A arma que matará Putin está em seu bolso!

Compartilhe este artigo!

Imagine que você é um afegão médio no Egito dos Faraós. O ano é 1274 Antes de Cristo. Como você é um excelente fabricante de tijolos, não foi convocado para lutar contra os Hititas na Batalha de Kadesh, no que hoje é a Síria.

As informações que chegam são raras e controladas. Relatos de soldados que voltam para casa são esporádicos, e só se espalham no boca-a-boca. Arautos reais lêem as notícias oficiais nas esquinas da cidade. 

A não ser quando você está sendo invadido, a Guerra é algo distante e abstrato. 

Sim, histórias são contadas, épicos são criados, heróis são exagerados e revitalizados a cada nova versão de suas histórias, gradualmente a realidade se mistura com a lenda, e não sabemos mais o que realmente aconteceu. 

Afresco egípcia da Batalha de Kadesh

Mesmo historiadores se deixavam levar pela fantasia, os números das antigas batalhas eram sempre exagerados.  Hoje é virtualmente impossível separar verdade de lenda sobre a Guerra de Tróia, por exemplo.

Viajando um milênio no futuro, temos Roma, onde mais uma vez guerras em terras distantes. Sem visitar pessoalmente nenhum cidadão de Roma viu uma paisagem na Gália, ou na Bretanha. Cartas e livros contavam sobre as guerras e as terras distantes. Havia até guias de turismo que em tempos de paz eram usados por cidadãos ricos que viajavam e visitavam as províncias. 

Era algo tão moderno que nem é mostrado em filmes, por parecer inverossímil, mas no Egito havia um grande mercado de souvenires, com miniaturas de pirâmides e esfinges, alegremente compradas por viajantes de outros países. 

Pela maior parte da História Humana, a realidade da guerra era conhecida por poucos. Guerras às vezes eram testemunhadas por escritores, que faziam seus relatos, mas, em geral eram escritos anos depois dos conflitos, e publicados em livros de circulação reduzida. Para que mais gente tivesse acesso a esse tipo de informação, era preciso a invenção da impressão com tipos móveis, por Gutemberg, em 1405. 

Mesmo assim o primeiro jornal,  Relation aller Fürnemmen und gedenckwürdigen Historien, só apareceu em 1605, com periodicidade semanal. Já no Século XVIII era mais comum relatos de guerras nos periódicos, mas sempre extremamente defasados, o cidadão da Londres de 1750 não tinha muito mais informação sobre uma guerra na Abissínia do que um cidadão de Cartago em 870AC.

A tecnologia de impressão com tipos móveis sobreviveu por séculos. O New York Times só a foi abandonar em julho de 1978.

Somente no final do Século XIX o mundo conheceu seu primeiro correspondente de guerra moderno, William Howard Russell. Ele passou 22 meses na Guerra da Crimeia, que começou em 1853. Russell era um irlandês beberrão (perdoem o pleonasmo) que fumava feito uma locomotiva, falava palavrões e contava piadas suas. Ele era o tipo ideal pra se juntar aos jovens soldados, que contavam tudo que ele queria ouvir ou perguntava.

Ele escrevia para o Times, de Londres, e seus relatos da Guerra da Crimeia diferiam enormemente dos relatos oficiais. Ele contava sobre as epidemias de cólera, as mortes desnecessárias, soldados chorando por suas mães, falta de recursos, hospitais de campanha quase inexistentes.

William Howard Russell, Crimea, por volta de 1854.

Russell havia sido colocado em uma lista afro-americana pelo alto-comando, oficiais eram proibidos de falar com ele, mas ele sempre conseguia alguém pra abrir o bico em off.

Aqui, um trecho do texto sobre ele em meu excelente livro O Buraco da Beatriz:

“Seus relatos chegavam à Inglaterra via telégrafo, em poucos dias. Em 1854 os franceses estenderam uma linha até a costa do Mar Negro. O tempo foi reduzido para dois dias. No ano seguinte um cabo submarino inglês, ligando Kalerga, na costa da Bulgária, percorrendo 301 milhas (ca. 484 km) até o Monastério de São Jorge, na Crimeia.

Um ano antes, como conta um artigo de 1855 da Scientific American, a comunicação entre Londres e Crimeia levava semanas. “Agora”, segundos. O efeito foi muito maior do que o Governo Inglês podia imaginar. A população passou a ter acesso a relatos diários dos combates.

Não havia mais tempo para romancear e maquiar as ações. Os mortos mais famosos eram mencionados, e a guerra atingiu a população como uma V2. (too soon?) Reforçando as palavras de William Russell, iam as imagens de Roger Fenton, considerado o Pai da fotografia de guerra. 

Sua vida era mais complicada, pois seus equipamentos na metade do Século XIX eram uma carroça. Literalmente. Usando placas de vidro cobertas de substâncias fotossensíveis que exigiam vários minutos de exposição, banhos químicos e outras tralhas, Fenton usava uma carroça fotográfica para andar de um lado para outro. Mesmo assim seu trabalho é sublime: 

A realidade da guerra afetou a população E boa parte do parlamento. Perguntas eram feitas, respostas não-convincentes de acumulavam, investigações eram iniciadas, inclusive envolvendo o caso da Brigada Ligeira, onde uma tropa inglesa a cavalo brandindo sabres atacou toda a artilharia russa, sendo obliterados no processo.

