O Monge do Mal, a amiga do Bono e o Genocídio que não lacra

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A vila de Tula Toli não teve nem chance de reação quando os soldados chegaram. Oficialmente estavam em uma missão para deter um grupo rebelde, mas o objetivo real era outro. Com auxílio de um grupo religioso armado com facas, cercaram boa parte da população na margem do rio. Fizeram as mulheres assistirem enquanto os homens e meninos eram executados, mas o pior ainda estava por vir.

As que pediam por água, eram esfaqueadas. As crianças que choravam, também. 

Satisfeitos com o massacre, os soldados e religiosos arrastaram as mulheres e meninas sobreviventes para as cabanas e as estupraram até se entediarem, alguns dizendo “O quê seu Allah pode fazer por você”.

Depois disso botaram fogo nas cabanas, o que muitas das vítimas devem ter entendido como uma bênção.

Oficiais chegaram para avaliar a situação, distribuíram armas para quem não as tinha, ordenando que todos fossem mortos, e os corpos queimados. O que sobrou da vila, animais, comida, objetos de valor foi saqueado pelos soldados. Ao final eles pediram aos religiosos que fizessem frango ao curry, e foram prontamente atendidos. 

Esse foi só um capítulo na saga dos Rohingya, considerados a minoria mais perseguida do mundo, mais do que Otakus. Eles deram o azar de ser muçulmanos, em uma época em que não estão exatamente na moda, mas para piorar eles vivem em Myanmar, um país onde a Primeira-Ministra é Aung San Suu Kyi, amiga do Bono e de toda a Hollywood liberal, tem uma Medalha de Ouro do Congresso, dos EUA, é Embaixadora da Consciência da Anistia Internacional e entre outros, ganhou um fodendo Nobel da Paz.

Myanmar’s Minister of Foreign Affairs Aung San Suu Kyi addresses the 71st United Nations General Assembly in Manhattan, New York, U.S. September 21, 2016. REUTERS/Carlo Allegri

Por causa disso ninguém fala do Genocídio em Myanmar, e só depois de muito custo o Bono criticou publicamente a amiga, afinal o que são algumas dezenas de milhares de mortes estupros e espancamentos diante de um sorriso simpático?

Ah sim, eu falei que os religiosos em questão eram budistas? Pois é, Myanmar, que vou chamar de Burma afinal é o mesmo shithole é um país de maioria budista que percebeu que tinha uma minoria de 1 milhão de muçulmanos e hindus vivendo mal e porcamente em Rakhine, que por algum motivo o Google me diz se chamar Arracão em português.

Os Rohingya não são exatamente burmeses, desde os tempos das Ditaduras eles não tinham sua nacionalidade reconhecida, e é comum que soldados roubem os documentos das pessoas, mas desde 2012 a situação tem piorado.

Em 2016 63 mil Rohingyas viraram refugiados, em 2017 foram mais de 10 mil mortes com soldados e budistas espancando quem fugia, e ah, eles fugiram. Nada menos que 700 mil refugiados escaparam para lugares como Bangladesh, e quando sua opção é Bangladesh a situação onde você está deve ser uma merda.

Vários países protestaram, a ONU protestou e mandou uma carta bem ríspida para Aung San Suu Kyi, e recentemente atitudes severas foram tomadas: O Canadá cancelou a cidadania honorária que havia concedido a ela, mas Suu Kyi nem é a pior nessa história, o título vai para este filho da puta aqui:

O nome dele é Ashin Wirathu, e se você acha que o Trump odeia muçulmanos, não viu nada. Ele conseguiu o feito de ser expulso do Facebook por discurso de ódio anos antes do Alex Jones. Sua fala mansa de paz e harmonia é intercalada por declarações sobre os muçulmanos tipo…

“Você pode ser cheio de ternura e amor, mas você não pode dormir ao lado de um cão raivoso”

“se formos fracos nossa terra se tornará muçulmana”

“Muçulmanos são como a carpa africana. Eles se multiplicam rapidamente, e são muito violentos e comem seus semelhantes. Mesmo eles sendo minoria aqui, estamos sofrendo os efeitos que eles causam”

“Eu aceito o termo ‘extremista’ com orgulho”

Ele associa os muçulmanos a todos os problemas em Burma, tudo parte de um plano de conquista islâmica, e -claro- quer proteger as mulheres do país. Um de seus alvos são os casamentos, ele quer proibir união de homens muçulmanos com mulheres burmesas.

Oficiais negam que haja perseguição religiosa ou limpeza étnica, dizem que a questão é de “soberania”, mas em realidade o Arracão (pfff) é uma região, se me permitem usar um termo técnico, completamente fodida. 78% do povo está abaixo da linha da pobreza, e a linha da pobreza em Burma é punk. Não me parece que Independência seja uma das principais prioridades deles.

