Top Gear, quando a lacração da BBC saiu pela culatra

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Lacração é como gente normal chama a militância descontrolada. É uma radicalização das causas, gerando um patrulhamento neurótico que faz um lado chilicar contra uma simples bitoca entre duas mulheres em uma animação como se fosse Azul É a Cor Mais Quente, e o outro lado profetizar campos de concentração pra LGBTs porque a Disney cortou uma cena de um filme pra passar no Oriente Médio.

A lacração tem um lado extremamente nefasto, esse tipo de patrulhamento, onde você acusa todo mundo que não fecha 100% com seu discurso de nazista/fascista/comunista/satanista cria uma profunda antipatia pelas causas, que em geral são nobres e justas.

Assim como as corporações que produzem produtos de consumo, a mídia também embarcou no discurso fácil de “abraçar” causas sociais, faturando em cima do Pink Money, então como um bom relógio vemos a preocupação social corporativa seguir o calendário. Em Fevereiro são todos anti-racistas, em junho apóiam a causa LGBT desde criancinhas, em abril autismo is beautifull.

A não ser quando afeta o bolso, aí vale a máxima quem lacra não lucra.

No Instagram vejo bem isso, as assessorias folheiam o calendário, descobrem que hoje é dia da tartaruga albina da cisplatina. Alguém corre, escreve um textinho, e a celebridade, que nunca viu uma tartaruga albina da cisplatina na vida faz um post emocionado sobre o bicho. No próximo está no jatinho pra Cancun e nunca mais vai tocar no nome do tal batráquio.

A mídia é pior, a mídia adora cobrar diversidade, inclusão, etc, sem dar exemplo, mas pior ainda é quando resolvem dar exemplo sem entender seu público e seus próprios programas.

O antigo Top Gear era um programa  sobre carros lançado em 1977, originalmente apresentado por Angela Rippon e Tom Coyne. Apesar de razoável sucesso, o programa só começou a crescer em 1988, com a entrada de Jeremy Clarkson, que trouxe um tom irreverente e cínico ao programa, que era bem chapa-branca.

Clarkson começou como repórter do Top Gear, depois apresentador, até sair em 2000. Em 2001, com audiência caindo, Top Gear foi cancelado, apenas para voltar em 2002 totalmente reformulado, nas mãos de Clarkson e Andy Wilman.

Esse novo Top Gear na segunda temporada estabeleceu o icônico trio de apresentadores: Jeremy Clarkson, Richard Hammond e James May, cada um com características próprias e total desprezo (fake) pelos outros dois.

Ao invés de ser um programa de utilidade pública cobrindo mercado automobilístico, o novo Top Gear era uma declaração de amor ao automobilismo, ao nonsense, à camaradagem. Eles um dia transformavam uma pick-up da Toyota em um barco e atravessavam o canal da Mancha, no outro faziam uma corrida entre um trem, uma moto e um carro.

Principalmente, Top Gear não era mais um programa para fãs de carros, era um programa para fãs dos três idiotas que se metiam em encrencas, tudo dava errado, mas no final dava certo.

Originalmente Top Gear se passava no Reino Unido e adjacências, mas com o aumento de popularidade veio o aumento de verba. Logo eles estavam viajando pelo mundo, e mostrando países que você não veria em nenhum outro programa. Eles conseguiram achar verdadeira beleza em Botswana, Vietnã e até mesmo Ruanda.

Só que a BBC não gostava. Quer dizer, do dinheiro ela gostava, Top Gear era sucesso mundial, passava praticamente no mundo todo menos na França, foi licenciado para versões locais em 8 países, mas Clarkson não era… controlável.

Botswana. Sim, tem lugares lindos por lá.

Ele fazia piadas com todo mundo, como todo bom inglês. E isso não se faz na BBC dos politicamente corretos anos 2000. Não importa que os próprios ingleses sejam alvos da maioria das piadas, ou que o programa promova ativamente a beleza e a cultura de países que ninguém mais dava bola.

Clarkson era contra ciclistas, não ligava para aquecimento global (depois mudou de idéia) e era francamente anti-governista, o que não pega bem trabalhando numa estação estatal. A BBC também não engolia os especiais onde os apresentadores faziam corridas de carros contra transporte público, e na maioria das vezes os carros venciam.

