Marthe tinha 22 anos quando a 1ª Guerra Mundial a fez interromper seus estudos na Universidade de Ghent, na Bélgica, aquele país criado pra que ingleses e alemães tivessem um lugar pra resolver suas diferenças.
Ela estudava medicina e treinava para ser enfermeira, mas essa era a menor das preocupações, quando os alemães invadiram sua vila, Westrozebeke. Situada em Flandres, era mais um daqueles lugares que ficavam no meio do caminho da História, e acabavam atropelados por ela.
No caso o pai de Marthe atirou em tropas alemães, foi preso e a casa da família incendiada. A mãe se mudou para uma cidade próxima, e Marthe teve que se virar como enfermeira em um hospital local improvisado, controlado pelos chucrutes.
O hospital era comandado por um grupo de freiras, mas os alemães, desconfiados que só eles, expulsaram todas depois que acharam que estavam espionando para o inimigo. Marthe e uma equipe mínima ficaram responsáveis, mas ela se virou mesmo assim.
Pacientes chegavam de todos os lados, civis, soldados inimigos e muitos alemães. Marthe tratava todos com a mesma atenção, e exigia que sua equipe seguisse seu exemplo. Um ano depois, vendo que Marthe era um excelente recurso, os alemães a presentearam com uma transferência para Roulers, uma cidade próxima, onde sua mãe estava morando.
Trabalhando no hospital alemão local, Marthe era bem requisitada, pois além de ser uma excelente enfermeira, ela falava inglês, alemão, francês e flamengo, o dialeto local em Flandres.
Ela acabou encontrado uma antiga vizinha, Lucelle Deldonck, que se identificou como membro da Resistência, espionando para os ingleses. Lucelle convidou Marthe para entrar para o grupo. Marthe aceitou, e botou seus poderes lingüísticos para funcionar.
Marthe constantemente ouvia conversas entre oficiais alemães, que não sabiam que ela era fluente, e como era extremamente querida pelos pacientes, inevitavelmente eles davam com a língua nos dentes, mesmo apenas pra impressionar a jovem enfermeira belga.
Sem contar que seus pais tinham um Café, freqüentado por tropas alemães, excelente para pescar conversas alheias.
Um dia, depois que pedir pra participar de ações “reais” de sabotagem, ela recebeu ordens de destruir a linha telefônica de um padre que passava informações para a Alemanha. Provavelmente a ação mais inofensiva da Guerra, mas ela teve seu momento de Agente Carter. Só não sabia que sua vida iria complicar.
Um inquilino de Martha, chamado Otto um dia se aproximou e tentou recrutá-la para trabalhar como… espiã para os Alemães. Ele deduziu que como ela era uma moça quieta, não se metia em política e era muito bem-vista no hospital deveria ser simpática à causa.
Consultando seus superiores, foi decidido que Martha poderia ser bem útil como agente dupla. Ela aceitou a proposta de Otto, e forneceu muitas informações de menor importância, mas que deixaram os alemães felizes. Até que Otto, que não entendia o conceito de Freund-Zone achou que Marthe estava dando mole pra ele, e começou a arrastar asa pra cima dela. Insistentemente.
Marthe pediu ajuda a seus superiores, e bem, a Alemanha perdeu 1.773.700 soldados na 1ª Guerra, subir isso pra 1.773.701 não iria fazer diferença. Digamos que Otto precisaria de Chico Xavier pra voltar a importunar a moça.
Mais experiente e saidinha, Marthe começou a explorar a cidade à busca de alvos, e acabou encontrando uma tubulação de esgoto que passava debaixo de um depósito de munições. Um plano foi elaborado e ela e um colega chamado Alphonse foram incumbidos de posicionar uma carga de dinamite, mas aí tudo deu errado. Não se sabe se eles foram dedurados, ou se alguma sentinela os ouviu, mas eles saíram sem explodir nada, e em uma cena típica de um drama de Hollywood, Marthe deixou para trás seu relógio, que trazia suas iniciais.
Uma rápida busca no Google e os alemães listaram todas as mulheres da cidade com as mesmas iniciais. Marthe foi presa, acusada de espionagem e alemães não brincam em serviço, ela seria fuzilada sumariamente. The End.
Só que não.
Durante o julgamento, alguém lembrou que Marthe não só era uma excepcional enfermeira, como isso foi reconhecido até pelos alemães, oficialmente. Marthe havia sido condecorada pelo Exército Alemão com uma Cruz de Ferro.
Por portar aquela honraria, ela merecia toda a clemência que a Corte pudesse oferecer, e sua sentença de morte foi comutada para prisão perpétua, yay!
Sorte de Marthe que a Alemanha iria se render dois anos depois. Ela foi libertada em 1918, e teve seus feitos reconhecidos, sendo condecorada pelos ingleses, e recebendo dos franceses a Legião de Honra, a mais importante medalha do país. A Bélgica também medalhou a moça. Ela chegou a receber um “certificado de galanteria” das mãos de Winston Churchill.
Churchill voltaria a encontrar Marthe. Ela logo se casou com um oficial britânico, que se tornou seu ghost writer, escrevendo suaa biografia, I Was a Spy!
Winston Churhill escreveu o prefácio.
Dado o feedback positivo, Marthe foi estimulada a escrever mais histórias, e acabou publicando mais de uma dúzia de novelas de espionagem, assinando como Marthe McKenna, seu nome de casada. De novo, a suspeita é que o marido escrevia tudo, pois quando o casal se separou em 1951, ela não publicou mais nada.
Marthe não sabia, mas durante a 2ª Guerra Mundial seu nome estava no Livro Negro, uma compilação feita pela SS com nomes de indivíduos que deveriam ser imediatamente presos, caso os nazistas fossem bem-sucedidos invadindo a Inglaterra. Spoiler: não foram.
Ela teve o prazer de ver a Alemanha tomar uma segunda piaba na Europa, e depois da Guerra voltou para Westrozebeke, onde viveu em paz até falecer, em 1966. Marthe 2 x 0 Alemanha. Nem sempre é um 7 x 1.