Entebe – Israel e o resgate impossível

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O ano era 1976, e Israel estava prestes a encenar um dos maiores filmes de ação de todos os tempos, com direito a tudo que nos acostumaríamos com o cinema dos Anos 80: Ações heróicas, premissas absurdas, chances de sucesso ínfimas, idéias ousadas e um gran finale. A diferença é que foi tudo real.

Nos Anos 70 o bicho estava pegando no Oriente Médio (quanta diferença, eu sei), Organizações Terroristas como a OLP (Organização para a Libertação da Palestina) praticavam atentados de todo tipo, do massacre de atletas israelenses nas Olimpíadas de Munique, em 1972, a seqüestros constantes de aviões.

Em geral esses seqüestros terminavam mal, com muitos reféns mortos, dias de drama e sofrimento, e militantes celebrando a exposição midiática. O que aconteceria com o vôo AF139 da Air France, saindo de Tel Aviv com destino a Paris, seria muito pior.

Quando o avião fez escala em Atenas, em 27 de junho de 1976, entre os passageiros a embarcar havia dois membros da Frente Popular para a Libertação da Palestina – Operações Externas, e dois alemães das Células Revolucionárias, um dos grupos terroristas mais perigosos da época.

Assim que o avião decolou, os terroristas tomaram o controle. Sem opção, os pilotos obedeceram e rumaram para a Líbia. Após rápidas negociações, foram reabastecidos e seguiram para seu destino final, Uganda, então sob o poder de Idi Amin Dada, um dos ditadores mais sanguinários do Século XX, com mais de 300 mil mortes nas costas.

“Vossa Excelência, Presidente Vitalício, Marechal de Campo Doutor Idi Amin, VC, DSO, MC, CBE, Senhor de todas as Feras da Terra e dos Peixes do Mar, e Conquistador do Império Britânico na África em Geral e de Uganda em Particular.” – sim, o título oficial desse animal.

Pousando no aeroporto de Entebe, o avião taxiou até o antigo terminal de passageiros, abandonado. Lá se juntaram a outros três terroristas, mais tropas de apoio fornecidas por Uganda.

Os seqüestradores confiscaram os passaportes dos passageiros e tripulação, e começaram a fazer algo que trouxe horríveis lembranças a vários deles: Separaram os passageiros judeus. Entre eles alguns sobreviventes do Holocausto, que haviam passado por aquilo 30 anos antes.

Um dos reféns se ergueu e mostrou para um terrorista o braço tatuado com o número de identificação de prisioneiro de campo de concentração. O terrorista, o alemão Wilfried Böse, respondeu “Eu não sou nazista, sou um idealista”.

Dos 260 reféns, 12 eram tripulantes, 248 eram passageiros, e desses, 94 eram judeus. Foram isolados dos outros enquanto os terroristas negociavam com as autoridades.

Em 30 de junho 48 reféns foram libertados, no dia 4 de julho, mais 100. Só sobraram os judeus e os tripulantes. Os terroristas ameaçavam matar todos eles se uma série de exigências não fossem atendidas, incluindo um resgate de US$5 milhões (US$27 milhões em valores atuais) e a libertação de 53 terroristas palestinos em prisões de vários países.

O governo de Israel estava dividido. Alguns, como o Primeiro-Ministro Yitzhak Rabin queriam atender às exigências dos terroristas. Outros eram contra, dizendo que isso abriria portas para vários outros seqüestros. A comunidade internacional enquanto isso tentava negociar a libertação dos reféns, mas os terroristas palestinos não estavam dispostos a nada senão vitória total.

Era preciso fazer algo, mas como? Uganda fica a 3000Km de Israel, em linha reta. Não havia aliados na região, ao menos ninguém disposto a comprar uma briga com a ditadura de Idi-Amin. Israel precisava não só pensar fora da caixa, mas colocar a caixa em Júpiter.

Esquecendo todos os protocolos e regras de operações militares, foi decidido resgatar os reféns, partindo do princípio que esse tipo de operação naquelas circunstâncias era totalmente impossível, portanto os terroristas não esperariam esse tipo de reação.

Convocado, perguntaram ao chefe das forças armadas quantos homens ele precisaria praquela operação. Ele respondeu: “Depende. Vocês querem tomar o país? Uns mil. Só resgatar os reféns, uns 200”.

O relógio avançava, enquanto o MOSSAD coletava inteligência. Um agente decolando do Quênia em um pequeno avião civil sobrevoou Entebe para fotografar o aeroporto. Os reféns libertados foram interrogados, retornando informações vitais.

Uma pesquisa descobriu que o terminal onde os reféns estavam sendo mantidos havia sido construído pela Solel Boneh, uma empresa israelense. Engenheiros e arquitetos da empresa foram convocados, eles recriaram as plantas do local.

O exército israelense construiu uma réplica das instalações e começaram treinamentos intensos das operações de resgate, em uma escala e ousadia que o mundo nunca havia visto antes e nunca veria depois.

Em 3 de julho, um sábado, quatro Hércules C130 decolaram de Tel Aviv, cada um em uma direção diferente, para não levantar suspeitas. Mais adiante se reuniram e seguiram para Ofira, cidade no extremo sul da Península do Sinai, na época sob controle israelense.

Os aviões eram reabastecidos enquanto esperavam o OK para prosseguir com a missão, junto com dois Boeings 707, um com unidades médicas e de apoio, o outro com o comando da operação.

Voando a menos de 30 metros de altura para enganar os radares do Egito, os quatro Hércules seguirem rumo ao sul, pelo Mar Vermelho, atravessando a Eritréia, a Etiópia e finalmente o Quênia, com quem tinham um acordo operacional.

