Boas notícias: Talvez você não seja um fascista

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É uma velha discussão filosófica: Qual o limite da maldade? Qual a capacidade humana para o Mal? O Mal é uma influência externa? Será Lúcifer em nosso ombro sussurrando idéias ruins?

Por muito tempo essa foi a melhor explicação, mas um dia a Ciência descobriu a esquizofrenia, e as vozes foram explicadas, embora até hoje muita gente culpe o pobre diabo pelas bobagens que faz.

A Maldade, a crueldade vão muito além das mentes psicopatas, e mesmo quando o sujeito faz parte de algo ruim, não quer dizer que ele esteja comprometido até o fim.

Gostamos de achar que nazistas são malvados, e em geral são, mas em imensa maioria eles eram pessoas comuns, instigadas a atos malvados por gente realmente psicopata, e isso se mostrou um problema.

O Programa de Eugenia de Hitler

Eugenia estava na moda no começo do Século XX, e nem foi uma idéia original dos nazistas, surgiu nos EUA e envolvia esterilização compulsória de pessoas com deficiências mentais ou físicas, para melhorar a raça. Hitler resolveu ir mais além, e a idéia surgiu graças a um casal de alemães, que escreveu ao Führer pedindo clemência para terminar o sofrimento do filho.

O tal casal teve uma criança, Gerhard Kretschmar, que nasceu cego, com uma só perna, um braço só, sofria de convulsões e provável forte retardo mental. Os pais pediram ao médico por eutanásia, o médico explicou que era ilegal. Eles escreveram a Hitler, que se interessou, mandou seu médico particular investigar o caso, e acabou autorizando o procedimento.

Logo mais de 5000 crianças alemães em condições similares ou mais leves foram eutanasiadas, e o programa foi ampliado. Os nazistas começaram a exterminar adultos com doenças mentais ou deficiências físicas graves, mas isso se tornou problemático.

Os médicos não se sentiam confortáveis em matar esses pacientes. Alguns nazistas propuseram matar os caras por inanição, reduzindo aos poucos o fornecimento de comida, mas quando outros países da Europa, cheios de “indesejáveis” começaram a ser conquistados, o extermínio passou a ser feito via pelotão de fuzilamento, muito mais eficiente.

Exceto que nem mesmo a Wehrmacht era composta de jovens comuns, convocados pro serviço militar, e por mais que fossem bem treinados, fuzilar gente tortinha era pedir demais. Os casos de insubordinação começaram a se acumular, e pior, os de suicídio. Os soldados nazistas não conseguiam viver com a lembrança do que fizeram.

Acredite, exceto para uma minoria, isso não era fácil pra nenhum dos envolvidos.

Em alguns casos eles simplesmente se recusavam a cumprir ordens, como Otto Schimek, um soldado de 19 anos que foi ordenado a participar de um pelotão de fuzilamento de uma família polonesa, um pai, a esposa e dois filhos, culpados por cozinhar comida para o exército inimigo.

Otto não aceitou matar inocentes e foi ele mesmo executado por isso.

A prova maior de que os fuzilamentos não estavam funcionando veio em 1941, quando Heinrich Himmler, segundo em comando e arquiteto do Holocausto presenciou um fuzilamento e começou a vomitar.

Por causa disso foram criadas as Vans Especiais, que sufocavam os prisioneiros na traseira com monóxido de carbono, e mais tarde os campos de extermínio. Tudo para desumanizar as vítimas e separá-las de seus algozes.

As vans nazistas funcionavam tão bem para exterminar indesejáveis que Stalin copiou a idéia em seus expurgos mas disso a gente não fala, ok?

Somos Mesmo Malvados?

A grande questão é: Mesmo com os campos de extermínio atraindo as mentes mais psicopatas, e o resto dos soldados? Será que eles em sua maioria cumpriam ordens sem problemas? Alguns experimentos foram feitos para determinar isso.

