Yamato. Um nome que é venerado no Japão, respeitado nas forças armadas do Ocidente e amado pelos Nerds antes dos Otakus se tornarem mainstream, mas a história desse magnífico navio e sua galante tripulação é maior do que tudo que a ficção ousou imaginar.
Tudo começa no período entre-guerras, aonde a aviação naval ainda é o patinho feio, ninguém realmente levava a sério a combinação de aviões e navios. Fazia sentido, navios era portentosos monstros de metal, aviões uns brinquedos de lona e bambu, e mesmo com a Primeira Guerra Mundial, no máximo você conseguia lançar um hidroavião de um navio, e rezar pro mar estar calmo o suficiente pra ele emparelhar e ser resgatado quando voltasse.
O primeiro porta-aviões que tecnicamente fazia jus ao termo foi o japonês Wakakiya, que lançava hidroaviões, e o primeiro navio construído para ser um porta-aviões foi o britânico Ark Royal, em 1914.
Mesmo assim porta-aviões eram considerados navios auxiliares, o poder naval real estava nos navios pesados, nos cruzadores, nos encouraçados e seus canhões monstruosos.
No começo da década de 1930 o Japão decidiu que iria expandir seu império, com olho na Manchúria, fronteira com a Rússia, no Sul do Pacífico e na China. Eles sabiam que o grande impedimento seriam os EUA, que realmente fizeram de tudo para conter as invasões, armando aliados chineses e montando um bloqueio naval contra as ilhas japonesas.
O ataque a Pearl Harbor foi uma resposta a isso, e os alvos principais eram os porta-aviões e os encouraçados americanos. Mesmo assim a esquadra japonesa era bem superior, os EUA tinham uma marinha patética no espaço pré-2ª Guerra.
O que o Japão esperava era criar um vácuo nas forças americanas tempo suficiente para que todas as invasões e ataques fossem concluídos, as tropas japonesas estivessem entrincheiradas e não fosse viável aos EUA contra-atacar. Se isso não ocorresse, seria caso da frase escrita pelo Almirante Yamamoto eu seu diário:
“Temos que tudo que fizemos foi acordar um gigante adormecido e enchê-lo com uma terrível força de vontade”.
O Japão sabia que não teria como competir com o poder industrial dos EUA, e o déficit de navios logo seria coberto. A estratégia então foi produzir menos, porém melhores navios.
Apesar do poder aéreo já ser conhecido, com o próprio ataque a Pearl Harbor comprovando sua eficácia, havia a idéia de que atacar um navio seria bem mais complicado, ainda mais se ele tivesse dentes.
Dentes então, foi decidido. Os engenheiros japas projetaram um modelo de encouraçado Classe Yamato, sem nenhuma das restrições que limitavam os encouraçados americanos.
Entre outras, eles eram bem mais largos, pois não precisavam passar no Canal do Panamá.
Projetado nos Anos 30, encomendado em 1937 o primeiro navio da Classe Yamato, o Yamato foi ao mar em 1940, sendo comissionado em 1941. Ele era de longe o maior encouraçado do mundo, com 256m de comprimento. O Porta-Aviões USS Enterprise CV-6 tinha 232 metros de comprimento, e deslocava 32 mil toneladas. O Yamato deslocava 72 mil.
Aprovado o projeto, foi escolhido o estaleiro militar Kure, em Hiroshima. A doca seca foi reformada para comportar algo do tamanho do Yamato. Lonas foram espalhadas para proteger o projeto de aviões inimigos curiosos.
Todos os funcionários tinham sua ficha verificada, identidades eram checadas na entrada todas as manhãs. O Yamato seria construído em sigilo total.
O conceito do Yamato era simples: Como o Japão não teria como construir uma marinha convencional, teriam encouraçados com uma capacidade imensa de afundar navios inimigos a longas distâncias, e caso fossem atacados pelo ar, teriam uma imensa capacidade de fogo antiaéreo. No papel funcionava.
