O mecânico que salvou o USS Enterprise e nem era o Scotty

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Originalmente a nave estelar em Jornada nas Estrelas deveria se chamar USS Yorktown, mas Gene Roddenberry pensou melhor e decidiu homenagear um navio mais legendário ainda, o USS Enterprise (CV-6), o porta-aviões de 31 mil toneladas que sobreviveu a todos os combates que participou na 2ª Guerra Mundial.

O Enterprise esteve várias vezes a ponto de ser afundado pelo inimigo, sendo salvo por seus tripulantes.

Durante uma batalha, uma bomba japonesa penetrou vários conveses, explodindo perto da Engenharia. O leme do navio travou e o Enterprise ficou navegando em círculos, um alvo fácil para os aviões inimigos.

O Primeiro-Mestre Mecânico William Smith sabia o que fazer, mas era impossível. Ele precisava atravessar vários compartimentos tomados pela fumaça dos incêndios, e o equipamento de respiração e emergência padrão da Marinha dos EUA não tinha autonomia suficiente.

Exceto que o Enterprise não era um navio-padrão com uma tripulação-padrão. Um desses fora do padrão era um maquinista chamado Merle Twible, que nas horas vagas estudou o funcionamento dos equipamentos de respiração, descobriu como dobrar a autonomia do negócio.

William confiou no trabalho do colega, e entre colunas de fumaça, ele conseguia ver alguns mostradores com a agulha presa no máximo, 82C. Mal conseguindo respirar, suando e sofrendo queimaduras, ele conseguiu achar a válvula correta e destravar o leve. William e Twible salvaram o Enterprise, mas não foi a primeira vez.

Em 1º de fevereiro de 1942, o Enterprise e o Yorktown patrulhavam perto das Ilhas Marshall, quando foram localizados por aviões japoneses, que iniciaram um ataque.

As armas antiaéreas dos dois porta-aviões atacaram sem dó os japas, que por sorte (ou azar, depende pra que lado você torce) erraram quase todas as bombas, somente uma atingiu a água muito perto do Enterprise, ferindo mortalmente um marinheiro.

A maioria dos Mitsubishi G3M “Nell” conseguiu escapar após soltar suas bombas, mas o pilotado pelo tenente Kazuo Nakai foi atingido, e claramente não conseguiria retornar à base.

Mitsubishi G3M “Nell”

Para horror de todos a bordo do Enterprise, o tenente japonês resolveu antecipar uma tática que só seria oficialmente iniciada em outubro de 1944: Seu bombardeiro de 8 toneladas agora era um kamikaze.

O convés de madeira do Enterprise não resistiria a uma colisão direta, e os canhões antiaéreos não estavam conseguindo interceptar o inimigo. Nessa hora um marinheiro chamado Bruno Gaido abandonou seu posto e começou a correr.

Bruno Gaido

Gaido, nascido em 1916, era filho de imigrantes italianos. Ele entrou para a Marinha em 1940, ganhando reputação de ser um marinheiro dedicado e durão. Eventualmente ele foi alocado no Enterprise, onde cumpria funções de mecânico/municiador e de artilheiro/operador de rádio no Douglas SBD Dauntless, um avião que, sendo honesto, era uma bela merda, com velocidade máxima de 410km/h, contra 534km/h do Mitsubishi Zero.

Não que fizesse diferença. Bruno Gaido correu para um Dauntless que estava a 0km/h, estacionado no convés do USS Enterprise.

Pulando no banco traseiro, Bruno engatilhou as duas metralhadoras .30 na posição de artilheiro, e encheu o japa de chumbo. O avião, que vinha para uma colisão direta, rolou, perdeu o controle, raspou o convés com a ponta da asa, cortou a traseira do avião de Gaido, e seguiu até cair na água do outro lado, sempre sob fogo das metralhadoras do Dauntless.

Feito isso, Bruno pegou um extintor de incêndio do Dauntless, apagou o fogo que havia se iniciado quando as linhas de combustível do avião foram rompidas, e correu de volta, com medo de tomar um esporro por abandonar seu posto.

Logo, o medo se tornou realidade: Ninguém menos que o Almirante William “Bull” Halsey Jr, comandante da Frota mandou identificar o marinheiro no Dauntless, e levá-lo à ponte imediatamente.

Bruno entrou, sem saber o que esperar. Halsey disse que foi a coisa mais corajosa que ele havia visto, e perguntou o nome do marinheiro.

“Bruno Gaido, “Terceiro-Sargento Mecânico de Aviação, senhor”

Halsey respondeu:

“Agora você é Primeiro-Sargento Mecânico de Aviação”

A cena foi muito bem recriada no excelente Midway, de 2019.

Infelizmente não estamos em um filme, então o final feliz não é garantido. Alguns meses depois, durante a Batalha de Midway, Bruno estava em uma missão com seu piloto, alferes Frank Woodrow O’Flaherty, quando seu Dauntless, com cinco outros, interceptaram uma esquadrilha de bombardeiros japoneses, escoltados por caças Zero.

Os Dauntless partiram pra cima dos japoneses, danificaram seriamente dois Zeros, e acabaram espantando o resto. Os bombardeiros, sem escolta, foram interceptados por caças Wildcat do Enterprise e do Yorktown.

Infelizmente a batalha deixou o Dauntless de Gaido e O’Flaherty bem danificado, eles tiveram que pousar na água, quando foram capturados pelo destróier japonês Makigumo.

Quem já leu este meu artigo sobra a Unidade 731 sabe que não vem boa coisa.

Bruno e Frank foram cruelmente torturados e interrogados, até que deram todas as informações que os japoneses queriam. Falsas, claro. Eles não tinham a menor idéia do que estava acontecendo fora das ordens imediatas.

Quando perderam sua utilidade, o capitão japonês mandou que fossem presos a correntes e pesos, e arremessados no mar.

Ambos foram condecorados postumamente, seu destino só foi descoberto depois da Guerra. Suas mortes se somaram a tantos outros crimes de guerra que não foram punidos. O Makigumo foi afundado pela própria Marinha Japonesa em 1943, depois de sofrer extensos danos em combate, e o capitão Isamu Fujita foi morto em abril de 1943, também em combate.

Fontes:



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