Um dos mais famosos foi o Experimento de Milgram, criado por Stanley Milgram, Professor de Psicologia em Yale, 1961.

No experimento um voluntário ficava no controle de uma caixa que aplicaria choques sucessivamente mais fortes a outro voluntário, em outra sala, mas ligados por um dispositivo de comunicação.

O chefe do experimento faria uma pergunta ao voluntário oculto. Se ele errasse, levaria o choque, comandado pelo voluntário.

Na verdade, não havia choque, o sujeito na sala oculta era um ator, e fingia que o choque machucava. O objetivo era ver o quanto o voluntário estaria disposto a aplicar os choques, mesmo com o sujeito dizendo que estava doendo. Quando o voluntário hesitava, o professor insistia com autoridade para que ele apertasse o botão.

Um número considerável de voluntários foi até o fim, mesmo quando o voluntário parou de responder aos choques. Milgram havia provado que sob certas circunstâncias qualquer um poderia virar um carrasco, e a justificativa nazista “eu só estava obedecendo ordens” tinha seu mérito.

O Experimento de Stanford

Dez anos mais tarde, em 1971 outro experimento famoso ajudou a confirmar Milgram. Philip Zimbardo, famoso professor de psicologia contratou estudantes voluntários para um experimento elaborado.

Ele montou uma sala no porão da Universidade, transformando-a em uma mini-prisão, com celas, alojamentos pra guardas, etc. Os voluntários foram divididos aleatoriamente entre guardas e prisioneiros. Com ajuda da polícia local os prisioneiros foram buscados em casa durante a noite por carros de polícia.

Os estudantes “prisioneiros”.

Durante duas semanas eles ficariam na Cadeia de Stanford, com algumas regras básicas: Não poderiam ser fisicamente machucados nem sofrer privação de água ou comida. O resto valia.

Logo os guardas se uniram e começaram a apresentar comportamento sádico, assediando (no bom sentido) prisioneiros, privando os mais rebeldes de regalias como a melhor comida e se recusando a esvaziar os baldes que usavam como banheiro.

Os prisioneiros organizaram greves de fome, motins e se ressentiam dos prisioneiros que tinham a simpatia dos guardas. Esses por sua vez agrediam outros prisioneiros quando os guardas mandavam.

Estudantes em seus papéis de prisioneiro e guarda. Não ria.

A dinâmica se tornou idêntica a de uma prisão americana comum, comprovando que aquela relação doentia de poder surgia naturalmente, independente da personalidade dos participantes. Em dado momento os prisioneiros tinham sido punidos com a retirada de seus colchões, estavam dormindo no chão, e quando a namorada de Zimbardo visitou o experimento, achou tudo um absurdo, a ponto do projeto de duas semanas ser encerrado depois de seis dias.

O Experimento da Prisão de Stanford e o de Millgram são fundamentais para compreender a psiquê humana diante da Maldade, e como uma autoridade forte faz com que nos desumanizemos sem grandes problemas.

Só que não.

Há quem diga que psicologia não é ciência de verdade, e um dos argumentos mais fortes a favor é a chamada Crise de Replicação. Uma metapesquisa um tempo atrás descobriu que a imensa maioria dos estudos em psicologia aplicada são feitos com um N, o número de participantes muito baixo, há casos em que conclusões são emitidas depois de estudar seis pessoas.

Para piorar, essa imensa maioria de casos não é replicada, outros cientistas não repetem o experimento, e quando o fazem é bem comum o resultado ser bem diferente.

No caso do Estudo de Millgram 65% dos participantes aplicaram o choque final, mortal. A maioria demonstrou sinais de stress e nervoso com a situação, porém…

Durante o experimento sempre que o participante perguntava se era perigoso, o Professor dizia que o voluntário não sofreria dano permanente. Um dos participantes abandonou o experimento ao perceber que seria usado pra justificar nazistas.

Quanto aos participantes, uma pesquisa de 2012 da psicóloga australiana Gina Perry descobriu que somente 50% acreditavam que o experimento era real, e desses 66% se recusaram a aplicar o choque final.

