (fonte)

Em seu romance O Quinze, Raquel de Queiroz conta em um trecho uma experiência passando por um Campo de Concentração, no Nordeste de 1915:

CONCEIÇÃO atravessava muito depressa o Campo de Concentração.

Às vezes uma voz atalhava:

“— Dona, uma esmolinha…

Ela tirava um níquel da bolsa e passava adiante, em passo ligeiro, fugindo da promiscuidade e do mau cheiro do acampamento.

Que custo, atravessar aquele atravancamento de gente imunda, de latas velhas, e trapos sujos!

(…)

Quando transpôs o portão do Campo, e se encostou a um poste, respirou mais aliviada. Mas, mesmo de fora, que mau cheiro se sentia!

Através da cerca de arame, apareciam-lhe os ranchos disseminados ao acaso.

Até a miséria tem fantasia e criara ali os gêneros de habitação mais bizarros.

(…)

Uma velha, mais longe, sentada nuns tijolos, fazia com que uma caboclinha muito magra e esmolambada lhe catasse os cabelos encerados de sujeira.

E, além, uma família de Cariri velava um defunto, duro e seco, apenas recoberto por farrapos de cor indecisa.

Conceição sabia quem ele era. Tinha morrido ao meio-dia, e a sua gente teimava em não o misturar com os outros mortos.”

Os Campos de Concentração do Nordeste foram obra da Elite das Capitais, preocupados com o estrago que a população faminta faria em sua qualidade de vida. Os resultados, claro, foram desastrosos, o que não evitou que em 1932, outra seca forte, os campos fossem de novo utilizados como escudo anti-pobreza, digo, anti-pobre.

Cemitério do Campo de Concentração em Senador Pompeu, CE.

Calcula-se que 60 mil morreram nos campos de concentração, só no Ceará, até começar a chover em 1933 e acabarem com os campos, que duraram menos de um ano.

Infelizmente, mesmo que essas histórias sejam públicas, não as vemos sendo ensinadas em escolas, É como se um passado desagradável fosse varrido para debaixo do pano. Pelo menos vivemos tempos mais civilizados, apesar das histerias nas redes sociais.

Hoje ninguém mais defende campos de concentração a sério, excetuando-se a turma da esquerda, que GARANTIU que na posse do Bolsonaro teríamos tanques nas ruas, polícia prendendo a população LGBT e os jogando em campos de concentração.

Ou a turma da direita, que garantiu que o Governo do PT havia construído um gulag debaixo do estádio do Itaquerão, em São Paulo.

Fontes:



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