Quando acusavam o Top Gear de ser politicamente incorreto, preconceituoso, etc, eles respondiam à altura. Uma vez inventaram uma fake News de que proibiam a entrada de gays no auditório. Eles responderam explicando que separam homens e mulheres na platéia, e só.

Exceto que explicaram isso enquanto figurantes vestidos de membros do Village People apareciam ao fundo, e Clarkson ainda termina dizendo que eles apreciam homossexuais, especialmente as lésbicas…

Em um episódio eles danificaram um Morris Marina, um carro bem meh dos anos 70. Um sujeito, membro do Clube dos Donos de Morris Marina postou no fórum do grupo que iria escrever uma carta pra BBC protestando, dizendo que era falta de respeito, etc.

Pois bem; Clarkson leu a mensagem, pediu desculpas, prometeu que não destruiriam mais Marinas, e até compraram um excelente exemplar que seria preservado e…

Com anos e anos de gracinhas e desaforos assim, claro que a turma da lacração escolheu Top Gear como alvo, citando como exemplo de “masculinidade tóxica”. Curioso é que nunca explicaram ou aceitaram que 40% do público de Top Gear ser composto por mulheres.

Na Década de 2010 começaram as chiadeiras de que Top Gear era apresentado por 3 homens brancos héteros. Claro, não levaram em conta que branco hétero descreve 90% da população britânica. A BBC começou a fechar o cerco, e quando uma diretoria mais preocupada em lacrar do que em lucrar assumiu (vantagens de ser estatal) esperaram um momento para detonar Clarkson.

Isso aconteceu em 2014, quando o idiota do Jeremy teve um surto de raiva depois de um longo dia de gravação, e deu um soco em um produtor. Ele pediu desculpas imediatamente, mas o tal produtor deu queixa no RH, foi pra imprensa e a coisa saiu de controle.

Ao invés de punir Clarkson com suspensão, multa, etc, a BBC achou que conseguiria se livrar do problema -ele- e tudo seguiria adiante, mas quando ficou claro que Clarkson seria demitido, Andy Wilman, que era o showrunner do Top Gear disse que iria se demitir junto. James May e Richard Hammond também seguiram o mesmo caminho.

Os quatro montaram uma produtora e ficaram esperando as propostas de canais e serviços de streaming, e foi uma boa disputa até a Amazon chegar, botar um saco de dinheiro na mesa e levar tudo. O resultado foi o ótimo The Grand Tour, e a cena de abertura do primeiro episódio é emocionante pros fãs dos 3 idiotas. Fora ser épica num nível de ter custado US$3,2 milhões.

Mas… e o Top Gear?

A BBC achou que seria a grande oportunidade de mostrar como o programa melhoria investindo em diversidade, inclusão, etc, etc, etc. Pegaram um formulário e saíram preenchendo as caixinhas. Negro? OK. Mulher? Sim. Americano? Beleza. Idoso? Tem.

Dos três idiotas brancos heteros agora Top Gear tinha como apresentadores Rory Reid, Sabine Schmitz, Matt LeBlanc, Chris Evans, Chris Harris e Eddie Jordan.

Chris Evans era o “líder”, mas não era o Capitão América, ele é um radialista inglês extremamente popular, mas entusiasta de carro no sentido de comprar um supercarro e deixar na garagem por não ter coragem de dirigir. Rory Reid foi um dos mais injustiçados, ele era um excelente jornalista, uma figura super-simpática, mas em todo lugar era o apresentador negro do Top Gear. Ao invés de ser o apresentador do Top Gear.

Matt LeBlanc era o Joey, de Friends, e era o outsider do grupo, o americano, a curiosidade, o que o fez se destacar, mas ele sempre parecia estar mais atuando do que qualquer coisa.

Chris Harris era um piloto de corridas, a verdadeira autoridade ali. Eddie Jordan era dono da Jordan, a equipe de Fórmula Um, mas ele já era entrado em anos e era uma figura pitoresca.

Sabine Schmitz era a pérola do grupo. Essa alemãzinha porreta apareceu no antigo Top Gear, em uma matéria onde iria fazer o circuito de Nürburgring em menos de 10 minutos. Em uma van. Ela não conseguiu, ficou em 10m08s. Sabine era uma figura sensacional, que faleceu cedo demais em 2021.