E como funcionava. As três torres cada uma com três canhões de 460mm eram capazes de lançar projéteis de mais de uma tonelada a 42Km de distância. Para médio alcance tinham 4 torres de canhões triplos de 155mm, operadas por radar. Junto tinham mais 24 torres de 127mm e um total de 162 armas antiaéreas de 25mm.
O Yamato era mais que um encouraçado, era o símbolo do poder naval japonês, e naturalmente se tornou a nau capitânia da esquadra. O que foi o começo de sua ruína.
O Almirante Yamamoto comandou as forças japonesas na Batalha de Midway, corajosamente no Yamato a centenas de Km da área de combate.
7 de Junho de 1942 foi o momento da virada na Guerra do Pacífico. Graças ao trabalho dos criptologistas da Marinha, os americanos estavam preparados, e depois que localizaram a esquadra japonesa, quase 400 aviões de 3 porta-aviões atacaram de forma implacável o inimigo, que por confusão logística não estava pronto pra se defender. O Japão perdeu quatro porta-aviões, um cruzador pesado e 332 aviões. Os americanos perderam um porta-aviões e 150 aviões.
Movido para o atol de Truk, o Yamato não participou da campanha de Guadalcanal, pois não havia munição adequada para ataque a alvos em terra, ele só tinha projéteis anti-navio.
O Yamato se tornou um elefante branco. Era o navio mais poderoso da esquadra, e por isso o mais valioso. Ninguém queria usá-lo, com medo de perdê-lo, e ainda havia o custo operacional. Combustível era escasso no Japão e o Yamato bebia feito um Opala de 4 canecos.
Ele ficou em Truk entre Agosto de 1942 e Maio de 1943, quando navegou para o Japão para reparos e upgrades.
Depois de algumas missões aonde tentaram sem sucesso interceptar forças americanas, o Yamato foi atacado no dia 25 de Dezembro de 1943, quando o submarino USS Skate lançou quatro torpedos. Um acertou, abrindo um buraco de 5 metros no casco, que resultou em mais de 3 mil toneladas de água invadindo o navio. O equivalente ao peso de um destróier.
O Yamato deu de ombros, e continuou seguindo normalmente para o porto.
Yamato e seu navio-irmão Musashi acabaram sendo muito usados como transportes de tropas e suprimentos, pois seu tamanho e armamentos faziam com que navios e submarinos desgarrados pensassem duas vezes antes de tentar um ataque.
O Começo do Fim
Em 22 de Outubro de 1944, durante a Batalha do Mar de Sibuyan o Yamato e o Musashi, junto com seus navios de escolta foram atacados por aviões do USS Essex, num total de 259 ataques, envolvendo caças-bombardeiros e torpedeiros. Com o fogo concentrado no Musashi, o encouraçado sucumbiu depois de ser atingido por 19 torpedos e 17 bombas. Mesmo ferido, o Yamato conseguiu voltar ao porto.
No dia 24 do mesmo mês, na Batalha de Samar o Yamato pela primeira e última vez enfrentou outros navios usando seus canhões principais, danificando seriamente vários alvos, incluindo o porta-aviões USS Gambier Bay, mas informações desencontradas deram ao comandante a impressão de que estaria enfrentando pelo menos seis porta-aviões inimigos, e depois de perder 21 homens e sofrer danos moderados, o Yamato abandonou a batalha, deixando para trás um porta-aviões, dois destróiers e um destróier de escolta inimigos afundados.
De volta ao estaleiro, o Yamato ganhou MAIS armamento antiaéreo, e foi preparado para medidas extremas de combate a danos, incluindo remoção de todo material inflamável, tipo colchões e cortinas. Paredes foram pintadas com tinta de silicone antichamas, e até as tábuas sobre as quais os marinheiros dormiam eram material para barricadas e reparos de emergência.
O navio que já havia sido chamado de Hotel Yamato pelos marinheiros invejosos de outros navios que viam os colegas comendo e dormindo sem se preocupar com a guerra, agora era preparado para uma última missão.