Ah sim, a foto do Monge FDP lendo a revista com ele mesmo na capa é de 2013.

Em 2017 quando 40 mil refugiados tentaram entrar na Índia, o resultado foi um imenso sentimento anti-Rohingya, e se Bangladesh não manda todo mundo de volta é por falta de recurso mesmo.

O mais assustador é que as atrocidades são instigadas por um monge budista, e para conseguir uma condenação mais ríspida de outros religiosos é preciso quase apelar pra tortura. Boa parte dos monges em Burma, mesmo os que condenam Ashin Wirathu compartilham das idéias nacionalistas anti-muçulmanas. 

É um caso fascinante, pois o budismo tem o marketing de ser a Religião da Paz, sem aspas irônicas, e a gente imagina o Sr Miyagi (que era xintoísta mas chinês é tudo igual, ou coreano, sei lá). Não um sujeito capaz de matar uma menina de 5 anos por tentar impedir o estupro da mãe, ou cortar o pescoço de um bebê de 8 meses por chorar e atrapalhar um estupro coletivo.

Claro que os Rohingya não são santos, ninguém apanha tanto tempo e se mantém ovelhinha passiva, com o tempo surgiram grupos que tentam combater a violência budista (soa estranho, né?) mas a resposta é totalmente desproporcional.

Infelizmente não há final feliz à vista. Wirathu  foi banido do Facebook e de outras mídias sociais mas espalha seu ódio ao vivo, no rádio e através de CDs e pendrives. O banimento só serviu para reforçar seu discurso de que “os árabes estão dominando a mídia global”, o que deve ter feito o judeu Zuckerberg sorrir. 

A comunidade internacional acompanha tudo de longe, sem muito interesse. A amiga do Bono aprecia e faz sua parte para não fazer nada. Burma persegue abertamente a imprensa que tenta noticiar sobre o genocídio, e agora em Setembro dois repórteres da Reuters foram condenados a sete anos de prisão por fazer seu trabalho.

As perspectivas para os Rohingyas são negras. Aliás, negras não, o Genocídio de Ruanda virou até filme e mal ou bem era gente se matando dos dois lados, em Burma são 55 milhões de budistas ensandecidos contra 1 milhão de muçulmanos que mal têm o que comer, e quem é chamado de Bin Laden de Myanmar é o tal Monge do Mal.

COX’S BAZAR, BANGLADESH – SEPTEMBER 20: A Rohingya refugee boy desperate for aid cries as he climbs on a truck distributing aid for a local NGO near the Balukali refugee camp on September 20, 2017 in Cox’s Bazar, Bangladesh.

O Ocidente está cagando e andando, fora as cartinhas de protesto; boicotes enfraqueceriam a já instável democracia no país, e expor demais a tal Aung San Suu Kyi só mostraria o quanto ela fez de trouxa um monte de gente, incluindo o Comitê Nobel. Já o tal monge, no máximo dizem que ele não representa os ideais de Buda, uma velha e previsível aplicação da falácia do Verdadeiro Escocês.

Ninguém vai se meter naquele atoleiro, ainda mais pra salvar muçulmanos. A lembrança do Vietnã ainda é recente demais na memória dos EUA, e os ingleses se lembram de quantos soldados perderam em trabalhos forçados quando os japoneses os usaram como mão-de-obra escrava pra construir a ferrovia de Burma.

Já a Internet lacradora? Não vão se meter, mesmo que conseguissem achar Burma em um mapa. A preocupação deles com muçulmanos se resume a garantir a islamização da Suécia e protestar para que burquinis sejam liberados na França. Não vão defender o bastante pra arrumar encrenca com a turma mais conservadora, e de qualquer jeito a questão de Myanmar é complicada demais para a galerinha que só consegue raciocinar em absolutos tipo “palestinos bons Israel malvada”. Ninguém vai perder tempo tentando entender a situação, muito menos fazer vídeos e posts no Instagram, a Internet é terra de maniqueísmo e soluções instantâneas (e ineficazes) #Koni2012

A ONU? Ela enviou a coreana Yanghee Lee para avaliar a situação, e o que ela viu não foi nada agradável. O Honorável Monge foi rápido em seus comentários sobre a distinta diplomata:

“Nós explicamos sobre as leis de proteção de raça, mas a cadela criticou nossas leis sem estudá-las apropriadamente. Não assuma que você é uma pessoa responsável por causa de sua posição, você é uma puta.”

A ONU prontamente mandou uma cartinha bem ríspida condenando a declaração.

Problema resolvido.



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