O Primeiro- Ministro, George Hamilton-Gordon acabou caindo, curiosamente não pela guerra ser algo horrível, mas por estarem… perdendo. Dos dois lados a população torcia, acompanhava avidamente e queria ver seus rapazes saindo vitoriosos.

Ao final o Império Russo perdeu. Como reparação abriram mão de seus territórios no Império Otomano e em outras regiões e, em troca, ganharam Sevastopol e outras cidades, basicamente a região da Crimeia.“

Parece simples, mas o povo nunca tinha visto a guerra distante tão de perto.

Depois disso os governos perceberam o perigo de uma imprensa livre, e passaram a regulamentar fortemente o trabalho de correspondentes de guerra. Reportagens eram censuradas e verificadas, laboratórios oficiais revelavam os rolos de filme dos fotógrafos e censores escolhiam quais fotos liberar. Textos só eram transmitidos depois de aprovados.

Até mesmo a correspondência dos soldados era examinada, na Segunda Guerra Mundial nenhuma carta entre a Europa e os EUA era transportada sem ser devidamente lida e censurada, com caneta preta tampando informações sobre movimentação de tropas, baixas e quaisquer dados que pudessem afetar a moral do povo nos Estados Unidos.

Não tinha stress, a censura era oficial e aberta.

A imensa maioria dos filmes jornalísticos da Segunda Guerra, de todos os lados, são encenações, feitas após a batalha. Também os sons são quase sempre refeitos, câmeras de 16mm não gravavam áudio, era preciso um gravador de fio, grande e desajeitado e quase ninguém usava. 

Esse controle das informações acabava funcionando não só para manter alto o moral do povo, mas permitia algo impensável hoje em dia: Ataques-Surpresa.

Na véspera do ataque a Pearl Harbor, o Japão estava promovendo a idéia de uma conferência de paz e prosperidade com os Estados Unidos. Todo o trabalho preparatório para o ataque, incluindo ensaios dos ataques com torpedos em uma reprodução da base americana, em uma ilha remota no Japão, tudo foi feito em segredo.

Japas FDP… (no contexto pode xingar!)

Ninguém comentava, a imprensa era instruída a não escrever um “あ” sobre qualquer movimentação anormal de tropas, e nem vou contar como os satélites americanos eram ruins em 1941. 

Fevereiro de 2022. Após meses de movimentação de tropas russas, para surpresa de ninguém exceto a militância de esquerda, Vladmir Putin invade a Ucrânia. Ninguém contou, todo mundo viu. O mais humilde zé das couves viu em seu celular das Casas Bahia a invasão, com melhor resolução do que o mais caro satélite bilionário do Pentágono.

Ka52 “Alligator” russo abatido. A Rússia negou enquanto pode, mas nem toda a máquina de propaganda de Moscou consegue negar uma foto feita por um ucraniano anônimo.

Algo impensável no passado está acontecendo: A guerra está sendo contada não pelos vencedores ou perdedores, não pelos governos ou jornalistas. A guerra está sendo narrada ao vivo e a cores pelo povo e pelos soldados indisciplinados que adoram subir vídeos pro TikTok.

Chega a ser hilário ver os Snowdens da vida apavorados com a idéia do mundo virar refém do Big Brother, quando o que vemos são pessoas comuns tomando controle da Narrativa, apoiados por movimentos como os analistas de Inteligência Open Source, jornalistas, técnicos e entusiastas que muitas vezes escrevem para veículos tradicionais, mas compartilham seus dados online.

Através deles temos geolocalização de operações, uma única foto é suficiente para localizar o ponto exato no mapa onde foi tirada. Entusiastas de SDR (Software Defined Radio) estão monitorando canais de comunicação russos e postando online.

Outro dia uma thread se popularizou, onde o sujeito analisou o estado dos pneus dos veículos russos e deduziu quanto tempo eles tinham ficado parados. 

Um vídeo russo mostrando um caça fazendo um ataque foi desmascarado, pois descobriram fotos de destroços do mesmo avião, abatido dias antes. Temos pessoas compartilhando informações em uma velocidade que nenhuma máquina estatal consegue conter. Há câmeras transmitindo ao vivo de Kiev e várias outras cidades ucranianas. Antes da CNN, antes do Pentágono, antes de Putin você consegue ouvir quando as sirenes de ataque aéreo soam, e é apavorante.

Antigamente dizia-se que a revolução não seria televisionada, o que não contavam é que a televisão se tornaria irrelevante por si só. Temos, sim, muita propaganda e muita mentira nas redes sociais, mas também tempos gente confiável filtrando informação. Mais ainda, até os líderes estão usando esses recursos.