Os americanos haviam desembarcado em Okinawa, o primeiro pé para a inevitável invasão do território continental do país.
Era Abril de 1945. Nem os ataques kamikazes estavam conseguindo deter os inimigos. No Japão a população se preparava para a batalha final. Mulheres e crianças eram treinados em combate com lanças e espadas. Mais de 1500 mini-submarinos kamikazes esperavam seus pilotos para tentar afundar os inimigos quando se aproximassem.
Para ganhar tempo foi planejada a Operação Ten Go. Aos 3332 homens a bordo, entre oficiais e marinheiros foi pedido um sacrifício final, em nome do Imperador.
O Yamato iria zarpar rumo a Okinawa, junto com um cruzador leve, 8 destróiers, e 115 kamikazis. Eles só tinham combustível para a viagem de ida. As ordens eram abrir caminho até a ilha, encalhar o Yamato em uma praia, e combater até serem destruídos ou ficarem sem munição.
Para desespero dos japoneses, os aliados haviam interceptado e decodificado os planos da operação, e planejaram para que o plano não desse certo. O Almirante Raymond Spruance ordenou que seis encouraçados fossem enviados para enfrentar o Yamato. Já o Almirante Marc Mitscher achou melhor um ataque aéreo, ficando a esquadra como plano de contingência.
Seguido por submarinos, que reportavam sua posição, o Yamato identificou o primeiro avião inimigo no radar às 10AM do dia 7 de Abril de 1945.
Foram três ondas de bombardeiros, mais de 400 aviões concentrados no Yamato, atacando preferencialmente de um lado, para forçar o navio a se inclinar e compensar com tanques de lastro, que deixariam o Yamato mais lento. Várias bombas atingiram as superestruturas, canhões eram tirados de operação, artilheiros morriam de todos os lados.
O Yamato resistiu bravamente, mas era uma luta perdida. Eram 14:02 PM e a ordem foi dada: Abandonar o navio. O retrato do Imperador foi recolhido, e os poucos sobreviventes se transferiram para os navios auxiliares que ainda estavam flutuando.
14:23 PM: O Yamato, inundado além de todos os limites, atinge 120 graus de inclinação e não para mais, invertendo-se. As torres dos canhões, cada uma pesando o mesmo que um destróier, se soltam, gerando um efeito de sucção que puxa muitos dos marinheiros que estavam na água. Subitamente o fogo atinge os depósitos de munição, e o Yamato explode, gerando uma nuvem em forma de cogumelo com 1/3 da altura da nuvem que seria vista alguns meses adiante, em Hiroshima.
Os americanos perderam 97 combatentes e 10 aviões. Dos 3332 homens a bordo do Yamato, somente 592 sobreviveram.
O Yamato foi o fim de uma era. Ficou claro que o poder aéreo era o fator dominante, não mais grandes navios com poderosos canhões. O Porta-Aviões, não o encouraçado era o Rei dos Mares. Yamato era o navio certo para a guerra errada, tanto que encouraçados foram fundamentais nos anos seguintes.
Na Guerra da Coréia o USS Missouri participou de várias missões bombardeando alvos em terra. Depois foi descomissionado e colocado na Frota de Reserva em 1955, mas em 1984 foi reativado, modernizado e disparou os primeiros tiros da Guerra do Golfo, em 1991. Hoje ele é um navio-museu, só usado eventualmente se precisamos destruir alienígenas, ou se o Steven Seagal pede.
O Yamato permaneceu intocado até ser descoberto em 1984, a 250Km de Kyushu, e 340m de profundidade. Hoje sua memória é preservada no Museu Yamato, em Kure, que também tem um modelo imenso, em escala 1:10 com incríveis detalhes.
Na cultura pop Yamato foi eternizado no melhor anime de todos os tempos, conhecido no ocidente como Patrulha Estelar.
Uma dica: O filme Otoko-tachi no Yamato, de 2005. É um drama contando os últimos dias do navio, so o ponto de vista de três amigos, e capta o normalmente esquecido lado humano dessas grandes batalhas.