Ela apresentou um programa de carros na Alemanha, e ela e sua equipe acabaram convidando o antigo Top Gear para uma disputa sobre qual era o melhor programa. A produção do Top Gear recebeu ordens de não mencionar a Guerra, então naturalmente os 3 idiotas chegaram na Bélgica para encontrar os alemães voando em Spitfires.

Estava tudo certo para o novo novo Top Gear mostrar as vantagens da diversidade, mas a BBC esqueceu que diversidade de verdade é diferente de diversidade de comitê. Não havia liga, Chris Evans era um chato, parecia ter nojinho de tudo. Sabine era tratada como um bibelô, então só aparecia em matérias onde pegava um carro dirigia um pouco e ia pra casa.

Os apresentadores não funcionavam juntos, não passavam nem por um momento a impressão de que iam pro bar no final do dia. Era algo burocrático, engessado, sem paixão nenhuma. Como a BBC.

No final da temporada Chris Evans pediu as contas, Sabine que aparecia pouco apareceu menos ainda, e por algumas temporadas os programa ficou nas mãos de Rory Reid, Matt LeBlanc e Chris Harris, mas LeBlanc cansou de voar pra Inglaterra toda hora, e Reid decidiu pedir as contas também, por falta de agenda.

Esse trio também não tinha liga, Reid só soube da saída de LeBlanc pela imprensa. Mais uma vez o público ficou sem apresentadores, enquanto a lacração fazia suas exigências. Jornais como o Guardian, que odiavam Top Gear com todas as suas forças publicavam matérias dizendo que era hora de cancelar de vez o programa, que carros eram coisa do passado, petróleo mata ursos polares, etc.

Outros grupos, que também não assistiam Top Gear exigiam que por motivos de reparação histórica a nova temporada deveria ser apresentada só por mulheres ou minorias. Depois de ter conseguido se livrar do trio originais de tóxicos brancos héteros, a BBC precisava salvar o Top Gear da salada burocrática de apresentadores escolhidos pelo comitê de diversidade.

Eis que em 2018 chegam aos escolhidos: Andrew Flintoff, ex-jogador de Cricket, e Paddy McGuinness, ator com o nome mais inglês possível. Nenhum dos dois com nenhuma experiência automobilística, mas o essencial eles tinham: Nada em comum com Chris Harris, todos personalidades alfas e adoram implicar um com o outro.

Aos poucos eles foram se entrosando, e a cada programa sempre rola uma sacanagem, sempre alguém faz alguma besteira, e ficou claro que a BBC decidiu voltar ao modelo do Top Gear de Clarkson.

Óbvio que as personalidades, atitudes e interações não chegam aos pés dos 3 idiotas originais, mas esse novo trio ao menos funciona.

Sim, são uma versão sanitizada, eles jamais fariam algo como o comercial do VW Scirocco do velho Top Gear:

Mesmo assim é deliciosamente irônico ver como a BBC fez tudo para demitir Jeremy Clarkson, promoveu e prometeu todo um novo Top Gear baseado em diversidade e inclusão, e terminou só conseguindo fazer o programa mal ou bem funcionar, com… 3 homens brancos héteros.

E sim, eu sei que tecnicamente o Harris não é branco, a mãe dele é cipriota, mas ele está no top 3 entre os ingleses não-brancos mais brancos. Ele até criticou a exigência de um piloto que não se ajoelhou em protesto ao hino nacional, como Colin Kaepernick.

A diversidade é a culpada do Top Gear Lacração não ter dado certo? Não, claro que não, o problema não eram as etnias, gêneros, nacionalidades. O problema foi escolher os apresentadores com base nessas características, e não se eles se encaixavam no perfil.

Existe uma idéia na mente lacradora que só por fazer parte de uma minoria o sujeito é automaticamente bom no que faz, o que não é verdade. Eu sou brasileiro, latino e garanto que sou um lixo sambando.

A busca por diversidade teria dado certo se a BBC tivesse filtrado ENTRE os candidatos minoritários os que melhor se encaixassem com os outros apresentadores, mas aí teriam que dizer não para um monte de minorias. E como nós sabemos, a turma da lacração não está preocupada em fazer um bom produto, eles só querem ficar bem na fita.

De resto, a BBC conseguiu. Em sua busca pela Diversidade, acabaram forçando a criação do Grand Tour, então no final temos DOIS bons programas sobre carros apresentados por seis idiotas brancos. Parabéns aos envolvidos.


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