Winston Churchill ficou famoso por mobilizar o povo britânico com seus discursos, imagine se ele tivesse acesso a um youTube da vida. Para sorte da Ucrânia Volodymyr Zelenskyy é um sujeito que tem experiência em vídeo, então ele está fazendo um ótimo uso das redes sociais, mas o mais forte está vindo do povo. 

Dois vídeos em especial: Primeiro, a jovem violinista em um abrigo anti-bombas:

O segundo é uma menina também em um abrigo, cantando Let It Go.

Esse vídeo criou mais empatia, mais solidariedade, mais sensação “Eles são um de nós” que toda a propaganda oficial, de qualquer lado.

Claro, nem tudo é Disney nessa guerra, e as pessoas também estão compartilhando vídeos horrendos mostrando o resultado de toneladas de explosivos atingindo civis inocentes, algo que a gente já via nos vídeos da Síria e do Afeganistão, mas sendo honesto, quando é um vídeo carregado de propaganda, cheio de música forçada e logos de entidades combatentes, a empatia não é tão grande.

Do lado dos generais, eles devem estar desesperados. Já era complicado lidar com os serviços de reconhecimento do inimigo, com aviões, drones e satélites. Agora cada civil, e até mesmo seus próprios soldados é uma fonte de informação em potencial.

Não existe mais elemento-surpresa, não existe mais operações-fantasma. Não dá mais para negar que suas tropas estiveram em um lugar, se há vídeos comprovando isso. 

Hoje vemos as mentiras de Vladmir Putin sendo desmentidas ao vivo. Quando ele falou que não estavam atingindo alvos civis, um monte de gente repassou para os veículos de comunicação russos os vários vídeos demonstrando o contrário.

Os primeiros campos de concentração nazistas surgiram em 1933. Quando as atrocidades começaram a se acumular, e em 1942 foi decretada a Solução Final, o extermínio em massa de judeus e outros indesejáveis, já havia um razoável número de relatos. 

Prisioneiros fugiam, eram levados para a Inglaterra pela Resistência, e contavam as atrocidades que presenciaram, mas era opinião quase unânime que eles estavam exagerando bastante e tentando forçar uma reação por parte dos Aliados.

Sem prova nenhuma além da própria palavra, os refugiados tiveram que esperar até 1944, quando os primeiros campos de concentração começaram a ser liberados. Imagine se tivessem acesso a câmeras digitais e celulares, imagine se guardas com consciência (sim, sempre existe um) filmassem escondidos as atrocidades, e soltassem para o mundo. 

As forças aliadas obrigaram civis alemães das cidades próximas a percorrer os campos de concentração e testemunhar as atrocidades que eles alegremente fingiam que não tinham idéia que aconteciam.

Isso seria o suficiente para desestabilizar o regime. Por isso Vladmir Putin baniu quase todas as redes sociais na Rússia, e sua polícia está inspecionando aleatoriamente celulares de pessoas na rua. 

Por isso também não existe internet na Coréia do Norte, e acesso a celulares é extremamente controlado, o que afetou profundamente a fuga de Lee Soon-ok. Ela é uma ex-funcionária do governo acusada de alguma atitude desonesta. Ela foi presa, torturada por meses e convencida a confessar sob a promessa de que o Governo não iria punir o marido e o filho dela.

Lee foi mandada para o Campo de Concentração de Kaechon, onde ficou por seis anos. Depois de libertada, ela fugiu para a China com o filho, e se dedicou a contar tudo que viu lá.

O relato é depressivamente familiar. Estupros constantes, tortura, execuções, infanticídio, testes de armas químicas e biológicas em prisioneiros, etc, etc. Em Kaechon há em média 6000 prisioneiros. Kaechon é um dos 16 campos de concentração na atual Coréia do Norte.

O mundo sabe, aos menos os Estados Unidos e a Europa sabem, mas as pessoas comuns só tem acesso aos relatos de Lee Soon-Ok em seu livro, Os Olhos Dos Animais Sem Cauda. Sem “provas” visuais, não há reação.

Ao ser transferida de uma cela para outra, ela viu seis mulheres grávidas deitadas no chão de concreto dando à luz bebês que deveriam ser natimortos. “O veneno foi injetado nos bebês”, lembra ela. “Após a injeção, as mulheres grávidas sofreram uma dor tremenda até os bebês nascerem mortos cerca de 24 horas depois.

“Milagrosamente, alguns dos bebês nasceram vivos. Choravam como bebês normais. Quando um bebê vivo nasceu, um oficial médico disse aos prisioneiros médicos: ‘Matem! Essas criminosas não têm o direito de ter bebês. O que você está fazendo? Mate-o agora mesmo!’

Dizem que a Coréia do Norte vive no passado, e ao menos dessa vez, eles estão se aproveitando desse buraco negro tecnológico, que a protege do livre fluxo de informação.

E informação é a arma que os tiranos mais temem. Quer fazer Vladimir Putin, ou aquele idiota que quer ser presidente mais uma vez (viram o que fiz aqui?) tremer? Não aponte um AK47 pra eles. Aponte um celular.


Compartilhe este artigo!