Atravessando o Lago Vitória, ocultos por uma tempestade, os quatro aviões carregavam 100 comandos das forças especiais, que respiravam aliviados com a primeira idéia, pular de pára-quedas, atravessar o lago e invadir Entebe pelas margens ter sido cancelada. Alguém descobriu que a região era repleta de crocodilos.

Não que fosse muito mais tranquilo em terra. Com as luzes do aeroporto apagadas, o primeiro Hércules pousou, também em blecaute, acendendo suas luzes somente no último momento.

Parando no final da pista, descem da rampa traseira duas Land Rovers e uma Mercedes Especial preta, mesmo modelo usado por Idi-Amin. A idéia era formar uma comitiva e confundir os guardas, pois Idi-Amin visitava os reféns diariamente.

Perto do terminal novo, a comitiva foi parada por dois soldados desconfiados, pois Idi-Amin havia trocado seu carro por uma Mercedes branca, alguns dias antes. Um dos guardas acabou morto por tiros de pistola com silenciador, mas o outro reagiu e acabou morto também, pela metralhadora de uma das Land Rovers, o que alertou o resto da guarnição.

Os três veículos seguem então para o terminal antigo, onde são alvejados por tropas de Uganda na torre de controle. Os 29 soldados das forças especiais israelenses forçam avanço em direção ao terminal, atirando em terroristas em duas entradas. Os dois se refugiam no interior do prédio, um dizendo que os ugandeses ficaram doidos e estão atacando. Não passou pela cabeça deles que os inimigos eram israelenses.

Enquanto isso, na primeira entrada, os comandos tentam arrombar a porta, quando são surpreendidos por um soldado do lado de fora, que atira e fere mortalmente Yoni Nethanyahu, irmão mais velho do atual Primeiro-Ministro de Israel, Benjamin.

Yonatan Nethanyahu

Na segunda entrada um grupo de quatro comandos abateu um terrorista na entrada, invadindo a salão principal do terminal. Sem perceber dois ugandeses escondidos, um soldado de Israel avança, mas antes que pudesse ser alvejado, o comandante do grupo atira e mata os dois inimigos.

Um terrorista, escondido atrás de uma coluna começa a atirar, e antes de ser eliminado, um  refém foi morto por balas perdidas.

Soldados com megafones anunciam em inglês e hebraico: “TROPAS ISRAELENSES, FIQUEM NO CHÃO! NÃO SE MOVAM!”, mas infelizmente dois reféns se levantaram em direção aos soldados, que instintivamente atiraram com precisão mortal.

No total a ação durou 50 segundos, mas ainda havia terroristas no prédio.

Seguindo em direção aos alojamentos, dois ugandenses foram mortos na cozinha (Tom Clancy dizia: Sempre tem alguém na cozinha) e mais dois terroristas, disfarçados de civis, foram abatidos em um saguão.

Nisso o terceiro grupo de forças especiais invadia o prédio por uma janela, atirando contra um terrorista em um alojamento. O quarto grupo liberou o segundo andar, matando dois soldados.

Enquanto isso os outros Hércules pousavam. Tropas israelenses tomavam a torre de controle e o terminal novo, efetivamente controlando o aeroporto. Reforços mantiveram os inimigos na torre antiga abaixados, sob fogo de metralhadora, enquanto duas picapes recolhiam os reféns em meio ao tiroteio, levando-os para o quarto Hércules, que pousou trazendo mais 29 soldados e dez médicos.

Veículos israelenses se deslocaram até a área militar do aeroporto, alvejando os caças da força aérea de Uganda, pelo menos 11 foram destruídos, o resto danificado serialmente.

Usando as instalações do aeroporto, os quatro Hércules foram reabastecidos, mas tiveram que apressar a operação, mais soldados estavam chegando, e atirando nos reféns enquanto embarcavam.

A antiga torre, ainda com marcas de balas.

Quando o último Hércules decolou, o relógio contabilizava 53 minutos. O saldo final foi de sete terroristas eliminados, por volta de 40 soldados ugandenses mortos, um soldado israelense morto em combate e três reféns também mortos.

102 reféns foram resgatados com vida, e o comandante da operação, Coronel Yonatan Netanyahu, o único militar a perder a vida, foi transformado em herói nacional, reverenciado até hoje por seu exemplo de coragem e sacrifício.

Os quatro aviões pousaram em Nairóbi, no Quênia, onde reabasteceram, os reféns em estado mais grave foram tratados, e no final todos decolaram rumo a Israel.

Em Uganda, um último ato de crueldade: Dora Bloch, uma refém de 74 anos havia sido transferida para um hospital algumas horas antes, depois de engasgar com um osso de galinha. Após a notícia do resgate, dois oficiais do exército foram até o hospital, sob ordem de Idi-Amin, e arrancaram Dora de sua cama.

Levando-a para o lado de fora, a executaram com tiros de pistola, junto com médicos e enfermeiras que tentaram impedir o ato covarde.

Idi-Amin não parou aí. 12 soldados foram executados por suspeita de colaborar com Israel, e ao saber da ajuda do Quênia, o ditador de Uganda mandou matar todos os quenianos no país. 245 foram executados, 3 mil fugiram pela fronteira.

O resgate em Entebe entrou para a História como um exemplo didático de operação de contra-terrorismo, ele é estudado até hoje em academias militares do mundo todo. Mesmo os vários filmes baseados no caso não fazem jus aos atos de heroísmo e coragem envolvidos nessa ação que deixou de ser cinematográfica e se tornou praticamente lendária.

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