Quando Stalin usou nazistas-fantasma para enrolar Hitler

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As pessoas costumam imaginar as grandes guerras como combates entre exércitos, mas muita, muita coisa acontecia nos bastidores, por debaixo dos panos e as decisões que diziam quem iria enfrentar quem muitas vezes eram decididas ou influenciadas por informações trazidas por espiões.

Richard Sorge sozinho salvou a União Soviética, ao manter Stalin informado das intenções do Japão, e de como ele não precisava dividir suas forças em uma frente oriental. Juan Pujol Garcia criou uma rede fictícia de agentes na Espanha e consumiu recursos nazistas, alimentando os alemães com informações falsas por anos, mas nenhum caso foi tão épico quanto a Operação Scherhorn.

Um dos consenso da Guerra Fria é que os russos eram mestres em espionagem, o MI-6 -serviço secreto inglês- chegou a ser comandado por um tempo por um agente-duplo soviético, e esse know-how vem de longe.

Na Segunda Guerra Mundial a Inteligência soviética era responsabilidade do NKVD  (Народный комиссариат внутренних дел, Narodnyy Komissariat Vnutrennikh Del) – Comissariado do Povo para Assuntos Internos, o DOPS deles, mas toneladas de vezes mais eficiente, brutal e implacável.

Em 1941 eles tentaram -e conseguiram- infiltrar um agente na Alemanha. Alexander Demyanov se disfarçou de playboy, boêmio e frustrado com os comunistas. Ele acabou conhecendo o agente alemão responsável por Moscou (o NKVD já sabia quem ele era então foi caso de só planejar em detalhes o encontro por acaso).

Logo Demyanov convenceu o chucrute que ele poderia ser útil, e foi mandado para Smolensk, onde encontrou o agente local da Abwehr, o serviço de inteligência do exército alemão. Ele foi treinado em espionagem e contra-espionagem por três meses, após os quais voltou para Moscou e começou a receber agentes alemães que chegavam na cidade.

Ele conseguia fazer os agentes desaparecerem sem levantar suspeitas em Berlim, e acabou se tornando um dos agentes preferidos do Coronel Reinhard Gehlen, chefe da Inteligência Militar nazista para o Oriente, esse moço simpático aqui.

Não se preocupe, quando a Guerra acabou ele se rendeu às tropas da Inteligência do Exército dos EUA, e ofereceu em troca de liberdade e anistia o uso de sua rede de espionagem na União Soviética, a oferta foi prontamente aceita e o Coronel passou a trabalhar pra CIA, virou um dos caras bonzinhos.

Antes disso ele acreditava piamente nos relatórios de Demyanov, que muitas vezes fornecia informações reais, mas tudo sob estrito planejamento do NKVD, os russos entregavam objetivos menores de olho no Grande Prêmio, e antes que você ache a idéia ótima, aviso que Stalin era Stalin, um adendo:

Em 1942 os soviéticos prepararam a Operação Urano, com um milhão de homens e que atacaria as forças alemães cercando Stalingrado. Foi um sucesso, com os alemães perdendo a iniciativa pela primeira vez. O sucesso dessa batalha foi em grande parte atribuído ao fato das forças de reserva alemães estarem ocupadas na Batalha de Rhzev, uma região próxima a Moscou.

A Batalha de Rhzev foi um banho de sangue, as tropas alemães estavam entrincheiradas e preparadas, os soviéticos mandaram ondas atrás de ondas de soldados, mas nada adiantava. Foi talvez a maior derrota soviética da Guerra, eles perderam 77 mil soldados e 1600 tanques. Era como se os nazistas os estivessem esperando.

E estavam. Demyanov havia passado para os alemães os planos da Operação Marte, que seria o ataque em Rhzev, mas calma, ele não era um traidor. Ele fez isso a mando de Stalin, que sacrificou 77 mil vidas para dividir as forças inimigas e poder vencer em Stalingrado.

Hugh Trevor-Roper

Demyanov aliás também estava ficando famoso, em Londres um agente de inteligência chamado Hugh Trevor-Roper1 monitorava as comunicações nazistas e rapidamente identificou Demyanov como agente alemão. Ele avisou várias vezes Moscou, que ignorou. Roper então deduziu que ele seria um agente-duplo, mas depois da Rhzeb ninguém queria acreditar que Stalin sacrificaria suas tropas assim.

As aventuras de Demyanov e do NKVD eram acompanhadas pessoalmente por seu fã número 1, Joseph Stalin.

