Esse é um daqueles pequenos causos que escorregam das páginas dos Livros de História, mas são preservados nas conversas de bar, nos papos entre veteranos e nos blogs em geral.
Tudo começou em 1944, quando Bill Norris comandava um B-24 Liberator do 453º Grupo de Bombardeiros do Exército dos EUA.
O B-24 era um avião bem decente, com 11 tripulantes e capacidade de 4 toneladas de bombas, dependendo da missão. Ele era usado em patrulhas anti-submarino e missões de bombardeio em terra, e em uma dessas missões, rumo à Alemanha que nosso amigo Bill Norris se viu encrencado.
Durante os preparativos um dos mecânicos achou um problema no avião. Bill e seus homens tiveram que pegar um reserva, que apresentou problemas no suporte de bombas, trabalharam a noite toda para resolver, pois era imperativo que eles fossem os primeiros a decolar, pela manhã.
Na correria conseguiram reparar o avião, decolaram no horário, mas imediatamente Bill percebeu algo errado. Os instrumentos simplesmente não funcionavam, mas o avião estava voando bem, subindo a uma razão decente, então não havia nada de errado com os motores.
Normalmente o procedimento seria voltar pra base, mas aquele B-24 em questão era um batedor. Ele deveria guiar os outros 25 aviões até o alvo, e marcá-lo com bombas de fumaça (além de bombas de verdade, afinal ir até a Alemanha e não matar chucrutes é como ir a Roma e não ver o Papa).
Não foi muito difícil diagnosticar o problema; aquele tipo de falha era um caso didático de problema com os tubos de pitot, isso aqui:
Tubo de Pitot é um equipamento inventado no começo do Século XVIII pelo engenheiro francês Henri Pitot, é parte de um sistema para medir pressão hidrostática em fluídos.
O sistema consiste de um tubo paralelo ao fluxo do fluído, e outro funcionando como uma porta estática. Usando as equações de Bernoulli, é possível calcular velocidade do ar, e com mais um pouco de matemática consegue-se determinar também altitude e taxa de subida ou descida.
Todas essas informações são fundamentais para navegar o avião, e para que o bombardeiro consiga calcular com precisão o local e momento exato para soltar as bombas sobre o alvo.
O problema com tubos de Pitot é que insetos adoram se alojar nesses tubos quentinhos e isolados, e os entopem. Para evitar isso, todo avião tem uma capinha, tradicionalmente vermelha. É função dos tripulantes recolher as capinhas antes de cada vôo, mas……..
O B-24 que eles estavam usando era um modelo H, diferente do que Bill e seus tripulantes estavam acostumados. Controles e painéis eram diferentes, e principalmente, a posição dos tubos de pitot na fuselagem eram diferentes, por isso o encarregado olhou para a posição, não viu a capinha, entrou no automático e achou que já tinham recolhido.
Agora começa a parte MacGyver.
Chris, o engenheiro (que é como chamam o mecânico quando precisam REALMENTE que ele resolva o problema) teve uma idéia. Consultando os manuais do B-24, ele descobriu a posição exata onde estava instalado o tubo de pitot.
Pegando suas ferramentas, ele foi até o compartimento do bombardeiro, pediu licença e começou a abrir um buraco na parede do avião, com martelo e cinzel. Felizmente alumínio não é muito resistente, então rapidamente ele criou um orifício de tamanho considerável, suficiente para enfiar o braço, tatear um pouco e puxar as capinhas dos tubos de pitot.
No cockpit, magicamente, como em um filme de Hollywood os instrumentos todos voltaram à vida. Agora tinham com precisão a taxa de subida, altitude e velocidade. Parar azar dos chucrutes, eles prosseguiram com a missão e voltaram para contar a história, só que não.
Legalmente é errado danificar um equipamento que é propriedade do Exército dos EUA, algum burocrata com certeza acharia cheio de culpar a tripulação, e até punir Bill e Chris. Então eles fizeram o óbvio:
Fecharam o bico, ninguém reportou o incidente, e o buraco foi marcado no livro de bordo como dano causado pela artilharia antiaérea inimiga.
Ces’t la guerre.