A incrível história do Tanque da Liberdade

Compartilhe este artigo!

A Checoslováquia não deu muita sorte. Foi o pivô da Segunda Guerra Mundial, quando a Alemanha tomou o Sudeto e o resto do mundo seguiu a “Política de Apaziguamento”, no melhor estilo “Olha, o Hitler só quer aquele pedacinho da Checoslováquia, vamos deixar ele ficar com o terreno, e teremos paz”.  Deu no que deu.

E sim, foi a exata mesma coisa com a Criméia, o Ocidente falou “Vamos deixar o Putin pegar a Criméia, assim ele fica satisfeito e não rola guerra”.  Se alguém ainda duvida da frase do Santayana, “Aqueles que não se lembram da História estão condenados a repeti-la”, é hora de parar de duvidar.

Anos sob domínio alemão, tendo o país literalmente apagado do mapa e dissolvido fez com que a Checoslováquia criasse uma saudável aversão a nazistas, então foi natural que nas eleições gerais de 1946 o povo migrasse para o espectro político oposto, elegendo um parlamento de esquerda e o comunista Klement Gottwald como Primeiro-Ministro.

Sim, é ele na janela. Praga, 1939.

Recuperar um país depois de uma guerra não é fácil, ainda mais com um governo comunista, que entende muito pouco de Economia e de como o mundo real funciona. Como resultado, o povo ficou bem insatisfeito, e as pesquisas indicavam que os comunistas seriam varridos nas urnas nas eleições gerais de 1948, dando lugar a um governo mais de centro.

Obviamente os comunistas não gostaram, e tomaram a decisão mais lógica na cabeça deles: Com ajuda de Stalin, deram um golpe, tomando o poder de vez e acabando com essa bobagem de democracia.

Manifestação comunista em Praga, algum tempo antes do Golpe.

Agora virtualmente parte da Cortina de Ferro, a Checoslováquia vivia sob mão de idem, e a pressão só aumentava. Polícia Secreta, controle de fronteira impedindo cidadãos de viajar ao exterior, censura, intervenção na economia com estatização de todas as empresas e mesmo pequenos negócios, pacote completo.

Isso deixou muita gente insatisfeita, inclusive um mecânico chamado Vaclav Uhlik. Ele viu sua oficina ser encampada pelo governo comunista, e decidiu que iria fugir de um jeito ou de outro.

Em 1950 Vaclav achou um sujeito que tinha um Sd.Kfz. 254, uma trapizomba nazista que era mais ou menos um veículo de transporte de tropas com tração híbrida, ele tinha rodas para trafegar em alta velocidade em estradas ou terrenos planos, e esteiras para locais mais difíceis.

Vaclav trocou um motor diesel pelo “tanque”, e iniciou um longo projeto de restauração e transformação. Seu grupo de conspiradores era composto de:

Sua esposa e os dois filhos

Walter Hora e Vaclav Krejciri – Dois soldados checos

Josef Pisarik – um jardinheiro e

Libuse Hrdonkova, uma moça que havia se casado com um soldado americano, Leonard Cloud. Eles se conheceram no final da Guerra. Ele voltou para Praga em 1949, quando se casaram, mas o visto dele expirou, e foram obrigados a se separar (fisicamente).  Libuse tentou fugir da Checoslováquia 20 vezes, para encontrar o marido. Obviamente ela não era muito boa em fugas.

Com um plano na cabeça, o grupo iniciou seu projeto, e no melhor estilo Top Gear, CUE THE MUSIC!

Por anos eles roubaram, compraram ou imploraram por peças para consertar o tanque, mas Vaclav, que era mais esperto que a maioria dos mecânicos, sabia que um tanque nazista chamaria a atenção rodando pelas ruas da Checoslováquia comunista, então além de consertar, ele modificou o veículo, para se parecer com um modelo antigo de tanque do exército checo.

Eles trabalharam no silêncio da noite, conseguindo esconder o tanque da polícia e autoridades, até que em 2 de julho de 1953, tudo estava pronto. O tanque estava pintado, folhagens de camuflagem foram instaladas, Vaclav, sua família e os outros conspiradores se amontoaram e eles seguiram para a fronteira da Alemanha Ocidental, a 60Km de distância.

A idéia era fazer com que o tanque parecesse uma unidade regular do exército, e deu muito mais certo do que eles imaginavam. Nenhum guarda parou o tanque, passavam por postos armados e no máximo eram olhados com curiosidade.

Mais perto da fronteira o tanque encontrou barreiras e arame farpado. Atropelando-as alegremente. Quando chegaram na divisa entre os dois países, os guardas checos não tiveram tempo de reagir, o Tanque da Liberdade atravessou com tudo, e seguiu adiante. A polícia da Alemanha Ocidental foi acionada, vai que era uma invasão soviética, e seis quilômetros depois, finalmente o tanque parou.

Vaclav abriu a porta, todos saíram, Libuse imediatamente pedindo para alguém telegrafar para seu marido em Iowa avisando que ela havia conseguido fugir.

A notícia da fuga milagrosa logo se espalhou pela mídia ocidental, e os refugiados tiveram seus pedidos de asilo aceitos em tempo recorde. Em agosto a revista Time publicou uma reportagem especial, em setembro todos já estavam em território americano.

Eles viraram celebridades, participando de programas de TV, rádio, dando entrevistas para a imprensa e fazendo palestras, com direito a paradas públicas, junto com o Tanque da Liberdade, como o veículo passou a ser chamado.

Sim, o tanque foi levado junto com eles para os Estados Unidos.

“Eu sabia que a vida ruim havia ficado para trás. Eu estava livre. Não era mais uma escrava. Eu era um ser humano novamente…” – Libuse Hrdonkova

Em tempos de Guerra Fria, os refugiados do Tanque da Liberdade eram uma boa propaganda anti-comunista, se bem que o simples fato de pessoas precisarem apelar para meios desesperados para fugir de um regime, já é propaganda mais que suficiente.

Vaclav, esposa e filhos.

Libuse Cloud morreu em 2012, aos 90 anos, tendo vivido a maior parte de sua vida em um país livre, com a vitória adicional de ver a democracia voltar para a Checoslováquia em 1989, com o fim da União Soviética, e mais tarde as divisões artificiais serem removidas e a República Checa e a Eslováquia se separando pacificamente, em 1992.

Já Vaclav Wally Uhlik teve uma história mais conturbada. Depois de algum tempo morando nos EUA, em 1974 sua esposa pediu divórcio, mas ele não quis sair de casa. A polícia foi chamada, e ele tentou fugir usando… um carro blindado que ele havia construído.

Desta vez não funcionou, a polícia atirou nos pneus, e Vaclav foi detido. Ele alegou que fugiu pois os comunistas estavam tentando matá-lo.

Ninguém sabe se era apenas paranóia, ou havia um plano real da KGB para eliminar dissidentes, mas em 10 de setembro de 1977 seu corpo foi descoberto enterrado no Sequoia National Park. Até hoje um crime sem solução, ninguém sabe se foi um serial killer, uma briga de bar ou um acerto de contas.

Vaclav não viu o fim do comunismo, mas onde quer que esteja, ainda riu por último.

Fontes:

  1. 1948 Czechoslovak coup d’état
  2. How do you break through the Iron Curtain? July 25, 1953: Riding the Czech “Freedom Tank” through the Iron Curtain
  3. CZECHOSLOVAKIA: The Wonderful Machine
  4. Daring Czech Is Found Dead
  5. Sd.Kfz.254



Compartilhe este artigo!