Ao contrário da Alemanha, a história dos judeus italianos durante a Segunda Guerra Mundial é bem mais descontrolada, e muita gente foi salva pela benevolência, incompetência e safadeza dos italianos.
A Itália, como todo mundo sabe, é uma espécie de Brasil que só deu certo porque começou cedo. Quando o movimento fascista assumiu o poder, eles criaram a cartilha que todo mundo passou a usar, com um detalhe:
Não havia nenhum componente anti-semita. Mussolini chegou a dizer em 1934 que
“Nunca houve anti-semitismo na Itália”
Claro, é mentira, mas a Itália estava longe de ser uma Alemanha, e judeus, assim como o Coringa viviam em uma sociedade. Estavam totalmente integrados, Mussolini dizia que os judeus romanos vinham do tempo dos antigos Reis de Roma. Eles ocupavam cargos públicos, posições de prestígio e inclusive podiam se filiar ao Partido Fascista. Vários eram membros entusiasmados.
Uma das amantes preferidas de Mussolini (is good to be the king), Margherita Sarfatti era judia, e o relacionamento durou de 1911 a 1938.
Claro, Hitler não gostava nada da forma com que Mussolini tratava os judeus italianos. Joseph Goebbels pessoalmente reclamou em seu diário, na falta de um blog:
“Os italianos são extremamente relaxados na forma com que tratam os judeus. Eles protegem os judeus italianos em Tunis e na França Ocupada, e não permitem que eles sejam convocados para trabalhos forçados ou obrigadoa a usar a Estrela de Davi”.
A situação começou a degringolar em 1938, quando sob pressão, o governo italiano publicou o Manifesto da Raça, um conjunto de bobagens racistas transformadas em Leis, restringindo casamento entre judeus e não-judeus, removendo a cidadania italiana de judeus, proibindo que trabalhassem… no papel as tais Leis eram mais duras que as Leis de Nuremberg, promulgadas na Alemanha Nazista.
Na prática, nenhum judeu foi preso e deportado para campos de concentração, como a Alemanha queria. Um membro do Partido Fascista reclamou com Mussolini que seus amigos judeus estavam passando dificuldades. Mussolini respondeu:
“Eu concordo com você totalmente. Eu não acredito nem um pouco nessa estúpida teoria anti-semita. Eu estou promovendo essas ações totalmente por razões políticas”
Basicamente ele queria ficar nas graças de Hitler e mesmo sem ter nada contra eles jogou a população judaica debaixo do ônibus. Mussolini, se me permitem a opinião polêmica, não era uma pessoa boa.
Por outro lado, a imensa maioria da população italiana também não tinha nada contra judeus, tinha até alguns amigos que eram, mas isso não foi o suficiente pra se mexerem, até 1943, quando a Itália mudou de lado e foi prontamente invadida pela Alemanha.
O Gueto de Roma foi duramente atacado, milhares de judeus foram deportados. Só em 16 de Outubro de 1943, 1023 judeus foram mandados para Auschwitz. 16 sobreviveram.
Surgiu um movimento natural para esconder judeus dos nazistas, e um dos mais criativos meios foi inventado pelo Professor Giovanni Borromeo e o Dr. Vittorio Emanuele Sacerdoti.
O Professor Borromeo era médico-chefe do Ospedale Fatebenefratelli, um hospital fundado em 1585, que ficava em uma ilhota no Rio Tibre, e a menos que tenha criado pernas, ainda fica.
Ele também fica pertinho do Gueto de Roma, e das janelas dava pra testemunhar as atrocidades dos nazistas, o que não descia na garganta de ninguém, nem do Professor Borromeo, nem do Padre que era Diretor, nem de Sacerdoti, que era judeu mas estava usando documentos falsos.
Os nazistas de vez em quando daram uma geral no hospital, inclusive prendendo um grupo de judeus poloneses escondidos em uma sacada, então quando os judeus do gueto começaram a aparecer pedindo ajuda, era preciso escondê-los de forma mais eficiente.
Não se sabe qual dos envolvidos teve a idéia primeiro, mas os judeus foram instalados em uma ala, com nomes falsos, com extremo isolamento. Eles teriam uma tal Síndrome K, que provocaria sintomas terríveis, desfiguramento, era altamente fatal e contagiosa. Quando os nazistas apareciam, Sacerdoti ou Borromeo os levavam para a ronda pelo hospital, e quando chegavam na ala da Síndrome K, já tinham descrito os sintomas. 100% das vezes os nazistas declinavam a oferta para vistoriar a enfermaria.
O K do nome da doença fake veio de Albert Kesselring, comandante das Forças Nazistas na Itália.
Havia o temor entre os soldados que a tal Síndrome K fosse algo como câncer ou tuberculose, então quando entraram em um quarto onde Luciana Sacerdoti, de 10 anos e prima do Dr Sacerdoti estava, ela começou a tossir, como instruída, e os soldados da Raça Superior viraram nos calcanhares e saíram correndo.
O pessoal do hospital ficou tão ousado que organizaram um núcleo da Resistência e instalaram um rádio clandestino, mas quando perceberam que estavam prestes a ser localizados, jogaram o equipamento no rio.
Ninguém sabe quantas vidas eles salvaram. Os judeus em geral ficavam algumas semanas e eram realocados clandestinamente, para conventos ou outros locais seguros. Por dois anos os nazistas foram devidamente enganados, nunca perceberam que estavam sendo feitos de bobos.
Em 4 de Junho de 1944 os Aliados ocuparam Roma, e a Síndrome K magicamente deixou de existir, mas a lembrança dos feitos dos médicos e equipe do Fatebenefratelli nunca foi esquecida pelos judeus que eles ajudaram, mas os próprios médicos, nunca comentaram o caso.
Só em 2004 o Dr Sacerdoti contou a história. No mesmo ano Borromeo Giovanni recebeu postumamente do Estado de Israel o título de Justo Entre As Nações, dado a gentios que tenham se sacrificado ou arriscado para salvar a vida do povo judeu.
Fontes:
- The Righteous Among the Nations Database
- When Jews Praised Mussolini and Supported Nazis: Meet Israel’s First Fascists
- Joseph Goebbels complains of Italians’ treatment of Jews
- THE JEWS IN MUSSOLINI’S ITALY
- The Fascists and the Jews of Italy
- Italian doctor who fooled Nazis
- An Italian doctor explains “Syndrome K,” the fake disease he invented to save Jews from the Nazis
- K Syndrome, the Disease that Saved