Enquanto isso em Stanford

Philip Zimbardo era um psicólogo pop, o Experimento da Prisão em Stanford foi acompanhado pela imprensa, e ele teve a consultoria de Carlo Prescott, um ex-detento que ajudou a montar a estrutura, descreveu o funcionamento de uma prisão (Zimbardo nunca visitou uma penitenciária de verdade) e principalmente, descreveu as várias formas de punições que os guardas usavam, e foram adaptadas pelos guardas de Zimbardo, que preferiu sugerir que elas haviam sido criadas independentemente.

Os prisioneiros estavam mais preocupados com os estudos, haviam prometido que eles poderiam estudar para as provas, e isso foi proibido. No primeiro dia um estudante teve um “surto psicótico” que entrou para a pesquisa de Zimbardo, mas era uma péssima atuação, o cara só queria sair e havia esquecido a frase-chave pra encerrar o experimento.

I´m bad!!!

Quanto aos guardas, depois de conversar com Zimbardo eles começaram a se comportar de forma até caricata, exagerada, entregando o tipo de performance de Assim como os prisioneiros, que pareciam seguir uma cartilha, Os guardas de prisão eran bem-clichê, que era o que eles imaginavam que Zimbardo queria. Um deles, Dave Eshleman, apelidado pelos prisioneiros como John Wayne, chegou a falar imitando sotaque sulista, para parecer durão como Paul Newman em Cool Hand Luke.

Os guardas que não agiam de forma bruta eram corrigidos por David Jaffe, um estudante que fazia o papel de diretor da prisão.

Todo o experimento, que deveria demonstrar uma organização social natural derivada da natureza humana sob condições de pressão se tornou um imenso teatrinho.

Hoje os dois experimentos ainda são bem populares, mas as críticas se acumulam. Tanto as éticas quanto as práticas. Zimbardo tem sido usado por vontade própria como bode expiatório, inclusive participando da defesa dos acusados de tortura em Abu Graib, no Iraque, apontando que os soldados americanos se tornaram sádicos por causa do ambiente e da pressão do comando.

Isso é uma falta de respeito com todas as pessoas que não se deixam levar cegamente por ordens, e se recusam a praticar o Mal, mesmo que isso gere consequências.

Como o caso do Dr Hans Münch.

O Dr Hans Chucrute Münch era um nazista. Nazistão, nazistaço. Ele foi recrutado pela SS para ser cientista em Auschwitz, trabalhando junto com Mengele.

Ele, junto com outros médicos era responsável por selecionar quais prisioneiros seriam usados em experimentos. Ele se recusou. Quando foi obrigado a fazer experimentos, Münch, que era microbiólogo, fez longos e intermináveis experimentos, escolhendo pacientes que estavam fracos demais para trabalhar e teriam sido mandados para a câmara de gás.

A maioria dos experimentos de Münch eram inofensivos, e ele era adorado pelos prisioneiros e pelos médicos judeus que eram forçados a auxiliar os nazistas, como o Dr Louis Micheels, que recebeu de Münch um revólver, quando Auschwitz estava pra ser invadido pelos soviéticos e os alemães estavam em fuga.

Eva Mozes-Kor, sobrevivente do Holocausto, e o dr Hans Münch se reencontram em Auschwitz.

Münch foi chamado de “O Bom Homem de Auschwitz”, e quando 40 membros do campo foram julgados por crimes de guerra na Polônia, Münch foi o único abolvido.

Ele morreu em 2001, em meio a controvérsias, sofrendo de Alzheimer avançado ele estava bem racista, falando muitas bobagens sobre ciganos, mas mais que suas palavras, seus atos provam que mesmo diante da Maldade Pura, propagada por uma ideologia que você compartilha, um Homem pode determinar seus limites e se recusar a fazer parte daquilo tudo.

Por mais que um psicólogo recalcado diga que você é um fascista em potencial.

Fontes:


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