Tente você achar uma foto do Stalin comendo pipoca. Putin é o que temos.

Logo ele cismou que queria ampliar as operações, e não era nada bom pra saudável dizer não ao Tio Joseph, e de qualquer jeito ele tinha razão.

O plano, chamado Operação Berezino foi criado pelo Coronel Mikhail Maklyarsky, e envolvia um monte de gente, incluindo Demyanov. O objetivo era fazer com que os alemães desviassem recursos que seriam enviados para núcleos da resistência e terroristas em território soviético ou alemão capturado.

Eles recrutaram um grupo de alemães anti-nazistas e pró-comunismo e construíram um campo a 100Km de Minsk. Em seguida vasculharam campos de prisioneiros atrás de algum oficial alemão apropriado. Encontraram o Tenente-Coronel Heinrich Scherhorn, filho de um grande contribuinte do partido nazista, portanto um nome que Hitler reconheceria.

Hitler também reconheceria o bigodinho do puxa-saco.

Através de carinho, compreensão, artesanato com garrafa pet e bastante amor o NKVD convenceu Scherhorn a mudar de lado e se tornar agente-duplo.

Demyanov mandou uma mensagem para Berlim avisando que havia localizado Scherhorn e que ele estava comandando uma força de 2500 homens, dentro do território soviético mas precisava de reforços e suprimentos.

O oficial que recebeu a mensagem não acreditou, achou que a coisa cheirava muito a uma marmotagem de agentes-duplos, mas o Coronel Gehlen interveio e como era o rei da cocada preta, o bambambam da espionagem, a mensagem foi validada.

Os alemães mandaram uma força de 5 comandos, que foi recebida por russos e comunistas alemães usando uniformes nazistas. Foram levados para o campo “alemão” sem desconfiar de nada, quando então foram presos, junto com os suprimentos que o avião que os trouxe havia jogado.

Usando de novo de amor e compreensão o NKVD convenceu os comandos a manter comunicação de rádio com Berlim reportando que tudo estava sob controle. A situação havia se tornado tão surreal que novos grupos de comandos eram enviados, e em certo momento soldados soviéticos vestidos de nazistas recebiam comandos nazistas vestidos de soldados soviéticos.

Quando Berlim começou a reclamar que a tropa não fazia muita coisa, Scherhorn explicou que tinha muitos feridos. Otto Skorzeny, o alemão que era o principal contato com o campo sugeriu que os feridos fossem evacuados por via aérea.

Tenente-Coronel Otto Skorzeny

Relutantemente Scherhorn aceitou, sabendo que isso exporia a armação. Skorzeny chegou a mandar um engenheiro para construir uma pista de pouso. O engenheiro foi preso, claro, mas a pista foi construída.

No dia em que os dois primeiros aviões iam pousar, as luzes foram apagadas, “sabotadas” e pouco tempo depois ela foi destruída por um ataque aéreo soviético. Que pena, nada de evacuar feridos…

Tentando de todo jeito salvar os soldados alemães que não existiam, Skorzeny e Gehlen criavam todo tipo de plano. Em dado momento sugeriram uma marcha de metade da tropa por 250Km até a fronteira da Látvia com a Lituânia. Scherhorn mandou um grupo avançado, e sugeriu que membros da resistência polonesa encontrassem com as tropas.

A idéia foi acatada, e Scherhorn prontamente capturou os rebeldes poloneses, que persuadidos pelos argumentos e gentileza de seus captores soviéticos, forneceram todos os nomes e códigos de seus colegas da Resistência.

No final o Campo nazista fictício enganou os alemães de Agosto de 1944 a Maio de 1945, quando a Guerra acabou.

Foram 39 vôos que levaram 22 comandos nazistas e 13 conjuntos de rádios, todos capturados, mais um enorme número de vôos com suprimentos, todos capturados. Como os operadores tinham que permanecer ativos para manter a farsa funcionando, a operação se tornou um pesadelo logístico, todos eles precisavam ser vigiados 24 horas por dia para não denunciarem a farsa.

Uma quantia enorme de tempo e dinheiro foi gasta tentando resgatar uma tropa inexistente, e comandos que causariam danos imensos sabotando interesses soviéticos foram “neutralizados”.

Fontes:

  1. Eye Spy Intelligence Magazine – Agent Max – A Remarkable Intelligence Story
  2. Operation Scherhorn – Lambert M Surhone, Mariam T Tennoe, Susan F Henssonow
  3. Turnabout and Deception: Crafting the Double-Cross and the Theory of Outs – Barton Whaley



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