De Roma às três conchas: Como a História quase se esqueceu do Número 2

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Em um estudo de 2019 foi constatado que dos 1.868 municípios participantes, somente 85 ofereciam serviços de saneamento básico adequado. 251 ficaram com a nota mínima. Segundo o IBGE, mais de metade dos municípios brasileiros não tinham plano de saneamento básico. Em 2017.

Mais de 2000 anos atrás Roma era um exemplo para o mundo. Mais de 14 aquedutos levavam água para a maioria das casas, que tinham linhas de esgoto com tubulação de terracota (algumas funcionam até hoje) ligadas à Cloaca Maxima, um canal de esgoto criado em 600AC, que recolhia dejetos das casas e água excedente dos aquedutos, despejando tudo no Rio Tibre.

Saída da Cloaca Maxima. Não, não está mais em uso.

Tá, os romanos não tinham estações de tratamento de esgoto mas a maioria das nossas cidades também não tem.

Outro serviço disponível para os romanos e que nós, em 2020 não temos no Brasil: Banheiros públicos. Quer dizer, até temos, a prefeitura do Rio instalou uns troços chamados Unidade de Fornecimento de Alívio (UFA) que são basicamente um tapume de metal com um mictório, que claro não é instalado direito e é cercado por uma poça constante de urina fétida.

Ao contrário do Rio de Janeiro, as cidades romanas tinham banheiros públicos, alguns pagos outros gratuitos, com direito a água corrente, ambiente decorado e aquecimento central.

Os banheiros eram coletivos e sem gênero (sem lacração os romanos só não tinham frescura), tinham água corrente nas latrinas e pias para o sujeito lavar a mão.

Aqui a coisa começa a ficar complexa. A gente conhece a geografia e a arquitetura dos banheiro romanos, vários existem até hoje, mas o dia-a-dia de seu funcionamento, é outra história.

Dizem que a história é escrita pelos vencedores, o que é um mito, mas mesmo quando temos várias perspectivas, a história tende a favorecer, bem… fatos e figuras históricas. Temos as perspectivas dos reis e das nações, mas o feijão com arroz, não era documentado.

Aprendemos muito de roma estudando seu lixo e pichações, descobrindo informações que não existiam nos livros de história, mas e quando é algo tão trivial, tão comum que ninguém se dá ao trabalho de documentar?

Como por exemplo: Como os romanos limpavam a bunda.

Papel, não existia, só seria inventado na China, por volta de 2AC e só seria barato o suficiente para ser usado como papel higiênico em 6DC.

A cavidade embaixo do assento indica que alguma ação deveria acontecer por ali. Arqueólogos especulam que nos banheiros mais pobres o pessoal usava as mãos e depois se lavava numa pia, mas não parecia uma explicação 100% satisfatória.

A resposta, em todas as cartas,livros, manuscritos, relatórios e documentos que os romanos deixaram para trás aparece em uma única fonte: Uma carta de Sêneca, na qual ele descreve o suicídio de um gladiador:

Em uma escola de gladiadores de feras havia um Alemão, se preparando para a exibição matinal; ele saiu para se aliviar -o único momento em que era permitido ficar sozinho sem a presença de um guarda. Enquanto se aliviava ele pegou o bastão de madeira, com uma esponja na ponta devotado aos fins mais vis, e enfiou garganta abaixo, bloqueando sua traquéia, ele sufocou até a morte.

A tal esponja tem nome, tersorium.

Algumas pessoas tinham seus próprios tersoria (ahá! Eu sei latim! Romane Ite Domum!) mas a grande maioria dividia o tersorium do banheirão, que era limpo em um balde com água com sal e vinagre. Claro, os romanos não tinham conhecimento da teoria dos germes, que de qualquer jeito é apenas uma teoria então a tal mistura era um maravilhoso caldo de cultura para bactérias.

Em outros lugares os métodos de limpeza eram diferentes. O Japão do Século VIII por exemplo usava uma tecnologia de origem chinesa bem popular, um negócio chamado… chūgi, ou “bastão de bosta”.

Eram espátulas, de madeira ou bambu usadas para raspar a caca do fiofó do sujeito, e tinham cantos arredondados para alcançar aonde o fio dental não alcança. Isso mesmo, o chūgi era para uso externo e interno. O sujeito enfiava até onde achasse conveniente e puxava pra fora o material.

Você nunca mais vai reclamar de papel-higiênico de rodoviária, né?

Diversidade….

Raramente uma cultura utilizava somente um método de limpeza. No Japão e China usavam água, papel velho, chūgis, panos de seda… já em Roma uma alternativa ao tersorium era isto aqui:

O nome disso é pessoi, é descrito no artigo Toilet hygiene in the classical era, de Philippe Charlier, Luc Brun, Clarisse Prêtre e Isabelle Huynh-Charlier. São literalmente cacos de telha, ou mais provavelmente de ânforas. As bordas são polidas para ficarem arredondadas e não machucarem desnecessariamente as partes, os usuários raspavam o excesso de caca com elas, e jogavam em uma pilha, às vezes dentro da latrina, pra tristeza do escravo que tinha que limpar tudo depois.

Alguns historiadores especulam que os pessois vieram das ostrakas gregas, pois foram encontradas contaminadas por material fecal. E aqui a história começa seu plot twist.

Óstrakon era o nome de caco de ânfora, material que se achava em qualquer pilha de lixo, e servia de rascunho.

A Grécia Antiga era o sonho dos lacradores, eles elevaram o Cancelamento a uma forma de arte. Todo ano faziam uma votação aonde os cidadãos votavam em quem deveria ser banido de Atenas por dez anos. Essa votação usava como cédulas as ostrakas, aonde o eleitor ou um oficial escreviam o nome do candidato ao -você já sabia disso- ostracismo.

Quem tivesse mais votos, com um quórum mínimo de 6000 tinha dez dias para abandonar a cidade, e se voltasse a pena era a morte. Mais ou menos como querem fazer com quem usa fantasia de índio no Carnaval.

Um velho ditado grego diz “três pedras são suficientes para limpar a bunda”, ou três ostrakas.

O termo tem outros significados. Um óstrakon pode ser “pote de cerâmica, fragmento de pote, concha de molusco ou tartaruga”. E qual palavra moderna deriva de ostrakon? Em inglês, Oyster, em português… Ostra.

Pois é. Milhares de anos atrás os gregos já usavam as três conchas e você ainda cheio de dúvidas…



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